Morreu aos 91 anos Celeste Caeiro, a mulher que a 25 de Abril de 1974 decidiu distribuir cravos pelos militares, fazendo deste o símbolo da liberdade. A notícia foi avançada pela neta numa publicação na rede social X. “Para sempre a minha Avó Celeste! Olha por mim”, escreveu Carolina Caeiro Fontela, numa fotografia tirada este ano, na comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, na Avenida da Liberdade.

Já à agência Lusa, a família informou que Celeste Caeiro morreu no Hospital de Leiria, na manhã desta sexta-feira, devido a problemas do foro respiratório. A neta lamentou ainda que a avó nunca tenha sido homenageada em vida.

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Celeste Caeiro nasceu a 3 de maio de 1933 e viveu uma boa parte da vida em Lisboa. No dia 25 de abril de 1974, Celeste, então com 40 anos, estava a trabalhar num restaurante no edifício Franjinhas, na Rua Braamcamp, em Lisboa. Na altura, tinha uma filha pequena e vivia com a mãe numa casa humilde — quando saiu para o trabalho, não se apercebeu de que estava em curso uma revolução.

Naquele dia, o restaurante celebrava um ano de aniversário. Para celebrar a ocasião do restaurante self-service, na altura uma novidade na capital, o patrão tinha comprado cravos para oferecer aos clientes — um cravo para as senhoras e um cálice de Porto para os senhores, contou Celeste em várias entrevistas.

Só que, sem saber o que estava a acontecer naquele dia, com muitos militares na cidade, o patrão decidiu não abrir o restaurante. Com muitas dezenas de cravos guardados no armazém, pediu aos funcionários que levassem as flores para casa para que não se estragassem. Celeste pegou no seu ramo de cravos vermelhos e brancos e rumou ao Rossio para para ver “o que há tanto tempo esperava que acontecesse”, conforme relatou noutras ocasiões.

Apanhou o metro para o Rossio e rumou ao Chiado, onde se deparou com os tanques e muitos militares. Muitos anos depois, contou que se aproximou de um dos veículos militares perguntando o que se passava. “Nós vamos para o Carmo para deter o Marcelo Caetano. Isto é uma revolução!”, declarou um dos soldados, que lhe fez um gesto a pedir um cigarro.

Mesmo passados 50 anos, Celeste nunca descobriu a identidade do homem. Só que a “Celeste dos cravos” não fumava e a única coisa que tinha para oferecer eram cravos. “Se quiser tome, um cravo oferece-se a qualquer pessoa”, disse. O militar colocou a flor no cano da arma, nascendo assim o símbolo da Revolução de Abril.

A história de Celeste Caeiro, entrelaçada com aspetos políticos e sociais da época, foi contada num documentário da Comissão dos 50 anos do 25 de Abril, com argumento original de Vilma Reis e Roberto Faustino e produção de Tino Navarro e MGN Filmes Lisboa.

Este ano, pelos 50 anos do 25 de Abril, Celeste Caeiro foi mencionada na sessão solene na Assembleia da República, com o porta-voz do Livre, Rui Tavares, a sugerir que a mulher dos cravos fosse homenageada com uma estátua.

Consultora estima participação de 219 mil pessoas nas comemorações do 25 de Abril em Lisboa

Celeste Caeiro desceu a Avenida da Liberdade, em Lisboa, nas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, de cadeira de rodas ao lado da neta, novamente empunhando cravos. É estimado que tenham estado mais de 200 mil pessoas nessas celebrações.

Fotogaleria. Do Terreiro do Paço à Assembleia da República, as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril

Marcelo, Montenegro, PCP e Livre expressam pesar

Em Cuenca, no Equador, o Presidente da República declarou ter recebido a notícia da morte de Celeste Caeiro “com muita tristeza”. “Eu estive com ela, depois combinámos uma ida a Belém para a condecoração, ela não pôde, uma ou duas vezes, caiu doente. E será certamente condecorada a título póstumo. Mas ela soube disso, ficou muito feliz com a notícia, infelizmente não pode receber as insígnias em vida”, acrescentou o chefe de Estado.

“Nos 50 anos do 25 de Abril, Portugal despede-se da mulher que pôs os cravos na revolução. Nesta hora de luto, deixo uma palavra de reconhecimento a Celeste Caeiro”, escreveu, por seu turno, o primeiro-ministro na rede social X.

Já através de comunicado, o PCP manifestou um “profundo pesar” pela morte de Celeste Caeiro, “militante comunista, mulher trabalhadora, de convicções fortes”. O partido refere ainda que a “camarada Celeste enfrentou uma vida de dificuldades com perseverança”, destacando-lhe a “generosidade e afabilidade” que ficarão “na memória de todos”.

“A camarada Celeste ficará para sempre associada à história e memória do 25 de Abril e da liberdade no nosso país”, é ainda possível ler. O partido endereçou sentidas condolências à filha de Celeste, “Helena, à sua neta e demais família”.

O Livre lembrou na rede social a “a mulher que transformou a Revolução de Abril na Revolução dos Cravos, ao oferecer aos militares uma flor como símbolo de paz e esperança”.

(Atualizada às 20h04 com mais informação)