A juíza do tribunal de Faro que fez uma “birra” – segundo classificou ao Observador uma fonte judicial – e adiou vários julgamentos por causa de um gabinete foi, afinal, mais longe e entrou também em choque com diversas entidades nas últimas semanas, designadamente a comarca de Faro, os oficiais de justiça e a própria Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP).

De acordo com várias fontes judiciais, Andreia Amaral da Cruz começou por se desentender com o juiz-presidente da comarca de Faro, Henrique Pavão, após este lhe ter respondido num email de 24 de outubro que não existia outro gabinete disponível além daquele que tinha sido alocado à magistrada e no qual existiam alguns objetos da colega que ocupava aquele espaço anteriormente: um “retrato”, alguns “livros de Direito” e uns “artigos decorativos”.

Como consequência, levou a sua insatisfação a um protesto por escrito em despachos judiciais, alegando falta de condições por estar a trabalhar “no corredor” do tribunal, sem “secretária” e só com “os dados móveis” do seu telefone pessoal para poder “aceder à internet”, lê-se no despacho a que o Observador teve acesso.

Como um julgamento de homicídio que causou alarme social foi adiado pela “birra” de uma juíza com os “objetos pessoais” de uma colega

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As repercussões públicas da situação, entre as quais se conta o adiamento do julgamento de um caso de homicídio qualificado na aldeia de Várzea dos Vinagres, concelho de Tavira, em que o arguido, com 20 anos, está a aguardar as sessões em prisão domiciliária por ter matado o pai à facada — alegando em sua defesa que o progenitor maltratou a mãe e os filhos durante 15 anos – levou o órgão de gestão e disciplina dos juízes a intervir.

“Não é uma situação normal. Para o Conselho Superior da Magistratura [CSM] entrar em campo é porque houve dificuldades de comunicação com a comarca”, conta uma fonte judicial, que sublinha ainda que “o estabelecimento de pontes se mostrou difícil” com a juíza. O caso, adiantou a mesma fonte, “teve consequências e levou a algum desprestígio da justiça pelo adiar de julgamentos” por esta situação, que resultou em cinco ou seis adiamentos entre o final de outubro e o início de novembro.

Uma zanga com a Associação Sindical de Juízes

A magistrada também se desentendeu nas últimas semanas com a ASJP, a quem tinha chegado a reportar o problema registado com o gabinete, um problema que, aliás, lhe pode vir a custar um inquérito disciplinar, caso o CSM assim entenda na reunião do Conselho Permanente agendada para esta terça-feira, na sequência da averiguação realizada nas últimas semanas. No sábado, o CSM tinha assegurado que as questões em torno do gabinete já estavam resolvidas, uma vez que os objetos pessoais da juíza Ana Lúcia Cruz, que ocupava antes aquele espaço, “foram removidos e o gabinete passou a ser utilizado pela magistrada” Andreia Amaral da Cruz.

O presidente da ASJP, Nuno Matos, não quis fazer comentários sobre o incidente, mas o Observador apurou que Andreia Amaral da Cruz chegou a decidir que não queria mais ser associada e consumou mesmo a sua desfiliação da associação sindical.

Contudo, a magistrada acabou por voltar atrás na sua saída e, passados alguns dias, decidiu voltar a ser associada da ASJP.

Um “padrão” repetido com o Conselho dos Oficiais de Justiça

Andreia Amaral da Cruz teve igualmente um problema com oficiais de justiça do tribunal de Faro e pediu a intervenção do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), o organismo que analisa o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre estes funcionários. Nesse sentido, o vice-presidente do COJ, o juiz Rodolfo Santos Serpa, deslocou-se na sexta-feira passada ao tribunal de Faro para se inteirar das questões que estariam a causar algum tipo de atrito entre a juíza e os oficiais, segundo adiantou outra fonte judicial.

Contudo, o Observador apurou que houve dificuldades de comunicação entre Andreia Amaral da Cruz e o vice-presidente do COJ, que acabou por não conseguir esclarecer os motivos que levaram ao pedido de intervenção deste órgão integrado na Direção-Geral de Administração da Justiça (DGAJ) ou a existência de alguma eventual conduta irregular de um dos oficiais de justiça colocados naquele tribunal.

Questionado sobre o encontro ocorrido na sexta-feira, Rodolfo Santos Serpa, antigo vogal do CSM entre 2016 e 2019, declinou prestar declarações nesta fase, alegando que este caso é muito recente e ainda está a ser analisado.

Fosso com juízes adjuntos também isolou magistrada

Quando o problema com o gabinete passou a constar em despachos judiciais de Andreia Amaral da Cruz e que essa situação representava um défice de condições para poder trabalhar, pelo que iria adiar a sessão, o choque tornou-se também evidente relativamente aos dois juízes adjuntos que integravam o coletivo de um dos julgamentos adiados.

E os dois juízes adjuntos fizeram questão de cavar um fosso com a juíza presidente, uma vez que o referido despacho não foi acompanhado pelos adjuntos. Os juízes Joaquim Jorge da Cruz e Susana Almeida Ribeiro fizeram questão de que constasse em ata que o despacho emitido “é de exclusiva responsabilidade” da juíza presidente, “o qual não subscrevem nem concordam”.