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Malkmus, Sweeney e os The Hard Quartet: parece um supergrupo, mas é uma banda de garagem

Aos menos conhecidos Emmett Kelly e Jim White juntaram-se as quase-estrelas Stephen Malkmus e Matt Sweeney. Resultado? Muito mais simples indie rockers do que um grupo de músicos com bons currículos.

Emmett Kelly, Matt Sweeney, Stephen Malkmus e Jim White: os The Hard Quartet
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Emmett Kelly, Matt Sweeney, Stephen Malkmus e Jim White: os The Hard Quartet

Emmett Kelly, Matt Sweeney, Stephen Malkmus e Jim White: os The Hard Quartet

A primeira iteração do fenómeno que veio a conhecer a denominação “supergrupo” deu-se em 1988, quando Bob Dylan, George Harrison, Jeff Lynne, Tom Petty e Roy Orbison se juntaram para criar os Traveling Wilburys, que lançaram dois discos de que ninguém – nem os próprios, possivelmente – se lembra muito bem. E ainda bem, porque re-escutá-los não traz grande alegria a quem é suficientemente corajoso para arriscar em tal empresa.

Desde então houve uma série de agrupamentos de gente mais ou menos conhecida que foram qualificados como supergrupos: os Them Crooked Vultures juntavam Josh Homme (dos Queen of Stone Age), Dave Grohl (Nirvana, Foo Fighters) a John Paul Jones, o antigo baixista dos Led Zepellin – e possivelmente a única razão para a existência da banda foi a vontade que Homme e Grohl tinham de conhecer um dos Led Zeppelin.

Chamar supergrupo é meio exagero porque só Ghrol era uma super-estrela e essa tem sido a tendência do uso do termo supergrupo: aplicá-lo a um conjunto de pessoas semi-conhecidas que arrastaram uma muito conhecida para o seu meio. Os The Good, the Bad and the Queen eram Damon Albarn (Blur, Gorillaz), Tony Allen (que foi baterista de Fela Kuti), Simon Tong (Verve) e Paul Simonon, baixista dos The Clash. Tal como no caso dos Them Crooked Vultures, há um membro de um grupo gigante (Led Zeppelin, no caso dos TCV, The Clash no caso dos TGTBTQ), mas um membro que não é, por si só, uma super-estrela. É possível que só Damon Albarn se lembre da música da banda.

[o álbum dos The Hard Quartet, disponível na íntegra no Spotify:]

O termo foi sendo usado de cada vez mais leviana – quando Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus se juntaram nos Boygenius tal acontecimento foi de imediato apodado de supergrupo – o que é caricato, tendo em conta que nenhuma delas é uma estrela, quando muito uma semi-estrela indie.

E agora, como não podia deixar de ser, o termo regressa para ser aplicado aos The Hard Quartet, compostos por Emmett Kelly, Matt Sweeney, Jim White e Stephen Malkmus, que é o antigo líder dos Pavement e ultimamente tem feito discos com os Jicks ou a solo – e que é o mais próximo que os Hard Quartet têm de uma estrela. Malkmus, por mais extraordinária carreira que tenha (e tem) será, quando muito, uma estrelinha indie – os Pavement nunca atingiram o mesmo estatuto ou as vendas dos Pixies ou dos Nirvana ou dos Sonic Youth (e se calhar nem das Breeders).

Sendo Malkmus a personagem mais relevante dos Hard Quartet, é natural que quem o conheça vá ouvir o disco (homónimo) à procura de resquícios de Pavement – e a boa nova para essas pessoas é que, sim, de certo modo os Hard Quartet soam (pelo menos em metade do disco) como imaginamos que os Pavement poderiam soar hoje: riffs imaculadamente desconjuntados, a ocasional jam a suceder a um refrão com uma melodia inesperadamente bonita, antes de tudo colapsar.

[o vídeo de “Rio’s Song”:]

Mas Malkmus não funciona aqui como um ditador, impondo o seu som – o que aliás não seria fácil numa banda com três guitarristas e um baterista que não é conhecido por limitar-se a marcar o tempo. Talvez nunca tenham ouvido falar de Jim White, baterista dos Hard Quartet, mas ele é o homem das baquetas nos Dirty Three, admirável combo de música inesperada e belíssima, composta ainda por guitarra e violino – esse violino pertence a Warren Ellis, que se tornou, nos últimos largos anos, o braço direito de Nick Cave nos Bad Seeds e em outras aventuras sonoras de Nick.

White é um baterista de exceção, e na estreia dos Hard Quartet enche as canções, fá-las avançar, parar de súbito, antes de as arrastar para sítios inesperados. Ou mais inesperados ainda, porque com três guitarristas na banda as canções podem ir para muitos sítios – e vão: num momento podem estar a disparar riffs de glam porco (Chrome Mess, faixa de abertura), e a seguir soam aos Byrds (que tiveram algumas formações que poderiam ser apelidadas de supergrupo, curiosamente) ou aos Big Star, como na belíssima Our Hometown Boy, terceiro tema do álbum.

Desiluda-se quem espera que a voz de Stephen Malkmus lidere todas as canções – Matt Sweeney e Emmett Kelly também se fazem ouvir, e Kelly é mesmo o responsável pela lindíssima melodia da acima mencionada Our Hometown Boy, uma das melhores faixas do disco: muitos dedilhados a criarem volutas de harmonias, um cuidado melódico surpreendente, uma doçura inesperada: estes velhos sabem o que fazem.

[o vídeo de “Our Hometwon Boy”:]

Kelly será, porventura, o elemento menos conhecido dos Hard Quartet, apesar de liderar o Cairo Gang e tocar com Jim White nos The Double – mas o grosso do seu trabalho, ou o trabalho que lhe valeu o respeito dos seus pares, tem sido desenvolvido como músico de sessão e ao vivo, a acompanhar Ty Segall ou Bonnie “Prince” Billy ou a maravilhosa Angel Olsen. Já ninguém, possivelmente nem ele próprio, se lembrava que ele sabia cantar assim – e sim, Our Hometown Boy é uma grande canção indie-rock.

O segundo elemento mais conhecido dos Hard Quartet é Matt Sweeney, dos Chavez e dos Zwan (outro super-grupo, desta feita com Billy Corgan, dos Smashing Pumpkins – ironicamente, a banda rival dos Pavement, nos anos 90). Do currículo de Sweeney constam ainda os Superwolf, banda criada a meias com Bonnie “Prince” Billy, e uma série infindável de participações em discos de toda a nata da música indie, de Cat Power ao próprio Malkmus, passando por gente do hip-hop, como El-P.

Tido como um guitarrista de exceção, admirado por basicamente toda a gente, Sweeney dá aqui voz a Rio’s Song, belíssimo e terno tema que vive dos rendilhados de guitarra. É impossível dizer quais são as malhas que criou, porque tirando aquelas em que se nota logo que foi Malkmus, o resto parece nascer mesmo do acto criativo dos quatro elementos.

Sweeney é ainda responsável pela existência do grupo: há muitos anos Malkmus engraçou com ele porque Sweeney tinha um cinto que dizia Magma – uma referência à banda prog alemã dos anos 70, com o mesmo nome. Foram-se cruzando ao longo dos anos e quando Sweeney participou em Traditional Techniques, disco a solo de Malkmus, concluíram que deviam voltar a trabalhar juntos – e Sweeney de imediato ligou a Kelly e White e propôs a banda que agora vê a luz do dia.

[uma entrevista com os quatro músicos:]

Havendo três guitarristas seria impossível não haver malhões – e há, logo a começar em Chrome Mess e passando por Action for Military Boys, um ótimo tema com várias partes diferentes, em que tudo parece colapsar a cada instante apenas para se reerguer no último instante, miraculosamente.

Mas Hard Quartet não é tanto um disco de malhões como de boas canções com excelentes guitarras – o que significa que soa efetivamente à música feita por um grupo de pessoas interessadas em colaborar umas com as outras, deixando o ego à porta do estúdio: Chrome Mess, Rio’s Song, Our Hometown Boy, Heel Highway (mais calma, com um belo refrão), Killed by Death (pinta meio country, bateria de escovas), Hey (calma, melódica, Malkmus na voz e belas guitarras no fim) e Action for Military Boys são de facto canções de corpo inteiro, não atos de exibicionismo de estrelas.

As últimas quatro das 15 canções do disco estão um bocadinho abaixo das anteriores, mas é comum hoje em dia fazer-se discos com muitas canções – na era dos algoritmos, compensa editar a mais, não vá algum tema ser eleito pelos algoritmos para rodar mais e viralizar, o que tem tornado os discos demasiado longos e com algumas faixas que podiam ser deixadas de fora.

Felizmente, aqui o rácio é bom e a qualidade quase sempre muito acima do que esperamos quando semi-estrelas se juntam para fazer um disco. Parem é de falar em “supergrupo” – isto soa a banda de garagem e é assim que deve soar.

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