À primeira vista — e talvez à segunda e à terceira — TheFranchise é uma piada com a Marvel. Depois há um outro nível, que não sendo algo direto, está omnipresente: uma a sátira à indústria audiovisual contemporânea e à forma como tudo parece estar preso por fios, por decisões que se revelam pouco sólidas e, muitas vezes, fruto do acaso gerado pela necessidade. Produzido por Armando Ianucci, Sam Mendes (que realiza o primeiro episódio) e Jon Brown (que é também criador do conceito), os oito episódios dão a volta toda ao sistema, ironizando por dentro. O primeiro episódio já está disponível na Max.
A série arranca com a chegada de Dag (Lolly Adefope) à equipa, que irá ser o braço direito do assistente de realização Daniel (Himesh Patel), um tipo claramente com ambições e que está preso a um trabalho que nunca lhe vai dar a hipótese de concretizar um sonho. Estão a trabalhar num novo filme de super-heróis, Tecto: Eye of the Storm, que faz parte de uma família maior (isso mesmo, algo parecido com a Marvel). Ao longo da série, muito de Tecto vai mudando, subtraído ou adicionado, conforme o que vai acontecendo na rodagem de outros filmes do franchise (e não só). Que não haja engano: Tecto é um herói menor do universo em questão e está a ser tratado como tal. Uma espécie de Ant-Man antes deste ter estreado).
[o trailer de “The Franchise”:]
Tal como acontece na Marvel, contrata-se um realizador com créditos firmados nos ditos “filmes sérios” para trazer a sua visão para o universo, o que raramente acontece. Aqui, tal também não vai suceder: Eric (Daniel Brühl) é apenas mais um que está ali ao engano e a tentar manter a sua posição até não dar mais. Quando consegue algo, há sempre recuos. Quando há recuos, ele quer outra coisa, que depois dará em ainda mais recuos. Até desistir e ficar um nome bonito nos créditos. Já vimos isto vezes a mais.
Há ainda os atores, como Adam (Billy Magnussen), o Tecto, que vive em insegurança com a sua imagem e em constante comparação com outros atores. Surge muitas vezes como um tolinho no meio dos diálogos, sem ser coisa de superfície, mas de algo que está enrolado no seu carácter. Dá uma dimensão a este tipo de personagens que é mais honesta do que a concorrência. E, claro, Peter (Richard E. Grant), o Eye, o rival de Tecto, uma prima-dona em todos os momentos e que nos dá imensas saudades de rever Withnail e Eu, filme de 1987 de Bruce Robinson no qual Grant é um encanto a fazer este tipo de personagem.
Quem está a faltar? O mais importante é Pat (Darren Goldstein). Trata-se do dono do universo, do franchise, propositadamente parecido com Kevin Feige (o presidente da Marvel Studios e responsável pela criação do respetivo Universo Cinematográfico) e com mau feitio, claro. Pat é uma excelente caricatura só que, em simultâneo, é também o expoente máximo do grave problema de The Franchise: terrivelmente previsível.
The Franchise é uma história divertida e é uma boa sátira. Quer ser um Veep (criação de Ianucci) dentro de uma produção de cinema, mas é mais Avenue 5 (outra produção de Ianucci): uma derivação de uma derivação. Porque Veep estava à frente do seu tempo, era a ficção antes da realidade — e não estamos a falar necessariamente de Donald Trump —, que vivia de ser inesperada e, por isso, conseguia sê-lo. E foi ficando melhor a cada temporada. JáAvenue 5 contava a história de um cruzeiro no espaço que corre mal e, embora tivesse graça, tinha várias amarras, muitos condicionalismos com o alvo da crítica a que se atirava: o imaginário da ficção no espaço estava mais presente do que o drama humano. The Franchise tem as mesmas limitações. Nada do que acontece em The Franchise lança o olhar para a frente. É, sobretudo, uma sátira que vive uma ilusão do presente.
The Franchise seria mais divertida como uma previsão, como um sinal daquilo que estaria para vir, uma leitura avançada da realidade, de como a realidade trabalha a ficção, e não tanto como um sumário do que se passa nestas produções. No final, acaba por ser uma revisão da matéria dada, uma espécie de Marvel após Endgame, a tatear o que o povo pode gostar, ao invés de ser um plano sólido e muito bem definido (foi essa a visão brilhante de Feige em meados dos 2000s). Esta Marvel é um alvo fácil, a fadiga em relação aos super-heróis é uma vítima óbvia. The Franchise é, por isso, fácil. The Boys faz tudo isto bem melhor ao deixar sugerido nas entrelinhas um mundo com super-heróis reais geridos pelas Disney.
Noutros tempos, Ianucci produziria isto e garantiria que The Franchise não seria só um gozo com a Marvel, mas também um gozo consigo mesmo, uma crítica à realidade, compreensível, tangível, inesperado, dando aos espectadores algo para pensar, refletir e rir. Algo de que pudéssemos estar a falar daqui a dez anos. Não é.