Os certificados de Aforro vão passar a prescrever ao fim de 20 anos após a morte do titular, uma das várias alterações que o Governo aprovou no conselho de ministros desta quinta-feira, 26 de setembro, relativamente a este produtos de poupança no Estado. Esta é uma alteração que tem como objetivo acabar com a litigância que foi gerada, nos últimos anos, pela forma dúbia como a lei está escrita – aliás, o Governo deu instruções ao IGCP para, após uma análise caso a caso, desistir de todos os processos que estão pendentes em tribunal (quatro processos, no valor total de 140 mil euros).

O que está em causa é que todos os anos, o Estado português se apodera, em média, de dois milhões de euros de poupanças dos portugueses. São poupanças que não foram reclamadas pelos herdeiros de alguém que subscreveu certificados de aforro, algo que acontece, muitas vezes, porque os herdeiros nem sabem que os seus familiares, à sua morte, tinham aquelas poupanças.

A forma como a lei está redigida, até agora, é dúbia. Indica-se um prazo de 10 anos e o IGCP assume que a prescrição começa a contar no momento da morte do titular – mas houve decisões de tribunal que foram em sentido contrário, ou seja, contar 10 anos a partir do momento em que o herdeiro teve conhecimento da existência do investimento.

Autoridade Tributária vai passar a avisar herdeiros de que os certificados existem

Além disso, vai também introduzir-se uma alteração que está relacionada com a interação entre o IGCP e a Autoridade Tributária. Em termos simples, o IGCP vai passar a informação sobre a existência de certificados de aforro associados a um titular e essa informação vai passar a aparecer pré-preenchida no formulário que é entregue pelos herdeiros (o chamado “modelo 1”). Isso vai fazer com que não seja tão frequente os herdeiros alegarem que não tinham conhecimento.

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O que está em causa é que, quando alguém morre, não há uma forma fácil de saber que aquele familiar tinha em seu nome certificados de aforro, o principal instrumento de poupança gerido pelo Estado português. Em contraste com as contas bancárias, os seguros e o património imobiliário, que são de fácil consulta pelos herdeiros, após a morte de alguém, estes produtos de poupança estão numa espécie de penumbra que contribuiu para que o Estado se tenha apoderado de mais de 18 milhões de euros só nos cinco anos entre 2017 e 2022.

Na prática, é possível um herdeiro perguntar à Agência de Gestão da Tesouraria e Dívida Pública (IGCP), a entidade que emite os certificados de aforro, se determinada pessoa que morreu tinha alguns instrumentos de poupança do Estado. Se for um herdeiro legalmente habilitado, e munido com certidão de óbito, pode fazer esse pedido. Mas o processo tem sido burocrático e para que essa pergunta seja feita o herdeiro tem, pelo menos, de suspeitar que o seu familiar tinha subscrito certificados de aforro. O que, muitas vezes, não acontece.

Uma medida por dia. Estado está a privar herdeiros do direito de receberem certificados de aforro?

Esta não foi a única alteração aprovada nesta quinta-feira, relativamente aos certificados de aforro. Saiba, em resumo, que outras alterações vão ser feitas, num diploma legislativo que deverá ser publicado nos próximas dias e, depois disso, entra em vigor após 30 dias.

  • Aumento dos limites de investimento. Na série F o limite passa de 50 mil unidades para 100 mil unidades mas, em termos cumulativos, quem também tem certificados da série E (a anterior) pode ter no máximo 350 mil unidades, em vez dos atuais 250 mil unidades. Cada unidade, no momento da subscrição, equivale a um euro. Esta é uma alteração, apurou o Observador junto de fonte governamental, que está relacionada com a perspetiva de um maior investimento em certificados de aforro à medida que os bancos centrais (sobretudo o BCE) reduz as taxas de juro, que é o que está previsto acontecer.
  • Séries mais antigas (A e B), que só existem em suporte físico, vão passar a ter também um suporte digital.
  • Todas as amortizações, como já acontece nas séries mais recentes, só passam a poder ser feitas através de transferência bancária. Há um período de transição de cinco anos, que também se aplica ao ponto anterior (passagem de suporte físico para suporte digital).
  • Elimina-se a figura do movimentador, embora o aforrador possa continuar a mandatar um terceiro para mexer na conta de certificados de aforro.
  • Vai ser mudada a lei para tornar mais claro que todas as instituições financeiras e de moeda eletrónica, registadas no Banco de Portugal, podem celebrar com o Estado contratos de distribuição de certificados de Aforro. O anterior Governo já tinha mudado esta lei, para permitir que outras entidades além dos CTT (e Lojas do Cidadão) pudessem vender. Mas só um banco – o Banco BIG – é que decidiu participar.

Além destas alterações, o conselho de ministros aprovou, também, uma verba de 22 milhões de euros para dotar o IGCP de melhores condições de hardware e software, para estar em melhores condições de garantir a segurança e a acessibilidade da sua plataforma. Isto depois de o site AforroNet ter estado em baixo, várias semanas, o que o presidente do IGCP justificou com uma falha informática.

AforroNet. Site em baixo há vários dias para “reforçar a segurança” após ter havido um “acesso indevido” a dados pessoais

IL colocou tema da prescrição na campanha eleitoral

O tema da prescrição surgiu na campanha eleitoral graças à Iniciativa Liberal. O partido tinha no programa eleitoral uma medida que visa “garantir a reclamação dos certificados de aforro após morte do titular“, o que passa por acabar com uma “interpretação iníqua” que está a ser feita da lei.

Atualmente a lei diz que, “por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades”. A interpretação que o IGCP faz desta lei é que os 10 anos são contabilizados começando no dia em que morre o subscritor. Isso está, aliás, dito nas regras descritas no site do IGCP, que afirmam claramente que o prazo começa “a contar [a partir] do falecimento do titular”.

Porém, já houve decisões de tribunal que foram no sentido oposto. Essas decisões, como recordou a IL na campanha eleitoral, confirmaram que o prazo de 10 anos começa no momento em que o herdeiro toma conhecimento de que aqueles valores existiam. Mas “a administração pública responsável tem aplicado uma interpretação da lei mais restritiva“, disse o partido liderado por Rui Rocha, que considerou este um exemplo do “desequilíbrio da relação entre o Estado e os cidadãos”.

Esta é uma matéria ainda mais relevante tendo em conta que entre 2022 e meados de 2023 houve uma “corrida” aos certificados de aforro, em que milhares de portugueses colocaram ali as suas poupanças, atraídos pelas taxas de juro elevadas que este produto oferecia até à mudança das condições, anunciada no verão de 2023.

Em julho deste ano havia 33,9 mil milhões de euros investidos em certificados de aforro (mais quase 1% face ao mesmo mês de 2023), segundo dados do Banco de Portugal.

Em junho de 2023, o Governo (PS) decidiu baixar a remuneração dos certificados (passando de uma taxa máxima de 3,5% para 2,5% na atual série) o que levou a uma forte diminuição da procura pelos certificados de aforro. Fonte governamental disse que, apesar das várias alterações anunciadas nesta quinta-feira, não está prevista qualquer alteração nos juros pagos por este produto de poupança.