Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que o apoia, foram mortos na sexta-feira à noite, no centro de Maputo, por indivíduos desconhecidos que dispararam sobre a viatura em que seguiam.
Numa declaração ao país transmitida no Facebook, o candidato presidencial acusa as “forças de defesa de segurança” — como o Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) — de estarem por trás das duas mortes. “Foram as forças de segurança que cometeram este grande crime. Temos provas”, assinalou Venâncio Mondlane, que disse que o regime tem “sangue nas mãos”.
Venâncio Mondlane voltou a convocar os moçambicanos a irem à manifestação que já tinha marcada para esta segunda-feira, às 10h00, na Avenida Joaquim Chissano. “Vamos às ruas manifestarmo-nos”, prometeu o candidato, acrescentando que a manifestação será “pacífica”. E deixou um aviso: “Ai se as forças quiserem pegar em armas para reprimir os jovens”.
Fonte do Sernic confirmou este sábado o homicídio de ambos O crime aconteceu na Avenida Joaquim Chissano, centro de Maputo, com fontes no terreno a relatarem uma emboscada por homens armados à viatura em que ambos seguiam, depois das 23h00 locais (menos uma hora em Lisboa), tendo sido disparados vários tiros que acabaram por atingir os dois ocupantes mortalmente.
A polícia moçambicana confirmou entretanto que a viatura em que seguiam Elvino Dias e Paulo Guambe foi alvo de uma “emboscada” e um terceiro ocupante acabou ferido. “Foram abordados e bloqueados por duas viaturas ligeiras de onde desembarcaram indivíduos que, munidos de armas de fogo, fizeram vários disparos que provocaram ferimentos e a morte dos indivíduos acima identificados”, disse à Lusa o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) da cidade de Maputo, Leonel Muchina.
Segundo a polícia um outro ocupante, uma mulher que seguia nos bancos traseiros da viatura, foi igualmente atingida a tiro, tendo sido transportada ao Hospital Central de Maputo. “Foi socorrida, não corre nenhum risco de vida, foi ferida apenas nos membros superiores”, esclareceu Muchina.
Segundo o porta-voz da PRM, as vítimas tinham estado a confraternizar num mercado de Maputo, tendo ocorrido “supostamente” uma “discussão derivada de assuntos conjugais”, de onde “posteriormente terão sido seguidos”. “Naturalmente que condenamos o crime hediondo e garantimos que estamos a tomar todas as medidas conducentes ao esclarecimento do caso”, disse Leonel Muchina.
“Apelamos a todos os mandatários de partidos políticos, cabeças de lista e outras figuras a se furtarem de frequentarem locais expostos e suscetíveis de ocorrência de crimes. E estamos, naturalmente, dispostos a prover segurança a todos os cidadãos, que é o nosso compromisso, de garantirmos a livre circulação destes cidadãos. E apelamos também à calma e serenidade das pessoas”, acrescentou o porta-voz da PRM.
Durante toda a madrugada circularam em Moçambique vídeos de extrema violência das duas vítimas e da viatura atingida aparentemente por mais de duas dezenas de tiros.
Quem é Elvino Dias e quando são as eleições?
O advogado Elvino Dias, conhecido defensor de casos de direitos humanos em Moçambique, era assessor jurídico de Venâncio Mondlane e da Coligação Aliança Democrática (CAD), formação política que apoiou inicialmente aquele candidato a Presidente da República de Moçambique, até a sua inscrição para as eleições gerais de 09 de outubro ter sido rejeitada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Venâncio Mondlane viria depois a ser apoiado na sua candidatura pelo partido Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), cujo mandatário nacional das listas às legislativas e provinciais, Paulo Guambe, também seguia na viatura alvo do crime.
As eleições gerais de 9 de outubro incluíram as sétimas presidenciais — às quais já não concorreu o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos — em simultâneo com as sétimas legislativas e quartas para assembleias e governadores provinciais.
A CNE tem 15 dias, após o fecho das urnas, para anunciar os resultados oficiais das eleições, data que se cumpre em 24 de outubro, cabendo depois ao Conselho Constitucional a proclamação dos resultados, depois de concluída a análise, também, de eventuais recursos, mas sem um prazo definido para esse efeito.
As comissões distritais e provinciais de eleições já concluíram o apuramento da votação das eleições gerais de 09 de outubro, que segundo os anúncios públicos dão vantagem à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder) e ao candidato presidencial que o partido apoia, Daniel Chapo, com mais de 60% dos votos, embora o candidato presidencial Venâncio Mondlane conteste esses resultados, alegando com os dados das atas e editais originais da votação, que recolhe em todo o país.
Venâncio Mondlane garantiu na quinta-feira, na Beira, centro de Moçambique, que após o anúncio dos resultados das eleições gerais vai recorrer ao Conselho Constitucional, com as atas e editais originais da votação.
“Neste momento estamos a fazer, a nível nacional, a agregação dos editais originais. Estamos a tirar cópias, estamos a fazer o ‘scan’, para termos o registo também digital de todo o material e estamos enviando pouco a pouco para Maputo, para ver se depois do anúncio dos resultados nacionais pela CNE a gente tenha condições para rapidamente apresentar o recurso ao Conselho Constitucional”, afirmou, em declarações aos jornalistas.
Ministério dos Negócios Estrangeiros português condena assassinatos
O Ministério dos Negócios Estrangeiros português condenou liminarmente os assassinatos do mandatário do Podemos Paulo Guambe e do advogado Elvino Dias. “Portugal condena liminarmente os assassinatos do mandatário do Podemos Paulo Guambe e do advogado Elvino Dias”, lê-se na mensagem publicada na rede social X (antigo Twitter).
“O povo moçambicano exerceu legitimamente o seu direito de voto. Fazer jus à sua maturidade cívica implica garantir o caráter pacífico e ordeiro do processo subsequente”, acrescenta a publicação.
Também Marcelo Rebelo de Sousa expressou a sua “preocupação com a atual situação em Moçambique”. Numa nota na Presidência, o Chefe de Estado escreveu que “acompanha o Governo na condenação dos assassinatos e nas preocupações com a atual situação em Moçambique”.
Já o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa João Cravinho, que liderou a Missão de Observação Eleitoral da CPLP em Moçambique, disse que não é possível dissociar o homicídio de Elvino Dias e Paulo Guambe do processo eleitoral.
Cravinho condenou o assassinato, considerando que “contribui para adensar as múltiplas dúvidas existentes sobre o processo eleitoral ainda em curso”. E acrescentou: “Embora neste momento ainda exista muita coisa que não se sabe sobre os assassinatos, não é possível, nesta fase, sendo as pessoas que são, estando nós no momento em que estamos, não é possível dissociar do processo eleitoral”.
O ex-ministro acredita que os homicídios oferecem “uma mancha indelével sobre as eleições”. “É evidente que estes assassinatos têm de ter investigação, que se deve de uma forma muito transparente identificar os culpados e levá-los a tribunal, isso é uma evidência. O problema aqui, para além disso, é que estamos também numa situação em que estas pessoas, entre outras, estão num processo de contestação de resultados, que conhecemos ainda de forma parcial”, adiantou.
Delegação da AR à Assembleia da CPLP condena duplo homicídio
A delegação da Assembleia da República à Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa condenou o duplo homicídio de elementos próximos ao candidato presidencial Venâncio Mondlane.
“Foi com profunda consternação que a Delegação da Assembleia da República à Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tomou conhecimento do assassinato de Elvino Dias e de Paulo Guambe, na madrugada deste sábado, 19 de outubro de 2024”, lê-se na mensagem da delegação publicada este sábado.
A delegação presidida por Ana Mendes Godinho expressou a “veemente condenação por este ato violento que mancha o atual momento político que se vive em Moçambique, no quadro do processo eleitoral”.
Além disso, deixa também o apelo às autoridades moçambicanas para que “cumpram o seu dever de garantir a segurança de todos os intervenientes no processo eleitoral” e envia às “famílias e a todo o povo moçambicano uma mensagem de apoio e de profunda solidariedade”.
Missão de Observação da UE quer investigação rápida a homicídios
A chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia às eleições moçambicanas (MOE) apelou às autoridades nacionais para que investiguem rapidamente os autores dos homicídios de Elvino Dias e Paulo Guambe, ação que classificou de “ato hediondo”.
“A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia apela às autoridades nacionais competentes para que investiguem rapidamente este ato hediondo, identifiquem os autores e os responsabilizem”, disse Laura Ballarín. A chefe da MOE corroborou as palavras do Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell, que já condenou os assassinatos.
“Numa democracia, não há lugar para assassinatos com motivações políticas“, afirmou Josep Borrell na sua declaração, acrescentando: “A UE apela à máxima contenção por parte de todos e ao respeito das liberdades fundamentais e dos direitos políticos. Além disso, são cruciais medidas fortes de proteção de todos os candidatos neste período pós-eleitoral”.
A MOE da UE continua no país a avaliar o processo eleitoral em curso e a UE espera que “os órgãos de gestão eleitoral conduzam o processo com toda a diligência e transparência necessárias, respeitando a vontade expressa pelo povo moçambicano”.
EUA e outros quatro países pedem investigação “rápida e exaustiva”
Cinco embaixadas em Maputo, incluindo a dos Estados Unidos da América (EUA), condenaram o duplo homicídio, pedindo uma investigação “rápida e exaustiva” ao crime.
“Nós, a Embaixada dos EUA, o Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega, a Embaixada da Suíça, o Alto Comissariado do Reino Unido, como parte da comunidade internacional, juntamo-nos aos moçambicanos na condenação do assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe e estendemos as nossas sentidas condolências às suas famílias e entes queridos”, lê-se numa nota publicada esta tarde pela representação diplomática norte-americana em Maputo.
“Condenamos veementemente qualquer ato de violência política e apelamos a uma investigação rápida e exaustiva. Instamos todos os cidadãos, líderes políticos, instituições do Estado e partes interessadas a resolver disputas eleitorais de forma pacífica e legal, rejeitando a violência e a retórica inflamatória”, acrescenta-se na mesma nota.
Mia Couto considera emboscada um crime contra a nação
O escritor considerou a emboscada um crime contra uma nação inteira e que o próximo presidente irá governar um país em ruínas. “Foi um choque”, afirmou este sábado o escritor Moçambicano Mia Couto, considerando que quem levou a cabo o atentado “fez isso contra o país inteiro, contra a nação inteira, contra Moçambique”.
Em Óbidos, onde este sábado entregou o Prémio Literário Fundação Leite Couto, no âmbito do Fólio – Festival Literário Internacional, o escritor admitiu que este ato de violência era para ele “uma coisa impossível de conceber”, algo que contraria “a alma moçambicana, de tentar negociar” e tentar resolver os diferendos “através do encontro de posições”.
“O que está em causa agora não é só uma resposta de um partido político ou de outro partido político, mas é a resposta que nós juntos podemos dar para não jogar na mesma moeda da violência”, disse o escritor, lembrando que “a violência faz escalar a violência”, e que facilmente se chega “a uma situação irreversível”.
Sublinhado que dos 50 anos de independência de Moçambique “mais de metade foi passada em guerras e conflitos”, Mia Couto afirmou que “o país fica completamente inviável” e que, “seja quem for que vá governar a seguir, vai governar ruínas, ruínas humanas e ruínas físicas”.
“Agora o que vai ser o futuro condutor dos destinos do país tem de provar que é capaz de ter uma posição de Chefe de Estado, de conciliador, sem ter de regular as suas posições políticas”, disse Mia Couto.
Partido Podemos diz que duplo homicídio teve “motivações políticas”
O presidente do partido Podemos considerou que Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário daquela força política, foram mortos por “motivos políticos”.
“No nosso entender eles foram assassinados por motivos políticos (…) Foi uma morte planificada e preparada (…), tendo em conta também o contexto em que estamos, com o partido a fazer uma luta pela luta justiça eleitoral. Estamos a terminar agora impugnações a nível dos distritos porque as eleições foram fraudulentas”, declarou Albino Forquilha, presidente do Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), em declarações à comunicação social no local onde as duas vítimas perderam a vida, no centro de Maputo.
Juízes classificam duplo homicídio em Moçambique como “ato covarde e hediondo”
Os juízes moçambicanos classificaram este sábado como um “ato covarde e hediondo” o homicídio em Maputo de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que o apoia.
“Este ato covarde e hediondo representa um ataque não apenas à vida de um profissional dedicado, mas também à própria justiça e ao Estado de Direito em Moçambique. O doutor Elvino Dias era um defensor incansável da legalidade, conhecido pelo seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e a justiça social. A sua morte não deve ser vista como um facto isolado, mas como um sinal alarmante das crescentes ameaças que pairam sobre os operadores do Direito em nosso país”, lê-se no comunicado da Associação Moçambicana de Juízes (AMJ).