A coincidência de calendários dos respetivos Campeonatos do Mundo levou a várias comparações entre as atuais realidades de modalidades de pavilhão como o hóquei em patins e o futsal. A primeira, com um traço maior de história mas à procura de resgatar um futuro, quase parece ter parado no tempo tendo em conta as equipas que estão em prova e os crónicos candidatos ao título que continuam a ser os quatro do costume. A segunda, sem tanta tradição mas com um potencial enorme de crescimento, continua a dar passos seguros no sentido de uma maior internacionalização e competitividade, como se tem visto na edição no Uzbequistão. No entanto, há problemas que podem ser transversais a qualquer desporto e essa também pode ser uma dor de crescimento que as próprias figuras querem acabar de vez depois de mais um episódio insólito.

Os alarmes soaram pela primeira vez em 2008, quando um jogo no mínimo caricato acabou por deixar de fora Portugal na primeira fase. A Seleção tinha ganho antes ao Paraguai por 3-2 e perdido com a Itália por 3-1, ficando à espera da classificação final após vencer a Tailândia. Se os europeus não perdessem, o conjunto nacional tinha passagem garantida, se os sul-americanos ganhassem as contas ficavam mais complicadas. Foi isso que aconteceu: a Itália saiu a ganhar por 2-1 para o intervalo mas como que desligou na segunda parte, sendo que os últimos minutos, com o Paraguai na frente por 4-2, as duas equipas “recusaram” jogar por terem ambas passagem à fase seguinte assegurada. Agora, o caso foi pior e sobretudo mais evidente.

Com a qualificação garantida e todos os cenários em cima da mesa, Irão e França jogavam na última ronda da fase de grupos para discutirem o primeiro lugar. Depois do nulo ao intervalo, os asiáticos partiram para uma goleada por 4-1 no segundo tempo mas o resultado levantou muitas dúvidas no final, com um golo de Salar Aghapour a ser o expoente máximo do caricato pelo movimento quase propositado do guarda-redes Thibaut Garros na baliza. Podia uma derrota beneficiar os gauleses? Neste caso sim, tendo em conta que o primeiro do grupo F joga com Marrocos mas cruza depois com o vencedor do Brasil-Costa Rica, ao passo que o segundo classificado defronta a Tailândia e joga a seguir, em caso de triunfo, com Paraguai ou Afeganistão.

Maior diferença? As principais referências da modalidade não calaram a sua revolta, colocando em causa a veracidade do resultado e pedindo uma posição forte não só da FIFA mas dos próprios jogadores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Já tinha acontecido no Mundial do Brasil, entre Paraguai e Itália, onde esteve aos olhos de todos o que aconteceu para que ambos se apurassem para a fase seguinte. E agora a França faz o mesmo para evitar rivais mais difíceis. Não sei até quando os atletas vão pactuar com estas coisas e quando vão criar um conceito para que na última jornada haja mais coisas assim! O futsal perde, o desporto perde… que triste!”, escreveu Ricardinho, antigo internacional português considerado em seis ocasiões o melhor do mundo. “É uma questão de honra. E queremos respeito”, escreveu Erick, um dos pilares da atual Seleção, pouco depois do jogo terminar. “E é esta a imagem que queremos passar do futsal…”, acrescentou também Tomás Paçó.

“Até organizei as coisas para ver este jogo, o Irão-França, porque era um dos jogos que queria ver. O Irão pela história, a França porque chega forte… Estavam qualificadas e parecia que ninguém queria ficar no primeiro lugar. Em ano de Jogos Olímpicos, com um Mundial que queríamos forte… Até vou para o Uzbequistão para ver as meias-finais e a final, e falar com o presidente da FIFA, e isto tira a nossa força. Foi claramente um jogo combinado desde o início. Não houve um critério de jogar e depois no final, nos últimos minutos, não arriscar. Vemos o 0-0, o tempo a correr, chutam para fora como se nada fosse. O homem lá de cima não vai deixar que ganhem nada, até pela repercussão que está a ter. Queremos que o desporto seja olímpico com este tipo de atitudes? Foi uma das grandes vergonhas do futsal, infelizmente logo num Campeonato do Mundo”, apontou Falcão, antigo internacional brasileiro e um dos melhores de sempre.

De acrescentar que, logo após o encontro, a Líbia, uma das duas equipas que terminaram no terceiro lugar mas não se apuraram para os oitavos do Mundial, apresentou um protesto formal junto da FIFA pelo que aconteceu. Também o Paraguai, que terminou no primeiro lugar do grupo A e pode cruzar com Tailândia ou França nos quartos, estuda essa possibilidade. A FIFA ainda não se pronunciou sobre o sucedido.