Esperavam-se as presenças de Roger Federer, Andy Murray e Novak Djokovic, havia ainda rumores de que nomes como Barack Obama ou Bill Gates também podiam aparecer em Málaga. Nenhum se confirmou. Por alguma razão especial? Provavelmente pela mesma que levou a que organização “acelerasse” a despedida de Rafa Nadal do ténis profissional – ninguém esperava que fosse logo esta terça-feira. Ainda assim, e numa das poucas coisas que o espanhol deixou de controlar depois de duas décadas de domínio na modalidade onde só o corpo se revelou um adversário mais forte, aconteceu mesmo. E o último dia acabou por ser quase estranho para um dos maiores jogadores de sempre e que a partir de agora deixa a lenda e passa a ser “humano”.

O adeus inglório de um dos maiores de sempre: Nadal perde, Espanha cai na Taça Davis e agora sobra apenas a lenda

Perante cerca de 13.000 espectadores, o encontro frente a Botic van de Zandschulp mostrou aquilo que Rafa foi, é e será sempre. O que foi Nadal? Um jogador que tem sempre os adeptos do seu lado, que consegue criar empatia apenas pela forma como deixa tudo em campo, que emociona todos quando se deixa levar pelas emoções como aconteceu durante o hino espanhol. O que é Nadal? Um jogador que gostava de continuar a jogar ténis mas que ouviu finalmente o seu corpo dizer que estava na hora de parar, conseguindo manter um jogo equilibrado até começar a ceder em detalhes que apenas surgem pela falta de ritmo. O que será sempre Nadal? Um jogador que perde mas sai sempre vencedor, a ponto de o próprio adversário admitir que, se estivesse nas bancadas, iria apoiar o maiorquino. O “Si se puede” fica, o astro está de saída.

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Depois de ter feito quase um mea culpa em conferência de imprensa pelo desaire que colocou a Espanha em desvantagem na eliminatória com os Países Baixos, Carlos Alcaraz ainda chegou ao empate mas a derrota nos pares, vivida por Nadal como se estivesse a ver uma qualquer final das muitas que disputou no banco dos espanhóis, foi mesmo o último capítulo de uma carreira que terminou à altura do trajeto que teve ao longo de duas décadas, com um emocionado discurso no meio do court antes de soltar as lágrimas ao assistir a um vídeo onde várias figuras do desporto espanhol e mundial falavam. “Os títulos e os números ficam mas só quero ser recordado como uma boa pessoa de uma pequena vila de Maiorca”, resumiu.

“Os títulos e os números ficam mas só quero ser recordado como uma boa pessoa de uma pequena vila”: a despedida em lágrimas de Nadal

A imagem humilde que deixou de um pequeno miúdo que foi influenciado pelo tio e treinador para começar a jogar ténis para aproveitar a oportunidade que a vida lhe deu e tornar-se um dos maiores de sempre ficou, os títulos e os números também. E o que mostram? 22 títulos em 30 finais alcançadas em 68 Grand Slams em que participou, os históricos 14 troféus em Roland Garros, 88% de triunfos em Majors, 81 sucessos seguidos na terra batida, 92 vitórias em 312 torneios ATP realizados, mais de 123 milhões de euros em prize money. A lista é bem mais extensa, a ideia fica consolidada. Próxima questão: o que se segue para Rafa Nadal?

“O Rafa levará muito bem a sua nova vida fora dos campos. É uma pessoa que tem preocupações, que tem as suas curiosidades, que tem muitas coisas para fazer. Tem uma agenda cheia. É um embaixador do nosso desporto e gosta do mundo do ténis”, comentou David Ferrer, atual selecionador espanhol. E essa é uma das hipóteses apontadas a médio prazo para o antigo jogador: poder assumir o papel de capitão da Espanha na Taça Davis. “Esta madrugada despedimo-nos do melhor desportista espanhol da história. Obrigado por nos teres dado tanto e por seres um exemplo. Como disse o Ferru [David Ferrer] em nome do ténis espanhol, és eterno”, reforçou Juan Carlos Ferrero, antigo companheiro de seleção que é agora treinador principal de Carlos Alcaraz. À partida, essa hipótese levantada parece mesmo ser uma questão de tempo…

Outra hipótese nesse sentido passada pela Laver Cup. Tony Godsick, agente de Roger Federer, já assumiu em entrevistas a órgãos espanhóis que gostaria de ver Nadal e o suíço como treinadores da seleção europeia na competição da qual é fundador e proprietário. Para já, existe uma garantia: se existir essa possibilidade, se todas as partes interessadas considerarem que chegou o momento, Federer e Nadal podem voltar aos courts para um jogo de exibição que consiga superar o recorde de 51.954 espectadores na Cidade do Cabo, na África do Sul. Palco para esse duelo histórico? Santiago Bernabéu, estádio do Real Madrid.

Outra das hipóteses que foram levantadas passava pelos merengues. Rafa Nadal é um assumido adepto do clube mais vezes campeão europeu de futebol, nem mesmo nas semanas de Roland Garros perdia um jogo do Real desde que não coincidisse com os horários dos seus jogos e foi fazendo várias amizades no clube. Tudo isso contribuiu para que se gerasse uma perceção de que teria o perfil para assumir a liderança depois do fim da era Florentino Pérez mas nenhum sinal deixado pelo jogador aponta nesse sentido de forma.

A par disso, o espanhol tem vários negócios. O principal, e aquele que lhe diz mais, passa pela Rafa Nadal Academy de Movistar, um enorme complexo construído na sua cidade natal de Manacor para funcionar como academia de ténis mas que foi crescendo e permite funcionar como centro de estágio para desportos como o ciclismo ou futebol. Ao todo são 20 campos de terra batida, 16 campos de piso duro, quatro campos indoor, 12 campos de padel, dois campos de squash, um pavilhão multidesportivo, um campo de futebol, uma piscina coberta, uma piscina ao ar livre, ginásio e spa, tendo também residências para estudantes, um hotel, um restaurante e o museu que conta a sua carreira. A par desse gigante complexo, Nadal tem também uma academia no Kuwait e terá outra na Arábia Saudita, onde fixou um acordo para ser embaixador da Federação de Ténis do país que, depois do Next Gen e do WTA Finals, pretende ter um Masters 1.000 em breve.

A par disso, Rafa Nadal tem também um acordo com a cadeia de hotéis Melia, mais em concreto com a marca ZEL (que anunciou este ano a abertura de quatro hotéis, na Europa e na zona das Caraíbas), e é um dos sócios da Tatel, uma cadeia de restaurantes distribuída em vários pontos estratégicos pelo mundo entre Espanha, Europa e EUA e que foi ganhando outros acionistas de peso como Pau Gasol. Já no imobiliário, o tenista espanhol investiu na PalyaInvest, com um volume de negócio a envolver muitos milhões de euros em casas de luxo localizadas no sul da Espanha. Num outro ramo distinto, Nadal detém a sua própria marca de suplementos alimentares vocacionados para o desporto, a NDL.

Uma análise da XBT em relação aos patrocinadores de Rafa Nadal destaca sobretudo a ligação do jogador com a Nike, marca desportiva com quem tem ligação há 25 anos e que fez uma das maiores homenagens esta semana com a projeção de títulos e imagens no Trocadéro, em Paris, cidade que acolhe o torneio de Roland Garros. Outras das marcas com quem o espanhol tem ligações mais longas e profícuas são a Kia, o Santander, a Telefónica (contratos que foram renovados recentemente) a Babolat e a Richard Mille.

A tudo isso junta-se uma das meninas dos olhos do maiorquino: a Fundação Rafa Nadal, que nasceu por influência da mãe, Ana María, em 2010 e que nesta altura é dirigida pela mulher, Maria Francisca (Mery) Perelló. O órgão de cariz social tem nesta altura centros em Palma de Maiorca, em Valência e em Madrid, com programas de desenvolvimento de planos de educação, integração social, saúde e bem estar, tendo começado com os projetos NETS com a Fundação Vicente Ferrer na Índia e Mais que ténis com os Special Olympics. A par de tudo isso, os gostos pessoais: Nadal está cada vez melhor no golfe (sendo amigo de Tiger Woods, por exemplo, o que também deve ajudar…), adora pescar e tem vindo a dedicar mais tempo ao padel. Antes, tudo aponta para que o espanhol venha a ser novamente operado, desta vez ao pé direito…