Não tenhamos vergonha em admiti-lo: por vezes, tudo o que queremos na vida é de nos atirarmos para o sofá, carregar no play e ver uma série romântica de uma ponta à outra. Se tiver um par a transbordar química, se for lamechas coisa que chegue, se tiver piadas minimamente bem escritas e personagens inconvenientes, é só lucro. Ninguém Quer Isto — cuja primeira temporada de dez episódios está disponível na Netflix — junta todos estes ingredientes, mistura tudo e apresenta-nos um batido que pode não ser o melhor que já provámos na vida — não é de certeza, longe disso — mas vai certamente satisfazer a necessidade descrita no arranque deste parágrafo.
Estamos em Los Angeles, numa zona suburbana onde toda a gente parece mais ou menos de classe média, daquela que não tem grandes problemas de dinheiro, a luz é sempre incrível e as casas apelativas e bem decoradas. Joanne (Kristen Bell) é uma podcaster (já podemos usar este termo em português?) que consegue viver exclusivamente às custas do podcast que tem com a irmã, Morgan, sobre sexo, relações falhadas e maus encontros. Noah (Adam Brody) é um rabino cool que faz piadas sarcásticas, acabado de sair de uma longa relação. Quando os dois se cruzam, há faísca. Mas, com uma boa dose de Romeu e Julieta dos tempos modernos, este é um amor proibido. Ela é uma mulher independente e extremamente cética sobre tudo o que diz respeito à espiritualidade. Ele é um homem comprometido com as suas crenças, que tem de dar o exemplo à comunidade que lidera. Logo, ficar com uma não-judia está completamente fora de questão.
Mas quando há atração, há atração e, mesmo tendo noção de um futuro quase impossível, Joanne e Noah não conseguem ficar longe um do outro. Os dois atores escolhidos para protagonistas têm uma química natural que deixa quase todo o trabalho da série feito logo à partida, compensando a pouca profundidade dos arcos narrativos ou os clichés exagerados. Percebemos que Joanne seja uma agnóstica dedicada, mas será credível uma norte-americana de 30 e tal anos a viver em Los Angeles, rodeada por uma data de culturas e ideologias, nunca ter ouvido falar no shabbat (o dia de descanso para os judeus)?
[o trailer de “Ninguém Quer Isto”:]
Adiante, façamos vista grossa e ouvidos moucos, porque estamos aqui para torcer por estes dois. Alguém tem de os ajudar, já que parece estar quase tudo contra eles. Do lado de Joanne há uma irmã super ciumenta e hiper territorial que, não só está a perder a atenção fraterna, como o material para o podcast. Ninguém quer saber de uma relação feliz sem detalhes escabrosos para contar. Do lado de Noah estão — resumidamente — todos os judeus do mundo. Além dos superiores na sinagoga, que nunca vão deixá-lo progredir na carreira sabendo do romance com uma gentia, está a mãe mandona (que tem a noiva escolhida e provavelmente também os nomes dos hipotéticos cinco netos), uma cunhada que parece um cão de guarda e uma ex-namorada judia cujo maior sonho na vida era ser mulher do rabino.
A resistência que os judeus desta história (sobretudo as figuras femininas) têm em aceitar alguém que não tem as mesmas crenças religiosas (ou simplesmente não tem nenhumas) parece exagerada, mas temos de dar crédito à criadora da série, Erin Foster, e acreditar no que passou para o guião de Ninguém Quer Isto. É que a narrativa baseia-se em parte na sua história: apaixonou-se por um judeu (embora não rabino) e acabou a converter-se por amor e tem um podcast com a irmã, The World’s First Podcast.
A produção da Netflix tem outro trunfo personificado pelos irmãos dos dois protagonistas. Morgan é o oposto da irmã: muito alta e pouco focada, é interpretada por Justine Lupe (a subaproveitada Willa de Succession) que lhe dá as nuances necessárias para vejamos como aceitável — e até compreensível — o egoísmo e os ciúmes que aparecem quando tem de começar a partilhar Joanne com Noah. Vindas de uma família disfuncional, onde o pai descobriu ser gay aos 70 e a mãe continua apaixonada por ele, apoiam-se quase exclusivamente uma na outra. Porém, merecia mais do que ser um adereço para ajudar a conduzir a história central. Sabemos que é divorciada, mas porque falhou essa relação? Porque é que continua a fazer escolhas erradas no que toca a homens, tendo perfeita noção disso?
Estamos novamente a desviar-nos do propósito, que aqui é puramente entreter sem levantar grandes questões existenciais. Uma decisão de conversão religião por amor é um tema complexo e profundo, suscetível de ótimo tratamento ficcional, mas não é isso que vai levar ninguém a ver esta série até ao fim. Foquemo-nos: Morgan tem uma dinâmica estranha com Sasha, o irmão mais velho de Noah. Timothy Simons (o pica-miolos incrivelmente chato de Veep, Noah) fecha esta dupla de forma perfeita. Inconveniente, bastante inútil, tão alto que parece estar sempre a mais nas cenas, é um elemento cómico que funciona para os dois lados. Gosta de ver o circo a arder, mas também pode ser um trunfo fiel e dedicado, embora pareça estar constantemente alienado da realidade. Os “irmãos falhados”, é assim que ambos se auto intitulam, acabam a formar uma amizade improvável que dá genuína alegria ver. Se a coisa vai continuar tão inofensiva na eventualidade de uma segunda temporada? Parece difícil, mas se isso garantir mais tempo de antena para estes dois, é de subscrever já a petição.
Quem estiver à espera de uma história de amor profunda, cheia de dilemas morais, vai ficar inevitavelmente desiludido. Tendo em conta que o protagonista é um rabino, a série podia ter explorado muito mais uma possível luta interna entre o amor e a vocação. Mas não foi. Ninguém Quer Isto é exatamente o que muita gente quer de forma assumida e despreocupada. É leve, os episódios são curtos (menos de meia hora), tem piada, o ritmo certo e atores competentíssimos, com um timing de comédia assinalável e uma química inegável. Não queríamos ser Joanne, Noah, Morgan ou Sasha, mas queríamos de certeza tê-los no nosso grupo de amigos.