Era algo que num cenário macro corria o risco de passar num plano secundário, foi algo que numa análise mais micro e setorial não demorou a tornar-se um tema principal de análise. “O Governo está empenhado em reforçar o investimento no desporto em Portugal, dado o contexto desportivo internacional, aproximando-o da média da União Europeia, num momento crucial, em que se inicia um novo ciclo olímpico e paralímpico, afirmando o compromisso com a excelência e o desenvolvimento desportivo”, dizia o Orçamento de Estado. Valor da despesa? 42,5 milhões de euros, menos 7,8 milhões do que em 2024 (16%) e também abaixo daquilo que tinham sido os montantes da despesa em 2023 e até do ano que antecedeu a pandemia.
Mais do que o corte, aquilo que ficou de vários quadrantes do desporto nacional, de instituições a dirigentes passando por atletas e treinadores, é que as promessas feitas em agosto e setembro acabaram não só por ficar pelas palavras como pioraram mesmo a situação. “Tudo faremos para impor em Portugal uma cultura de prática desportiva generalizada mais forte. Queremos os portugueses a fazer mais desporto, que os jovens procurem talento nas escolas e apoiar a alta competição. Aqueles que, como nós, ambicionam ter títulos têm de perceber que dão muito trabalho individualmente e por parte das organizações. Por isso, queremos alocar os meios que pudermos para termos na alta competição bons resultados”, tinha referido Luís Montenegro ainda em Paris, nos Jogos Olímpicos, depois das críticas de Pedro Pablo Pichardo.
“Isso traduz-se em oferecer condições de treino, possibilidade de conciliar todos os interesses que os atletas têm de conciliar, preparação olímpica e realização de provas. Gosto muito de desporto, compreendo o fenómeno de forma próxima, mas não sou técnico. Naquilo que as políticas públicas e o governo poder ajudar nós faremos isso. Tudo o que se puder acrescentar ao muito do que já se fez, faremos isso. Não vamos prometer mundos e fundos mas a maior ajuda possível. É mesmo necessário em provas como esta uma calendarização que traga os atletas ao pico da sua forma neste momento decisivo”, acrescentou.
“A minha expectativa é que possamos fazer crescer acima de 20% o valor que esteve alocado ao projeto olímpico que terminou agora em Paris com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, do ponto de vista da preparação, da criação de condições para, usando uma linguagem também desportiva, mas positiva, atacarmos o próximo objetivo olímpico e paralímpico em 2028. Não é só pelos resultados, é também porque este é um esteio fundamental da política desportiva que podemos incrementar no país. Para nós podermos generalizar a prática desportiva, ter maior capacidade de recrutamento e chamar para os ciclos de evolução da alta competição mais atletas, nós temos de investir”, acrescentou em setembro o primeiro-ministro, perspetivando um aumento do contrato-programa de 6,24 milhões de euros face aos 31,2 milhões de 2024.
“Incoerência. Mais do mesmo”, escreveu Diogo Ribeiro, nadador campeão do mundo que teve a primeira presença em Jogos Olímpicos em Paris, citando uma notícia que dava conta dessa redução do montante face ao ano de 2024. Também o Comité Olímpico de Portugal, liderado por Artur Lopes até às eleições, mostrou a sua “preocupação” em relação ao corte de forma mais sustentada, “até por surgir em contraste com o aumento substancial da dotação para outros setores de atividade, atestando a irrelevância das políticas desportivas no seio do Governo e a importância que este lhe confere para o desenvolvimento do País”: “Este desinvestimento compromete a sustentabilidade de um setor fundamental para a saúde pública, coesão social e reconhecimento internacional de Portugal, acentua as clivagens de desenvolvimento no contexto europeu e o seu défice de competitividade a nível internacional, nas mais diversas dimensões de análise”.
“Em declarações recentes após os Jogos Olímpicos de Paris-2024, o primeiro-ministro afirmou um reforço do apoio ao setor para garantir condições adequadas ao desenvolvimento dos atletas, vistos como exemplos para a melhorar a saúde física e mental dos portugueses, e ‘impor em Portugal uma cultura de prática desportiva’, equiparando a necessidade de políticas e investimento públicos na área do desporto às da cultura. No entanto, a redução orçamental contradiz esse compromisso, colocando em risco a capacidade de Portugal continuar a progredir em várias modalidades, nomeadamente na preparação para os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028 e em outras competições internacionais, por forma a sustentar o sucesso desportivo alcançado neste ciclo olímpico”, advogou o COP ainda a esse propósito.
“A preparação para os próximos Jogos Olímpicos e competições de topo está agora ameaçada, devido à redução das verbas necessárias para o apoio técnico e infraestrutural. Para além disso, o desporto de base sofre aqui mais um revés, agudizando o subinvestimento crónico de décadas no setor. Esta situação prejudica não apenas o desporto de alto rendimento, mas também o desenvolvimento da prática desportiva entre a população em geral. Face a esta situação, o COP apela ao Governo para reavaliar esta proposta, profundamente lesiva no financiamento ao desporto e alinhar o Orçamento com as necessidades reais do setor e, principalmente, com as suas próprias declarações e intenções”, acrescentou o COP.
“Esta proposta de Orçamento do Estado para 2025 é uma má notícia para o desporto em Portugal. A verba prevista é inferior à dotação deste ano, que já de si era impeditiva de trazer mais crianças e jovens para a prática desportiva. Trata-se, por isso, de uma afronta direta a todos os atletas, treinadores, dirigentes e famílias que diariamente se sacrificam para manter o desporto vivo no nosso país. O Governo está a virar as costas ao setor e, com esta proposta, o que realmente diz às famílias é que terão de retirar ainda mais dos seus próprios bolsos para poderem financiar a prática desportiva. O plano estratégico para o desporto não pode servir para anestesiar as urgentes políticas públicas que o desporto precisa, nem para deixar cair a ambição que é exigida. Esta proposta é uma humilhação para o desporto nacional. Por isso, a CDP vai convocar uma cimeira de Presidentes de Federação para analisar este documento e tomar uma posição conjunta”, destacou Daniel Monteiro, líder da Confederação do Desporto de Portugal.
“Depois de ter ido aos Jogos Olímpicos de Paris, o primeiro-ministro Luís Montenegro afirmou que o desporto era uma prioridade política para o Governo. Se é a isto que o Governo chama prioridade, então estamos em muito maus lençóis. Sejamos claros: o que se apresentou hoje é um corte no financiamento do Desporto num ano em que o Governo prevê arrecadar mais 2,3 mil milhões de euros em impostos face a 2024. O desporto em Portugal merece mais, muito mais”, completou o presidente da CDP.
Houve muitas outras reações públicas mas, em paralelo com isso, foram dados passos para que a situação fosse “corrigida” a breve prazo, num cenário ideal ainda antes de chegar à especialidade. Segundo algumas fontes contactadas pelo Observador, existe uma “esperança real” de que o valor da despesa para o setor do desporto seja corrigido para um montante nunca inferior ao do último ano, o que poderia servir de base inicial não só para alcançar as metas apontadas para o ciclo olímpico de Los Angeles-2028, mas também para funcionar como rampa de lançamento para a apresentação do prometido plano estratégico para o desporto, até pelas promessas que Luís Montenegro foi deixando ao longo dos últimos meses em relação ao setor.