No cemitério de Michafutene, arredores de Maputo, gritou-se toda a tarde a uma só voz “justiça” e “advogado do povo”, na despedida emocionada de Elvino Dias, 45 anos, assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane.

Vasco Sumboleite fez questão de se despedir do “doutor Elvino”, um dos dois apoiantes de Venâncio Mondlane assassinados a tiro na sexta-feira em Maputo, numa emboscada: “Muito mais do que ser advogado das demais pessoas, dos singulares, foi advogado do povo. Nos últimos tempos ele dedicou-se a defender aquilo que eram os direitos do povo, razão pela qual o povo reconheceu isto. Razão pela qual o povo irá exigir justiça”.

Empunhando dois livros da mão, sobre os desafios e problemas de Moçambique, Nasmodino Omar protestava junto aos portões do cemitério, pequeno para a imensa moldura humana que acompanhou o funeral, falando num “ato macabro”

“Queremos justiça para o nosso advogado”, atirava, para logo depois admitir: “O nosso país não tem justiça, por isso não se vai fazer. Mas o povo vai fazer justiça, custe o que custar”.

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Em lágrimas, Frida Liberdade despedia-se ali ao lado: “Nosso pai, defensor da nação”.

Ele defendeu o seu país e não se importava com a morte. Ele fez tudo sabendo que um dia qualquer ia ser morto, mas mesmo assim ele foi em frente até ao seu último dia. Ele inspirou-nos muito, deixou um legado e nós não vamos desistir”, afirmou.

Mesmo no momento da despedida, Frida confessava um “sentimento de tristeza e de alegria” pelo advogado, conhecido pela intervenção em defesa de causas de direitos humanos e mais recentemente na política.

“Nós tivemos um pai, nós tivemos um jovem, um advogado que foi advogado do povo. Acima de tudo ele ensinou-nos que temos que defender os nossos direitos sem importar com o amanhã”, atirava, garantindo que “será feita justiça”.

Um cortejo quase interminável de motorizadas, viaturas e dezenas de pessoas, de todas as idades, em cada rua, em lágrimas e gritando o nome de Elvino Dias, marcou, ao longo de cerca de 40 minutos, o cortejo fúnebre que saiu da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, local do velório, para o cemitério de Michafutene, arredores de Maputo.

“Nós perdemos um companheiro cimeiro a nível da nossa organização porque defendia os ideais da democracia, os ideais da Justiça, os ideais do direito, e por causa disso transformou-se no advogado do povo. Porque estes valores são valores estruturantes de um Estado”, disse à Lusa o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Carlos Martins.

Em representação da Ordem, foi o próprio bastonário que fez o elogio fúnebre.

Não havia como não dissociar, efetivamente, a sua atividade daquilo que era a sua prestação, tendo em conta o destinatário útil, que é o povo. A Justiça é, efetivamente, um dos direitos que são prometidos numa nação”, apontou Carlos Martins.

Num dia marcado pela exigência de justiça para o duplo homicídio de sexta-feira, e gritos de “povo no poder”, o bastonário da Ordem assumiu o receio que essa justiça não chegue.

“Temos receios, até porque o passado nos mostra isso, temos vários assassinatos que nunca foram esclarecidos. E muitos são esclarecidos a nível de autores materiais, mas os autores morais nunca aparecem. Este é que é o problema”, disse Carlos Martins, defendendo que o crime foi um “ataque à democracia”.

“Foi, sem dúvida. À democracia, à advocacia, à independência da advocacia, aos pilares essenciais de um Estado de direito. Foi, sem dúvida“, afirmou, ladeado por dezenas de advogados, no cemitério.

No elogio fúnebre, o juiz Jafete Fremo, vice-presidente da Associação Moçambicana de Juízes, classificou Elvino Dias como um “advogado dos aflitos”.

“Calaram a voz de Elvino Dias. Todavia, a Associação Moçambicana de Juízes não irá se calar, não irá se silenciar em relação a este assassinato”, garantiu, recordando a defesa em que o advogado se envolveu no passado, nomeadamente sobre o homicídio de juízes.

Venâncio Mondlane não esteve presente no funeral — disse antes que se encontra “em parte incerta” alegando questões de segurança —, contudo, Lutero Simango, outro dos quatro candidatos presidenciais nas eleições de 9 de outubro, e líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM, terceira partido parlamentar), esteve presente.

“Dar o exemplo que ainda há essa possibilidade de construir um Moçambique dialogante, de tolerância, e de promover políticas públicas que possam resolver os problemas básicos da nossa população”, justificou, comentando ainda o apelo que tem sido feito à união da oposição em Moçambique.

“Esse apelo tem a sua legitimidade. Agora, cabe a nós, os políticos, entender, perceber e assumir esse apelo”, disse ainda.

Antes, ao início de manhã, dezenas de pessoas juntaram-se na capela mortuária do Hospital Central de Maputo para o velório de Paulo Guambe, mandatário do partido Podemos, partido que apoia Venâncio Mondlane, outra das vítimas do duplo homicídio, cujo funeral está agendado para quinta-feira, na província de Inhambane.