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Humana Taranja: banda sonora de uma juventude em marcha

Feita de rock à maneira do Barreiro, com tanto de nervo como de amizade, a banda fez um segundo álbum para se mostrar de vez. Quisemos saber de onde vem "Eudaemonia" e para onde vai.

David Yala (guitarra), Marta Inverno (baixo), Guilherme Firmino (guitarra e voz), Filipa da Silva Pina (teclado e voz) e Afonso Ferreira (bateria): os Humana Taranja
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David Yala (guitarra), Marta Inverno (baixo), Guilherme Firmino (guitarra e voz), Filipa da Silva Pina (teclado e voz) e Afonso Ferreira (bateria): os Humana Taranja

David Yala (guitarra), Marta Inverno (baixo), Guilherme Firmino (guitarra e voz), Filipa da Silva Pina (teclado e voz) e Afonso Ferreira (bateria): os Humana Taranja

“Parece que foi há décadas”, diz ao Observador Guilherme Firmino, guitarrista e vocalista dos Humana Taranja, referindo-se à criação da jovem banda. Apesar de serem um nome recente no léxico da música portuguesa, tendemos a concordar com o artista. Basta ouvir as canções do disco de estreia, Zafira (2023), ou os singles que prepararam o lançamento do segundo álbum, Eudaemonia, editado esta sexta-feira, 11 de outubro, para sentirmos que aqui nada começou agora.

A banda com morada no Barreiro foi formada a partir das cinzas de outro grupo, os Arroz com Feijão, em 2018. Inicialmente formada apenas por Guilherme, David Yala (que toca guitarra nos Humana Taranja) e Zektor (que era o vocalista), o trio fazia parte do programa Jovens Músicos da cidade, patrocinado pela associação cultural Hey, Pachuco!, que lhes permitia ter uma sala de ensaios. As primeiras experiências foram captadas num pequeno EP, intitulado Demo Tapes (2019) – ainda com a voz de Zektor – que contou com a ajuda de Filipa da Silva Pina (teclado e voz), Marta Inverno (baixo) e Afonso Ferreira (bateria), que acabariam por ficar na banda a tempo inteiro.

Apesar de confessarem, em entrevista ao Observador, que no início eram inexperientes e que estes novos elementos mal sabiam tocar os respetivos instrumentos, entre a atitude e a amizade enocntravam a solução. Guilherme e Yala eram da mesma turma e viram o seu primeiro concerto com Afonso: os Diabo na Cruz ao vivo. Filipa e Marta foram da mesma turma desde o infantário e também viveram juntas a mesma experiência — neste caso com os D’ZRT.

No entanto, o crescimento do grupo teve de ser célere. “Tudo começou a tornar-se mais real quando o fundador da Hey, Pachuco! e do Barreiro Rocks, o Picos, nos começou a incentivar a tocar ao vivo e a atuar no festival”, diz Guilherme. As sessões de ensaio tornaram-se mais intensas e a inesperada saída de Zektor, que emigrou, empurrou o músico para o microfone, uma decisão tomada duas semanas antes de um concerto. Contas feitas agora à distância, tudo correu bem. Em 2018, atuaram na última edição do Barreiro Rocks e afirmaram-se como um dos nomes a acompanhar entre as promessas da música portuguesa. Outra atuação no Festival Emergente (com direito a uma menção honrosa) veio reafirmar este estatuto. As idades dos Humana Taranja balançavam pouco, entre os 18 e os 20 anos.

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[ouça o novo álbum dos Humana Taranja na íntegra através do Spotify:]

Apesar das poucas expectativas iniciais, a banda foi caminhando para um primeiro disco. Em 2023, lançaram Zafira, longa duração de estreia, fruto de um longo processo de criação. As deliciosas canções deste disco, como Fado Tropical ou Destino, foram escritas quando Guilherme ainda andava no secundário. “Tocamos as canções do Zafira desde que nos juntámos. Estas músicas foram escritas quando tinha 16 anos”, explica o vocalista. “Na altura, olhava para estas músicas e imaginava uma história e um conceito. Hoje, aceito que são temas mais despegados. Nota-se que foram escritos por alguém mais inocente. É muito focado em amores, desamores e nas desilusões da vida. É estranho olhar para trás e pensar que escrevi aquilo”, confessa enquanto sorri.

Apesar de percebermos o que Guilherme quer dizer, as músicas realmente mostram estes sentimentos de um adolescente estranho e inadequado – “Queria tanto só saber dançar / Mexer-me sem me atrapalhar / Para não ficar a olhar / Para a tua beleza / Na pista feito presa / Sozinha a dançar”, canta em Fado Tropical, uma das melhores faixas deste disco – mas, ao ouvirmos as músicas, a perceção é outra. Os instrumentais foram trabalhados com atenção aos detalhes (com a produção de Picos), revelavam já um grupo a querer ser maduro, com um som bem definido e trabalhado, entre baladas agridoces, como Neve, e momentos mais dançáveis e eufóricos — a canção título ali estava para o demonstrar.

O álbum começou a ser trabalhado durante a pandemia, com as devidas complicações e frustrações, revelando-se apenas dois anos depois. Foi um processo tortuoso e frustrante para os artistas, mas também permitiu que fossem aprimorando as suas técnicas e, aos poucos, melhorando o disco. O trabalho final reflete isso: não o ouvimos como como quem escuta aprendizes de uma arte.

Agora, com mais calma, maturidade e experiência, o grupo criou Eudaemonia. Esta é uma expressão cunhada por Kant que representa o conceito de felicidade e o estado de plenitude do ser. Se Zafira era composto por canções soltas sobre a complexidade das relações de um jovem, este novo trabalho é sobre navegar as amarguras da vida e tentar encontrar paz. “Espero te encontrar / À porta do quintal / Contigo ir plantar / Um jardim, uma geração”: assim é cantada a esperançosa Casa.

[o vídeo de “Deixa Arder”:]

“Este é um disco mais pessoal e profundo. Nasceu das reflexões de momentos mais pesados e traumáticos que vivi durante a pandemia”, explicou Guilherme. “Mas não quis que fosse marcado pelo negrume, por isso, a primeira parte é mais caótica e com um sentimento de revolta, enquanto a segunda parte é marcada pela sensação de que tudo vai melhorar e correr bem”, afirma, revelando que, antes de existir a ideia de criar um álbum de longa duração, estava em cima da mesa fazer dois EPs onde se separavam estes temas tão contrastantes. Yala quer mostrar orgulho por este disco. Depois da experiência de gravar Zafira, estavam mais conscientes do que teriam de fazer e tudo correu melhor. Além disso, houve uma maior colaboração de cada membro. “Este disco não é tão meu. É mais um trabalho de banda”, descreve Guilherme.

Neste trabalho, ouve-se evolução e econtramos lugar para a banda numa eventual linhagem do rock feito em Portugal nas últimas décadas. A declamação das letras transporta-nos para os saudosos Trêsporcento e o seu subvalorizado Quadro (2012): já a urgência dos instrumentais, como também pela forma como por vezes as várias vozes se fundem num poderoso grito fazem-nos dizer Linda Martini, percebendo os porquês e reconhecendo os méritos da descendência.

Esta é uma comparação que a banda não esconde; aliás, usa-a com orgulho. “Somos fãs dos Linda Martini. Pessoalmente, sou muito apanhado por eles. É uma doença”, diz, entre risos, Yala, referindo-se ainda às novas canções da banda. “Gosto que eles não tenham um frontman óbvio, como nas outras bandas. Todos conseguem oferecer a sua própria voz de uma forma peculiar e caraterística. Isto é algo que também tentamos fazer”, reconhece.

É fácil perceber a personalidade de cada um destes Humana Taranja. Guilherme é apaixonado a falar sobre as canções que escreve. Yala, apesar de calado, quando surge o momento, fala de forma efusiva. Marta responde mais contida, ainda que sempre pronta para acrescentar uma informação útil. Filipa é a mais extrovertida e animada. Afonso é o mais discreto, mas está sempre atento e pronto para mais um detalhe. Nos gostos musicais de cada um também se ouvem as diferenças. Filipa diz que as suas principais referências são os Beach House e Space Lady, e Guilherme refere que Kendrick Lamar tem sido o artista mais presente na criação das músicas.

[o vídeo de “Casa”:]

Uma referência que todos têm em comum e que inspira o quinteto é a cidade onde habitam e ensaiam. O Barreiro tem sido um ninho da cultura alternativa portuguesa, oferecendo palco a projetos e oportunidades e salas a produtores ambiciosos. Na semana antes do lançamento de Eudaemonia, a cidade recebeu o OUT.FEST. “ É uma influência universal. Pode não ser uma banda ou um som distinto, mas é a sensação que nos transmite”, descreve Yala, referindo-se ao festival de música exploratória. “É uma cidade que tem muita oferta musical e cultural e várias salas que fazem concertos. Este movimento inspira-nos muito”, admite.

“Fazemos música aqui e, além de sermos contagiados pela cultura da cidade, temos a oportunidade de ensaiar de graça. Se isto não fosse possível, se calhar o projeto não tinha andado para a frente”, argumenta Marta. “O trabalho que tem sido desenvolvido pela Hey, Pachuco! e pela câmara tem ajudado a impulsionar a cena local do Barreiro. Mesmo que não seja algo óbvio esteticamente, é algo indissociável da nossa identidade, nem que seja pela forma DIY de operar enquanto banda”, acrescentou Filipa.

Eudaemonia vai ser apresentado ao vivo a 28 de novembro na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, e depois a 13 de dezembro no Maus Hábitos, no Porto. E se no início não havia grandes expectativas, agora a banda tem outros anseios: “Queremos fazer uma tour nacional para poder provar as melhores francesinhas do país”, diz Yala. “Um dos meus maiores sonhos é tocar no Tremor. Acho que depois disso a banda pode acabar”, brinca Filipa, a mesma que também vai fazendo pontaria ao Bons Sons e a um primeira parte de um concerto dos Linda Martini. Um futuro de trabalho, que assim seja.

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