Taylor Swift em tartan na cerimónia dos MTV Music Awards. Lady Gaga no festival de Veneza. Céline Dion na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Ou quem sabe aquele dia em Cannes em que um vestido demasiado transparente para a luz das cinco da tarde obrigou ao único recurso quando todas as portas estavam fermé: usar as cortinas do hotel Martinez para compor um look. É provável que lhe chamem toque de Midas, ou a capacidade de posicionar um produto Dior na pessoa certa, no espaço certo, no momento certo, alimentando a hashtag #starsindior — tal como é garantido que o ADN da moda e o estilo de vida parisiense que corre na família há décadas facilitem a beautiful life de Mathilde Favier. Bom, isso e uma lista de contactos de peso, claro. “Sim, é boa”. Que nome falta no telefone da Diretora Mundial de Celebridades da Dior? “O papa! Adorava conhecer o Papa, conversar com ele. Não sei sobre o que falaríamos mas adorava poder sentar-me com ele e falar. Talvez enviar-lhe uma sms e perguntar-lhe se podíamos tomar um chá e conversar. Penso que não viria a um desfile de moda, mas eu iria ter com ele, sem qualquer problema!”, conta ao Observador.

Mathilde não está só nesta missão. No showroom Dior, a equipa de relações públicas depende ainda de Lucie, Aurore, Taria, Aline, Christèle, Marine e Hélène, com quem trabalha há vinte anos

Numa manhã de sexta-feira sem sol em Lisboa, a água aromatizada rende as chávenas e saquetas no primeiro piso da loja da maison francesa. É na Avenida da Liberdade que Favier apresenta o livro com selo Flammarion lançado em maio, sobre essa aparentemente perene joie de vivre na capital francesa. “Why have there been no great women artists?” (Por que não houve grandes mulheres artistas?), lê-se na sua marinière, a mesma que abriu o desfile que antecipou a primavera 2018, e que resgatava um slogan feminista trabalhado por Maria Grazia Chiuri. De mini saia, collants negros, com os seus Miss Dior Pump nos pés, que fazer quando tudo arde? Basta parar, nada de muito grave, é apenas uma vela Eden Rock em cima da mesa defronte do público, que reativa temporadas de ócio na riviera francesa, cujo charme parece não ter desbotado. Mas é um facto que as regras do jogo são outras.

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Mathilde em 2013, com o criador Pierre Cardin e Lee Radziwill © Getty Images

Tempos houve em que os criadores das principais casas de Moda rumavam aos Óscares armados dos seus melhores vestidos, na esperança de serem eleitos pelas estrelas, sem transação envolvida. As posições inverteram-se e hoje são as marcas a caçar as celebridades que mudam o rumo dos números, dos flashes e do fluxo de informação. Responsável máxima pelas relações públicas, o círculo de Mathilde Favier enche-se de embaixadores e outras celebridades que engrossam a chamada A List, onde se encontram os nomes dos mais cobiçados. São pontas de lança da alta-costura com direção criativa de Chiuri, que se apresentam ao serviço em passadeiras vermelhas, festas, festivais de cinema, filas da frente de desfiles e outros grandes eventos à escala global. “Não se consegue ser RP se não se gostar da marca que representamos”, sentencia Mathilde a meio caminho da intervenção.

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Neste starsystem, tanto cabem memórias das estrelas de proporções galácticas como as fiéis escudeiras locais. Nas filas da frente deste encontro tanto se sentam Isabel Abreu como Filipa de Abreu. Da primeira água do teatro ao influencing, há espaço para a diversidade na constelação da maison, cujos tentáculos são cada vez mais vastos. Sónia Balacó (que conduz a sessão), Victoria Guerra e Joana Ribeiro completam o leque de atrizes nacionais, em imaculados looks Dior.

“Sim, as coisas mudaram. Dantes tínhamos menos embaixadores, menos atrizes, e não estavam abrangidos por contratos de exclusividade, como hoje estão. O meu trabalho é descobri-los e apanhá-los enquanto ainda não são conhecidos, para permitir que sigam aqui a sua carreira. Caçá-los ainda muito jovens é também a parte mais difícil do meu trabalho”, admite-nos Mathilde, já à margem da apresentação. Como se decide onde se apostam as fichas? “Isso deve-se puramente à intuição, claro que sei bem o que a Maria Grazia ou a Delphine Arnaut gostam e procuram. Vejo muitos filmes, sabe?”

Foi graças ao cinema que descobriu Nadia Tereszkiewicz, estrela do filme de François Ozon, Mon Crime, que se tornaria embaixadora Dior, um bom exemplo deste processo de scouting. “Disse a minha equipa que tínhamos que olhar para aquela rapariga porque era de facto muito boa e assim se tornou nossa embaixadora.” E já que falamos de cinema, talvez valha a pena o leitor rever o filme “Maria Antonieta”, de Sofia Coppola, realizadora, amiga pessoal de Favier, e que recrutou vários parisienses ilustres para o seu clássico rodado em Versalhes. “Eu e a minha irmã fizemos de cortesãs. Até o meu tio aparece em várias cenas”.

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No desfile Dior Fall/Winter 2023/2024 © Getty Images

Filha legítima do seizième, ainda não tinha 14 anos quando foi estagiar para a Chanel. Anos mais tarde, na Glamour, beberia as lições de Brigitte Langevin e de Anne Chabrol — e passaria a conhecer os grandes nomes do meio, de Mario Testino a Carine Roitfeld, de Jurgen Teller a Babeth Dijan. O resto, é praticamente história. Mathilde nada como peixe na água neste reduto que desagua online – só no seu Instagram é seguida por mais de 200 mil pessoas, o que a torna também a ela numa influenciadora digital numa era em que parece sempre que mais é mais. “Vivemos num mundo com tudo mas a qualidade é sempre mais importante que a quantidade. Trata-se de privilegiar a beleza e o detalhe. Sabe melhor despejar uma coca-cola num copo do que bebê-la da lata.”

Digamos que a sofisticação dos pequenos gestos é bem anterior ao apogeu das redes. O tio, Gilles Dufour, foi braço direito do alemão Karl Lagerfeld na Chanel. A irmã Victoire de Castellane é designer de joias da Dior. Pauline, a mais nova, é apresentadora de TV. “Tenho a sorte de ter sido criada numa família que trabalha em moda e arte, claro que isso eleva a nossa alma, o estilo. Estou sempre a pensar nessa ideia de transmissão”.

Eis Mathilde Favier, que apanhava o mesmo autocarro que Carla Bruni, foi colega de escola da super stylist Emmanuelle Alt, e nesta versão coffee table k percorre os espaços e figuras da sua teia pessoal, do designer de interiores Jacques Grange a Terry Gunzburg, da marca de maquilhagem By Terry; passando ainda pela joalheira Aurélie Bidermann, ou Elisabetta Beccari, mulher do CEO da Louis Vuitton, sem esquecer Eva Jospin, filha do antigo primeiro-ministro francês Lionel Jospin e responsável por passerelles da Dior. Em jeito c’est si bon, a obra recomenda ainda paragens especiais na rotina de Mathilde, como os restaurantes Le Voltaire ou o La Poule au Pot, a charcutaria Caractère de Cochon, as flores da Moulié Paris ou os livros da Galignani.

Da mãe, Françoise, à filha Heloise Agostinelli, o livro percorre vários recantos mais íntimos

“Vivemos num mundo muito duro. Sinto-me uma privilegiada, vivo numa bolha protegida. Quando postamos uma foto toda a gente imagina uma vida de perfeição, ‘ah, que sorte que ela tem’. Quis deixar talvez um rasto mais adequado”, aponta sobre esta edição, que contrapõe aos célebres 15 minutos de fama uns “15 minutos de luz, leveza, vitamina”. Mais que não seja para abrandar um pouco e redigir pelo seu próprio punho uma mensagem agradável para alguém. “No meu meio estamos rodeados de falsidade. ‘Oh, olá! bom dia!’ Sou tocada por pessoas reais que têm tempo para dedicá-lo aos outros”, distingue, explicando como adora guardar as pequenas notas escritas à mão, que surgem algures nas primeiras páginas do livro. E como a idade trouxe a sabedoria necessária para despistar agendas escondidas. “A nossa entourage faz muito diferença, ajuda-nos a ver a diferença entre os propósitos certos e os menos certos. Penso que a maturidade nos ajuda muito nisso. Cometi muitos erros, não vou dizer quais, mas ensinaram-me muito na vida.”

Living Beautifully in Paris é um compêndio visual de destinos, atividades e pessoas que pode ter o tal rasto mais adequado mas ainda assim parecerá distante para muitos comuns mortais. Conta com textos de Frédérique Dedet, que “percebeu exatamente” o que fazia sentido fixar para a posteridade, e fotos de Pascal Chevallier. E ainda table settings, muitas selfies ao espelho, ou simples inspiração para redecorar a casa. Para algo servirá de certeza: afinar o chip dos conterrâneos (pelo menos assim o espera).

A capa da edição de Living Beautifully in Paris, com o selo Flammarion

“Os franceses passam a vida a queixar-se! Quis ser uma testemunha e embaixadora da minha cidade e que percebessem que é ótimo correr mundo e regressar a Paris.” E ao contrário de outros tantos compatriotas que fizeram as malas e voaram por tempo indefinido para Portugal, não espere o mesmo da RP. “Já me mudei várias vezes na minha vida. Nova Iorque, Genebra, etc. Cheguei a uma idade em que não penso nisso. Este livro não é uma lição de vida, não pretende ensinar nada. Fico muito feliz de poder dizer que Paris é a minha cidade, é onde quero terminar os meus dias. Sim, claro que Paris mudou, mas também a vida mudou. As cidades fazem o que podem para acompanhar, estou sempre a torcer para que os pequenos negócios possam sobreviver, por exemplo, porque precisamos deles.”

Depois de apresentações em Madrid e Londres, e desta escala em Portugal, Favier seguirá para Nova Iorque. Para regressar a Paris.