Uma, duas, três, quatro. Portugal continua a dominar o continente sul-americano e, depois de Jorge Jesus e Abel Ferreira terem conquistado a Taça Libertadores, com Flamengo e Palmeiras, respetivamente, este sábado foi a vez de Artur Jorge chegar à glória eterna com o seu Botafogo, que nunca tinha chegado à partida decisiva da maior prova de clubes do continente. O jogo teve traços de heroico, já que, desde os 30 segundos, o fogão esteve em desvantagem numérica, devido à expulsão de Gregore (1-3).

O fogão não parou no vermelho e chegou à glória: Botafogo de Artur Jorge faz história e vence Libertadores pela primeira vez

Este triunfo começou a ser construído há quase oito meses, no passado mês de abril. Como em tantas outras epopeias de sucesso, Braga e o Sporting local trouxeram à tona mais uma história de sucesso. Foi nessa altura que o Botafogo resgatou Artur Jorge aos arsenalistas, numa saída que não foi vivida da melhor forma. O presidente António Salvador partilhou na altura que foi surpreendido quando soube que “o treinador se encontrava a jantar em Matosinhos com o empresário John Textor [dono do Botafogo], tendo chegado a um princípio de acordo para a sua transferência no imediato”, acusando Artur de “colocar em causa a liderança do grupo”.

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Em entrevista ao jornal A Bola, o técnico defendeu-se e assumiu que ficou “magoado e desiludido” pela forma como saiu dos minhotos. “Acho que não foi dado o devido reconhecimento aos dois anos de trabalho realizado. A minha saída foi sempre um processo transparente entre as três partes [Artur Jorge, Sp. Braga e Botafogo] e não compreendi a abordagem que foi feita no final do processo. Nem uma palavra de agradecimento…”, lamentou. “Depois da proposta do Botafogo, pedi ao Sp. Braga para aceitar o acordo. Obviamente que viajei com um acordo verbal, mas o acordo no papel só foi assinado no Brasil. Colocar em causa o projeto? Deixei o Sp. Braga a dois pontos do terceiro lugar e ainda íamos receber o FC Porto…”, completou.

Com as polémicas postas de parte, Artur Jorge tinha um grande desafio pela frente. Depois de um período de instabilidade, pelo qual também passaram Luís Castro e Bruno Lage, a perda do Brasileirão de 2023 para o Palmeiras, depois de ter uma vantagem de 14 pontos, ainda deixava mossa no clube do Rio de Janeiro. O início de 2024 não foi melhor, o clube não se apurou para as meias-finais do Carioca e começou a fase de grupos da Libertadores com uma derrota. O treinador português chegava a um balneário abatido e com a moral em baixo, apesar de ter muita qualidade.

Era a hora de Artur Jorge brilhar e mostrar todo o seu valor. E assim foi. O técnico de 52 anos recolocou o glorioso na rota do sucesso e começou o Brasileirão com exibições positivas. Os jogadores ganharam confiança, os adeptos passaram a acreditar e a equipa cresceu, sem olhar ao passado e a fatores externos. Com nomes como Thiago Almada, Luiz Henrique, Tiquinho Soares ou Tchê Tchê a despontar, Artur não teve medo de arriscar e priorizou a estabilidade da equipa face ao difícil e apertado calendário sul-americano. Montou a equipa ao seu estilo, com prioridade para as características do jogadores, e o sucesso começou a chegar.

Revertidos os níveis anímicos e psicológicos, o investimento da estrutura do Botafogo levou o clube ao topo do futebol brasileiro, no qual está a apenas quatro pontos de se sagrar campeão, e da América do Sul. Apelidado de “predestinado” pelos adeptos do emblema do Rio de Janeiro, Artur Jorge começou a escrever o destino desta final na véspera, quando a mãe o “transportou”, por videochamada para a festa dos torcedores em Buenos Aires, algo que chegou a emocionar a progenitora. “Arrisco dizer que é o jogo mais importante da minha carreira. Não tenho dúvidas sobre isso. Traz-me também a responsabilidade e a satisfação de podermos aproveitar o momento”, partilhou, depois, na conferência de imprensa de antevisão à final.

Já este sábado, a equipa ficou condicionada desde o início e o técnico teve de mudar a postura, reforçando o corredor central e baixando as linhas. O jogo foi de sacrifício, o Botafogo raramente teve a bola, mas estava talhado para explorar o espaço através das transições rápidas e aproveitar ao máximo o pouco tempo que teve com bola. E assim fez. A estratégia foi praticamente perfeita e resultou em dois golos no fecho da primeira parte, com Luiz Henrique em grande. A segunda metade abriu com Vargas a reduzir a desvantagem do Atl. Mineiro e, a partir daí, foi sofrer a bom sofrer. Nas piores alturas, John transcendeu-se na baliza do fogão e, a fechar, Júnior Santos sentenciou a partida, dando início à festa carioca… e às lágrimas de Artur Jorge no banco.

“Sabíamos das nossas possibilidades desde o primeiro minuto, mesmo com um homem a menos. Eu, como técnico, só tenho que me render a todos estes atletas, à qualidade humana e futebolística de cada um deles, porque foram animais de competição. Só uma equipa com esta vontade, consegue um feito deste tamanho. Estou muito, muito feliz por levar este troféu para o Botafogo. Os meus jogadores trabalharam imenso desde o Aurora [jogo da 2.ª pré-eliminatória] com este objetivo. Temos muita emoção dentro de cada um de nós”, começou por dizer o português depois da conquista.

“Foi uma vitória épica, provavelmente a vitória mais épica de uma final de Libertadores. É um feito enorme. A nossa base de fãs é merecedora daquilo que fizemos por eles. É por eles que lutamos. São uma fonte de energia inesgotável e estou feliz por eles, por contribuir e dar uma alegria a quem tanto tem sofrido nos últimos anos”, completou, com a alegria e a emoção patentes no seu rosto.

Agora, é hora de celebrar, mas por pouco tempo. Na madrugada de quinta-feira há jogo no Brasileirão e o fogão pode carimbar já o título. Caso isso aconteça, seja esta semana ou no domingo, o Botafogo de Artur Jorge junta-se a um lote estritamente restrito de equipas que venceram o Brasileirão e a Libertadores, feito que só foi alcançado pelo Flamengo de Jorge Jesus e o Santos… de Pelé. Para além do troféu interno, o Botafogo tem agora no horizonte a presença na edição inaugural do Campeonato do Mundo de clubes, que acontecerá no verão nos Estados Unidos. Antes e já em dezembro, o glorioso entra em ação na agora denominada Taça Intercontinental, onde procurará destronar o Real Madrid.