As autoridades britânicas alertaram este domingo os seus cidadãos em Moçambique para a greve e manifestações de protesto contra o processo eleitoral, convocadas para esta segunda-feira pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, apelando a cuidados.

Uma informação enviada aos viajantes pelo Foreign Commonwealth & Development Office (FCDO), responsável pela proteção dos interesses e cidadãos britânicos no exterior, recorda que “há uma marcha de protesto” marcada para 21 de outubro em Maputo, e que “existe a possibilidade de alguma interrupção nos serviços e transportes” na cidade.

“Em Moçambique, as manifestações e protestos podem ser imprevisíveis, ocorrer num curto espaço de tempo e podem tornar-se violentos”, lê-se no mesmo aviso, consultado pela agência Lusa, que recomenda cuidados aos cidadãos nacionais, nomeadamente para ficarem “longe de multidões e monitorizarem a comunicação social local”.

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O candidato presidencial Venâncio Mondlane convocou marchas pacíficas em Moçambique para segunda-feira, repudiando o homicídio de dois apoiantes, na sexta-feira, e responsabilizando as Forças de Defesa e Segurança (FDS) pelo crime.

“Na segunda-feira vai ser a primeira etapa, pacífica, em que nós vamos paralisar toda a atividade pública e privada. Vamos para a rua com os nossos cartazes, vamos manifestar o nosso repúdio”, anunciou no sábado, durante uma vigília com dezenas de pessoas no local do homicídio dos dois apoiantes, em Maputo.

Vicente Mondlane garantiu que a greve, no setor público e privado, que tinha pedido para segunda-feira, em contestação aos resultados preliminares das eleições gerais de 9 de outubro, é para manter, passando agora para a rua. “Não se isentem. Foram as vossas forças (…), voltaram a cometer um grande crime”, acusou Venâncio Mondlane, garantindo ter provas da acusação às FDS, que incluem a polícia.

Em Maputo, a marcha está convocada para sair às 10h00 locais (menos uma hora em Lisboa), a partir do local onde os dois apoiantes foram assassinados na sexta-feira, no centro da capital. “Se quiserem usar violência [polícia], podem usá-la, mas fiquem a saber que depois da vossa violência há de vir algo extraordinariamente mais forte do que vocês todos e vão-se arrepender disso”, acusou.

A polícia moçambicana confirmou no sábado, à Lusa, que a viatura em que seguiam Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que o apoia, e onde foram mortos a tiro, foi “emboscada”.

O crime aconteceu cerca das 23h20 locais (menos uma hora em Lisboa) de sexta-feira, na avenida Joaquim Chissano, centro da capital, e segundo a polícia um outro ocupante, uma mulher que seguia nos bancos traseiros da viatura, foi igualmente atingida a tiro, tendo sido transportada ao hospital.

Mia Couto apela a líderes moçambicanos para entenderem que violência não é solução

O escritor Mia Couto defendeu este domingo que a tensão em Moçambique apela a uma liderança que entenda que a violência não é solução e que a tranquilidade não será conseguida com tumultos ou com repressão policial.

O escritor moçambicano disse à agência Lusa que “situações de tensão como esta apelam para uma liderança que entenda que a violência não é a solução”, sustentando que “a qualidade de um verdadeiro líder revela-se exatamente no modo como é capaz de superar a crise a bem de todos e no interesse do país que pretende governar”.

Mia Couto disse ainda esperar que as forças policiais “sejam capazes de provar a sua eficiência, sobretudo, a sua isenção e sua credibilidade como força ao serviço da ordem pública que não é propriedade de nenhum partido”. Para isso, acrescentou, “é necessário que se apresentem provas irrefutáveis a partir de uma investigação policial célere e independente”. O escritor considera igualmente necessário “o mesmo processo de esclarecimento com provas e factos” em relação ao processo eleitoral.

“Já não bastam perceções, já não bastam proclamações de um e de outro lado. É preciso factos concretos que sejam incontestáveis”, afirmou, considerando que “não se pode simplesmente repetir os mesmos processos já contaminados pela suspeita generalizada de fraude” e ser preciso que, “como sugeriu a Ordem dos Advogados, se tornem públicas as atas e os editais de modo que se revele a verdade dos resultados”.

No entender de Mia Couto “a tranquilidade e a reconciliação” que o país necessita agora “não será conseguida nem com tumultos nem com repressão policial”, apelando a que “sejam anunciadas sem mais demoras garantias de que todo este processo será conduzido de forma que se reconquiste a confiança e a credibilidade e se afaste, de parte a parte, o recurso ao medo e à ameaça da força”.

No sábado, em declarações à Lusa, o escritor tinha já defendido não ser do interesse de nenhum dos candidatos “herdar um uma nação rasgada pelo ódio e pelo ressentimento” e que o presidente que vier a ser eleito “terá de ser o presidente de todos os moçambicanos”.