O filho de Jean McConville, mulher norte-irlandesa que foi raptada, assassinada e enterrada em segredo pelo IRA, classificou como “cruel” e “terrível” a representação feita da morte da mãe numa nova série da Disney+.

A série Say Nothing é baseada num livro do jornalista norte-americano Patrick Radden Keefe de 2018 com o mesmo nome que conta não só o caso de McConville, mas também aborda de uma forma mais lata a atividade desenvolvida pelo IRA (Irish Republican Army), durante os conflitos na Irlanda do Norte — conhecidos como The Troubles e que opuseram a minoria católica republicana (próxima da Irlanda) aos unionistas protestantes (próximos do governo de Londres).

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Como conta o breakingnews.ie, Jean McConville faz parte dos Disappeared (os desaparecidos), um grupo de 17 pessoas que foram raptadas, assassinadas e depois enterradas em segredo pela fação republicana, durante o conflito que começou nos anos sessenta para apenas terminar com o Acordo de Sexta Feira Santa de 1998, em Belfast, após mais de 3.500 vítimas mortais.

Em 1972, Michael McConville ainda era uma criança quando a sua mãe foi raptada da casa de família, na capital da Irlanda do Norte. “A Disney é aclamada pelo entretenimento, a morte da minha mãe não é entretenimento para e mim e para a minha família”, disse sobre a  nova série que adapta a morte da mãe aos ecrãs, num comunicado citado pelo mesmo media irlandês.

“Esta é a nossa realidade, todos os dias durante 52 anos”, afirmou. Michael admitiu não ter assistido ao programa televisivo e pretender não o fazer. “Eu acho que as pessoas não se apercebem o quão doloroso isto é”, acusa.

O caso de Jean McConville foi acompanhado publicamente desde 1972 e, ao longo dos anos, foi conhecendo desenvolvimentos. Em 2018, no documentário I, Dolours, a militante do IRA Dolours Price estabeleceu uma ligação entre Gerry Adams, o ex-líder do partido irlandês Sinn Féin, e o plano para assassinar McConville, numa entrevista que deixou ser publicada após a sua morte, segundo o The Guardian.

O IRA sempre negou autoria do sucedido até reconhecer o seu envolvimento no caso, em 1999, depois do Acordo de Sexta Feira Santa e após ter sido constituída uma comissão independente para localizar os restos mortais das vítimas do conflito. Em 2003, os restos mortais de McConville foram encontrados numa praia da região de Louth, a sul da fronteira da Irlanda do Norte, de acordo com o jornal inglês.

Gerry Adams nega até ao presente ter alguma vez feito parte do IRA e, no final de cada episódio da série da Disney, é mostrada uma declaração de isenção de responsabilidade em que se dá conta dessa informação. Em 2014, Adams foi detido por pouco tempo devido ao assassinato em questão, mas nunca foi acusado, segundo a BBC.

Jean McConville teria sido escolhida pelo IRA por ter sido identificada como uma informadora da fação protestante do conflito, ideia que uma investigação de uma instituição estatal da Irlanda do Norte rejeitou. O IRA nunca se retratou pelas acusações feitas a Jean, mesmo após um pedido nesse sentido do filho noticiado pelo The Irish Times.

O filho da vítima continua em desacordo com a apropriação que é feita da história da morte da mãe. “Toda a gente sabe a história de Jean McConville. Até Hillary Clinton, com quem eu me encontrei há uns anos atrás, conhecia a história da minha mãe”, conta. “Ainda assim, aqui está outro relato que eu e a minha família temos de suportar“, lamenta Michael McConville.

Patrick Radden Keefe, autor do livro que foi adaptado em nove episódios para a televisão, afirma ter tido “vários encontros” com famílias das vítimas incluídas no filme, incluindo uma irmã de Michael McConville. Durante a produção da série, o jornalista falou com os representantes das famílias “sobre o que iam fazer, quais eram as intenções e para ouvir quaisquer perguntas ou preocupações.

“Queríamos tornar claro que íamos abordar esta história com muita sensibilidade e compaixão”, afirmou Keefe. O norte-americano defende que a série conta “uma história humana na perspetiva das vidas de duas mulheres muito diferentes, uma delas um vítimas e outra uma autora do crime”.

Para o filho da vítima representada, a sensibilidade prometida não será suficiente: “O retrato da execução e enterro em segredo da minha mãe é terrível e, a não ser que alguém tenha passado por isso, nunca saberá o quão cruel é”.

Eventualmente, esta série vai ser esquecida e as pessoas que a fizeram terão seguido em frente”, prevê Michael McConville. “Eles conseguem fazer isso, eu não”, conclui.