Noah Lyles quis abrir uma espécie de guerra quando opinou sobre algo que não tinha propriamente contexto e colocou em causa a ideia de que os campeões da NBA fossem também campeões mundiais. Bem, claro que não são literalmenteeeeee campeões mundiais mas é sobretudo uma expressão que tenta dar à Liga norte-americana de basquetebol a dimensão global que atingiu ao longo das décadas da existência – algo que o próprio atleta também sabe, pretendendo apenas reforçar aquilo que é o peso de uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos como conseguiria nos 100 metros em Paris. Campeões nacionais ou mundiais, ganham. E é isso que faz da NBA um espaço à parte, onde o primeiro dia da época também pode ser o melhor dia da época para os campeões. O jogo também ajudou mas a noite foi de festa ainda antes de começar.

Três épocas, a primeira em Boston e o ponto mais alto da história: Neemias Queta é o primeiro português campeão da NBA

Os Celtics tiveram a última coroação pelo título que os deixou de novo isolados na liderança das equipas com mais títulos após quebrarem um jejum de 16 anos (18-17 frente aos Los Angeles Lakers). Jayson Tatum teve no dedo o anel de campeão que era das poucas coisas que ainda lhe faltavam. Jaylen Brown encontrou uma oportunidade de esquecer a frustração de não ter sido chamado à seleção dos EUA nos Jogos de Paris. Joe Mazzulla mereceu o reconhecimento de um trabalho técnico fabuloso que superou as melhores expetativas. Depois, havia Neemias Queta. Ver um português a ser chamado para esticar a mão e receber o troféu de campeão da NBA deixou de ser uma utopia na madrugada desta quarta-feira. No entanto, o poste quer mais.

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O impacto do jogador que chegou à Liga norte-americana via Sacramento Kings e chegou à melhor equipa da NBA quando se colocava em dúvida a permanência na melhor competição da modalidade foi visível até em pormenores como o facto de os Boston Celtics terem inaugurado canais de comunicação em português para chegarem a toda a comunidade lusófona. “Foi bom voltar a casa. Tive um bom verão, deu para descansar, ir à praia, recarregar baterias. Recebi muito amor das pessoas, que estão cada vez mais interessadas em basquetebol”, contou na altura o número 88, antes de falar um pouco da forma como se prepara para o jogo.

“A minha mentalidade é ir para dentro do campo e ajudar a equipa, quer jogue dois, quer jogue 40 minutos. No fundo, tenho de estar preparado para o que quer que aconteça. Vejo muitos vídeos meus para perceber aquilo que poderia ter feito melhor e os pontos a melhorar. Analiso os detalhes para perceber onde posso evoluir, seja nas trocas defensivas, ou no ataque”, contou Neemias, que realizou 28 encontros da fase regular na época de 2023/24 (onde andou também na G League) mais dois dos playoffs e um da final entre a melhor notícia de todas: renovar contrato de forma efetiva pelo conjunto de Boston por três temporadas (a última com opção da equipa) com um salário de 6,6 milhões de euros – apenas o 409.º de toda a NBA.

“Ter sido campeão tão cedo na carreira é algo de louvar e acho que, a partir de agora, é pensar no próximo e tentar acumular o máximo de campeonatos. O objetivo é conseguir mais um anel. Vencemos, estamos contentes com isso mas não satisfeitos com o que já fizemos”, assumiu após a conquista do primeiro título de campeão. “Estou impressionado com o crescimento de cada um deles. Estão mais confortáveis. O Neemias Queta está muito solido defensivamente, a ressaltar a bola. O Xavier Tillman está a lançar muito bem e a ficar muito confortável no nosso estilo de jogo. O Luke Kornet traz energia, finaliza bem no cesto e protege bem. É bom vê-los a dar um passo em frente. É bom vê-los melhorar”, salientou durante a pré-temporada Al Horford, habitual jogador 6 dos Boston Celtics quando todos os jogadores estão aptos.

“É difícil para alguns destes jogadores porque têm de desempenhar papéis diferentes todos os jogos ao longo da época. A noção defensiva e a execução do Neemias cresceu, tal como a sua eficácia ofensiva e noção de espaço. É outro que leva o seu papel muito a sério e é divertido vê-lo jogar. Ele está pronto, a ficar em forma e a trabalhar no duro”, destacou também Joe Mazzulla durante os encontros particulares que foram sendo feitos na pré-temporada, nomeadamente no triunfo por 115-111 frente aos Toronto Raptors com Neemias Queta a fazer 12 pontos e 15 ressaltos. Melhor regresso a uma equipa que se mantém praticamente a mesma face à última temporada era impossível, qualquer que fosse o tempo de utilização do português.

Esse vai ser o grande desafio do português, que foi chamado por Mazzulla para o primeiro encontro do ano no TD Garden também pela lesão do habitual poste titular, Kristaps Porzingis (agora com um problema no tornozelo esquerdo): sem a possibilidade de passar pela G League para ganhar minutos e ritmo competitivo, Neemias Queta terá de trabalhar ainda mais para merecer todos os minutos que possa ter pelos campeões entre todo o impacto que está a ter para o basquetebol nacional e junto da comunidade portuguesa que tem grande expressão nessa zona dos EUA. Foi também por isso que, ainda antes da entrega dos anéis a todos os campeões, o poste foi elogiado pela forma como ia treinando movimentos interiores como se estivesse a preparar-se para fazer mais de 30 minutos. Não era o caso, queria estar apenas “preparado”.

A utilização de Neemias Queta estava dependente daquilo que os Boston Celtics conseguiriam fazer, quase “empurrados” pela festa do título e por um pavilhão cheio a querer começar da melhor forma a campanha para o bicampeonato (e são claros favoritos, ainda mais do que em 2024/25). Tudo o que se podia pensar, qual lei de Murphy ao contrário, correu ainda melhor numa noite que se tornou (mais) histórica.

Sobre o jogo em si, teve história durante pouco mais de cinco minutos. Até aí, os New York Knicks até foram conseguindo equilibrar o encontro com desvantagem curtas; a partir daí, foi uma autêntica enxurrada do melhor que o basquetebol pode ter. Para se ter noção do rendimento dos Celtics no primeiro período, que acabou já com 43-22, os dez triplos em 16 tentativas foram o segundo melhor registo de sempre da equipa num período, chegando aos 17 em 32 lançamentos ao intervalo com um impensável resultado de 74-55 em 24 minutos. Tatum, com 25 pontos, era o expoente máximo de uma equipa que tinha mais três nomes com dez ou mais pontos (Brown, Jrue Holiday e Derrick White). Só faltava aquele momento de Neemias…

Face à incapacidade de reagir dos Knicks, e com a diferença a chegar quase aos 30 pontos com os Celtics a manterem os níveis defensivos no patamar mais alto, o encontro estava destinado ao sucesso para a equipa da casa, o que dava uma margem maior para a estreia de jogadores como o português quando Luke Kornet e Xavier Tillman já tinham beneficiado da oportunidade para passarem pelo jogo. Jogo não, passeio: mais ou menos a meio do terceiro período os Celtics estavam a pisar os três dígitos no resultado com 24 triplos em 40 tentados, num registo cada vez mais perto do recorde da NBA (29 em 51 dos Milwaukee Bucks). Com tudo há muito resolvido, os minutos finais coincidiram com a entrada de Neemias Queta, que jogou 4.20 minutos, e a tentativa quase sôfrega do 30.º triplo que seria histórico entre 13 (!) tentativas consecutivas… falhadas, ficando assim o triunfo claro por 132-109 e o registo de mais triplos num jogo “apenas” igualado.