A nove meses da Academia de Amadores de Música ter de abandonar a sede que ocupa há 67 anos, foi adiantado pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, que o município tinha encontrado um espaço na Rua Vítor Cordon para acolher a instituição. O anúncio, porém, parece ter apanhado de surpresa um dos ocupantes das instalações, a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, com a qual é preciso negociar a cedência do espaço.

Em declarações ao Observador, o presidente desta junta de freguesia, Miguel Coelho, disse-se surpreendido pelo anúncio de Carlos Moedas, duvidando da viabilidade desta solução e afirmando que os arquivos localizados no edifício “prestam um serviço fundamental à junta”.

Mais tarde, em comunicado oficial, o gabinete de Miguel Coelho acusou a Câmara Municipal de Lisboa de ter tomado esta decisão sem ter auscultado a junta de freguesia e após, “horas antes”, ter “rescindindo unilateralmente um contrato de comodato” entre as duas partes que consignava a este corpo administrativo estas instalações na rua Vítor Cordon, anteriormente pertencentes à extinta freguesia dos Mártires.

“É assim fácil perceber que o Sr. presidente da Câmara manda despejar primeiro, para depois solicitar publicamente ‘a boa vontade do senhor presidente da Junta’, sem nunca o ter contactado”, lê-se no comunicado.

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Aprofundando as reservas que Miguel Coelho tinha revelado ao Observador, o comunicado diz que a junta “repudia a argumentação justificativa que suporta a rescisão do contrato, uma vez que a mesma desrespeita a autonomia jurídica e política da freguesia e revela o total desconhecimento das próprias cláusulas do contrato de comodato”.

“Neste edifício, está sediado o espólio e arquivo histórico das doze freguesias anteriores à constituição da freguesia de Santa Maria Maior, assim como todo o arquivo vivo que a lei obriga a manter fisicamente”, atira ainda o gabinete.

Com base nesta argumentação, a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior diz recusar “liminarmente, dar cumprimento à intimação da Câmara Municipal de Lisboa, que considera infundamentada e desadequada”. Mais ainda, repudia o que diz ser um ato de ingerência anunciado “através dos órgãos de comunicação social” e “manifesta a sua perplexidade e incompreensão pela inexistência de diálogo e pela postura disruptiva e hostil do município no assunto em apreço”.

Numa conversa posterior com o Observador, Miguel Coelho escusa-se a mais comentários públicos, adiantando apenas que não fecha a porta a uma “conversa séria” com Carlos Moedas sobre o futuro da Academia de Amadores de Música e o papel que a junta poderá ter nesse destino.

A autarquia já reagiu a este comunicado, manifestando “a sua incredibilidade perante a possibilidade de a Junta presidida pelo socialista Miguel Coelho poder bloquear essa solução, colocando em causa o futuro da Academia de Amadores de Música e o esforço da Câmara Municipal de Lisboa e de todos os que se mobilizaram por esta causa”, dizendo-se “convicta que não deixará de contar com o apoio e a colaboração da Junta de Freguesia de Santa Maior”.

De resto, a junta recusa ser o ator a inviabilizar a instalação da Academia dos Amadores de Música num novo espaço, dizendo-se “parte ativa em dar voz à situação precária” da instituição e solidarizando-se publicamente com a mesma. “Faremos parte da solução, se assim for possível. Mas não pode o Executivo eleito, tomado de surpresa através dos órgãos de comunicação social, aceitar um conjunto de procedimentos que ingerem sobre a autonomia da Junta”.

O imóvel em questão é um edifício de cinco andares ocupados pelos serviços arquivísticos da junta e pelo Organismo de Produção Artística (OPART), a entidade pública empresarial responsável pela gestão do Teatro Nacional de São Carlos, da Companhia Nacional de Bailado e dos Estúdios Victor Córdon.

A propósito deste tema, o OPART disse ao Observador que “de momento” não tem “qualquer comentário a fazer”. Já da parte da Academia de Amadores de Música, o presidente da instituição, Pedro Barata, pauta-se pela discrição enquanto decorre o processo de negociação, admitindo que “solução é interessante” mas que “cumpre à câmara perceber se há viabilidade”.

Em causa está o anúncio feito por Carlos Moedas esta quarta-feira, após uma reunião pública do executivo municipal, de que o executivo tinha encontrado “uma solução para a Academia de Amadores de Música no Chiado”. “Penso que agora, com a boa vontade tanto do OPART, que está lá numa parte do edifício, como do senhor presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, a situação fica resolvida”, arriscou o autarca, que também acumula a pasta da vereação da Cultura.

Tal informação consistiu na primeira vez que a Câmara Municipal de Lisboa avançou publicamente com um espaço para acolher a Academia de Amadores de Música. Em outubro, Moedas tinha instado ajuda ao Governo a ajudar o município a encontrar um local alternativo para a instituição, que celebrou 140 anos em 2024.

A instituição, responsável pelo ensino de música a quase 320 alunos — muitos deles de 18 escolas privadas e públicas do concelho de Lisboa com quem assinou contratos de patrocínio — viu-se forçada a abandonar a atual sede na Rua Nova da Trindade, no Chiado, após uma atualização de renda feita pelo proprietário do imóvel, passando de 542 euros para 3.728.

“É um património artístico na iminência de ruir”: a 10 meses do despejo, a Academia de Amadores de Música ainda não tem para onde ir

Na iminência de despejo, Pedro Barata conseguiu negociar com o senhorio um prazo para a Academia de Amadores de Música deixar as instalações, em agosto de 2025, encontrando-se agora numa corrida contra o tempo para encontrar um novo espaço. As dificuldades neste processo, detalhadas pelo dirigente em conversa ao Observador, prendem-se sobretudo com questões de espaço e de localização (assim como os custos financeiro que isso implica), sendo necessário encontrar uma solução central e espaçosa para manter o normal funcionamento do seu serviço de ensino.

De resto, o espaço adiantado por Carlos Moedas cumpre vários requisitos para ser a nova casa da Academia de Amadores de Música, tratando-se de um local em boas condições de conservação e para o qual poderia mudar-se num curto espaço de tempo. Além disso, tratar-se-ia de uma cedência de espaço, sendo por isso uma alternativa pouco dispendiosa, e encontra-se numa localização relativamente próxima à atual sede da instituição.

A propósito desta procura, foi promovida a petição pública “pela manutenção e salvaguarda da Academia de Amadores de Música”, que ultrapassou os 8.000 subscritores, tendo assim obtido as 7.500 assinaturas necessárias para que o tema seja discutido em plenário da Assembleia da República.

(Notícia atualizada às 18h15 com a reação da Câmara Municipal de Lisboa ao comunicado da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior)