A nacionalização e privatização da Efacec, pelos anteriores governos socialistas, deverá mesmo ser objeto de inquérito parlamentar, proposto pela IL. A comissão parlamentar de inquérito vai receber, segundo apurou o Observador, votos favoráveis do PSD, CDS e Chega, mas da esquerda também chega o aval para o escrutínio dos processos, pretendendo esse lado um olhar mais atento à privatização.

O PS votará contra a comissão parlamentar.

Carlos Guimarães Pinto, deputado da IL, apresentou o projeto de comissão de inquérito realçando que “564 milhões de euros é o custo que a Efacec poderá representar para os contribuintes. 564 milhões de euros, cinco vezes mais do que os prejuízos da Santa Casa da Misericórdia que justificaram uma comissão inquérito; são 140 vezes mais do que o custo do tratamento das gémeas que justificou outra comissão de inquérito”.

O deputado liberal sustenta que, em 2020, antes de nacionalizada, “a Efacec já estava numa situação complicada, mas em três anos sob gestão pública uma empresa que já estava mal conseguiu o feito de ficar ainda pior”. E mesmo em áreas de negócio que cresciam a nível mundial, a Efacec caia: nas encomendas de automação caíram 67%, as da unidade de transformadores recuaram 73%, as da unidade de mobilidade elétrica 80%. “O governo [do PS] nacionalizou a Efacec sem sequer fazer a análise independente que verificasse o interesse público da operação, acreditando puramente nas garantias da administração de que a empresa era viável, era economicamente sustentável e que as dificuldades eram apenas temporárias”. Só que, continua o deputado a explicar o pedido de inquérito, “em três anos a empresa perdeu quase toda a sua receita, só pagava a fornecedores quando o dinheiro do Estado entrava, as dificuldades que eram supostamente temporárias tornaram-se permanentes”.

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E assim teve, segundo contabilizou o Tribunal de Contas, um financiamento público de de 484 milhões com potencial para subir para 564 milhões. E há muito que “não sabemos”, nas palavras do deputado liberal. “Não sabemos, não sabemos, não sabemos mas era altura de sabermos e sabermos o que aconteceu à Efacec. Esconder o que aconteceu pode ser muito conveniente para alguns, mas seria o primeiro passo para que tudo pudesse voltar a acontecer outra vez”.

Na primeira intervenção, a seguir à declaração de Carlos Guimarães Pinto, logo o Chega garantiu que iria votar a favor. “Concordamos com a comissão parlamentar de inquérito. Doa a quem doer”, declarou o deputado Carlos Barbosa. O Chega, na anterior legislatura também já tinha feito uma proposta para a comissão à Efacec, e quer “continuar nessa prossecução da verdade. O que foi feito não lembra o diabo”.

Se do CDS, da voz de Paulo Núncio, no Parlamento o voto favorável não deixou dúvidas: “Votaremos a favor da constituição da comissão de inquérito proposta pela IL, é a forma correta e adequada de apurar em detalhe os contornos da nacionalização e privatização da Efacec e esclarecer os portugueses cabalmente dos erros cometidos neste prodesso manchado pela opacidade”; do PSD Bruno Ventura não deixou esse voto claro, mas o Observador sabe que é intenção do grupo parlamentar votar favoravelmente o que permite que a comissão passe. Bruno Ventura, no entanto, atacou o PS pelos atos na Efacec. “Há muito que a Efacec apresentava resultados operacionais questionáveis. O EBITDA era recorrentemente negativo mas como é óbvio o PS tinha uma visão diferente”. Em junho de 2020, a nacionalização é consumada para “estabilizar a estrutura acionista”, porque “era óbvio que era esse o único problema. Na matriz do PS a classificação estava feita a Efacec era estratégica”, apontando o governo como uma nacionalização temporária. “O temporário demorou três anos e das resmas de interessados só restou o fundo Mutares que adquiriu 70% da empresa em 2023 por 15 milhões de euros. Por seu lado o erário público já foi lesado em 484 milhões de euros”. Bruno Ventura continua: “A nacionalização foi feita em nome da salvação dos postos de trabalho, estabilização financeira e viabilidade operacional da empresa”, mas, assume, “perderam-se 600 postos de trabalho, áreas de negócio foram encerradas e os portugueses jamais recuperarão o seu dinheiro”.

Segundo o Tribunal de Contas, a fatura poderá atingir os 564 milhões de euros.

Estado gastou mais para vender Efacec e conseguir um maior retorno, mas correu mais riscos

E aponta o que diz ser um paradoxo socialista: “Entre 2015 e 2024, o país assistiu pela voz de António Costa, de Pedro Nuno Santos entre outros ao PS a analisar e dissertar sobre as privatizações da TAP e da ANA, aquelas que geraram retorno para o erário público e salvaram uma empresa como a TAP, mas para o PS estas privatizações foram desastrosas. Por seu lado, a Efacec que custou até à data 484 milhões aos portugueses nem uma palavra de arrependimento, nem um murmúrio de responsabilidade. O que o PS deu aos portugueses foi silêncio e indiferença. Aos dias de hoje, perante a dura realidade, podíamos esperar uma nova reflexão ou no mínimo ponderação na forma como o PS olha para a intervenção do Estado na economia. Mas nada disso”. E ataca Pedro Nuno Santos por não querer os privados na saúde. “Como o socialismo nunca se engana, já todos sabemos o que podemos esperar quando o socialista classifica uma empresa como estratégica. Só nos resta sermos iluminados pela próxima visão para saber qual a próxima TAP ou Efacec. Do PSD podem esperar a não discriminação nem de empresas, nem trabalhadores nem de setores. Podem contar connosco na defesa da economia aberta”.

Confrontado com o Chega sobre o que o PSD vai fazer, Bruno Ventura declarou: “Da parte do PSD poderá ter duas certezas: tudo faremos para apurar a legalidade deste processo. A segunda certeza, independentemente seja este governo ou o PS o estado deve ser uma pessoa de bem e honrar os seus contratos”.

À esquerda, o PS foi claro que não irá aprovar esta comissão de inquérito. André Pinotes Batista deixou claro o sentido de voto, atacando a direita por em 2015 quando Isabel dos Santos entrou na Efacec essa “movimentação ter sido acarinhada e laudada por uma direita que fazia fila para aparecer nas iniciativas dos capitais angolanos que aqui entravam”, e recordou as denúncias de Ana Gomes sobre esses capitais. Assume que “nem tudo correu bem”, num processo que “não foi isento de dificuldades, mas é importante dizer que a direita ignora custos sociais, que pesa na vida das pessoas”. São 2.500 postos de trabalho, realçou, atacando Carlos Guimarães Pinto por não ter falado, quando retratava a situação da Efacec, que a situação da empresa maiata aconteceu durante a pandemia. “Fez por parecer que não sabia que atravessámos a maior pandemia do século, o que não intelectualmente honesto”, atirou Pinotes Batista.

À esquerda, Bloco de Esquerda também assume o voto favorável. José Soeiro, deputado bloquista, garantiu que é a favor do inquérito, sendo favorável ao “escrutínio e debate, incluindo sobre a responsabilidade da gestão privada. Acreditamos que quanto mais se conhecer o negócio, mais se desperdiçou uma oportunidade, em que o Estado é um ator estratégico na reindustrialização do país”. Ainda que assuma estar nos antípodas do que diz ser o interesse privatizador da direita, dizendo que o Estado salva empresas “para os privados recolherem lucros mais tarde. É uma opção política e errada”. A venda, diz ainda, “foi uma oferta à Mutares”.

António Filipe do PCP alinha nesta visão, querendo olhar mais para o que foi feito pela gestão privada. “O que o Estado fez com a Efacec não foi uma nacionalização. O que o Governo do PS fez foi salvar os acionistas privados, e os interesses da banca, procedendo à socialização dos prejuízos para preparar para um novo processo de privatização”. O PCP propõe acrescentar pontos ao inquérito parlamentar para “esclarecer” “o exercício e responsabilidade do grupo Efacec pelos acionistas, a real situação financeira do grupo aquando da intervenção do Estado, o papel da banca e de outros credores e os acordos feitos com o comprador. Ou se esclarece isso ou corremos o risco de deitar poeira para os olhos e não esclarecermos nada”. Enquanto António Filipe apontava estes pontos, os deputados da IL acenavam com a cabeça, em jeito de concordância. O deputado comunista recordou que nos três anos de Efacec pública a empresa perdeu recursos e trabalhadores, não colocou qualquer administrador e fez com que a Efacec não aceitasse encomendas e não tenha respondido a “uma única pergunta que o PCP fez aqui”.

O Livre, pela voz de Isabel Mendes Lopes, diz que devia ter sido analisada a permanência do Estado e ataca a rápida privatização. E aponta o dedo aos acionistas privados que não podem ficar à margem do inquérito, com o “ónus todo a ficar do lado do Estado”.

Estado sai da Efacec, Mutares entra numa empresa “sem espinhas”. A que preço?

Filipe Melo, do Chega, acaba por questionar onde estão os postos de trabalho que o PS queria defender. “O que fazem ao país é vergonhoso e escandaloso”, atira o deputado, olhando para a bancada do PS. “Sempre que o PS governa há casos destes, há casos de corrupção, má gestão e injeção de capital da parte dos portugueses. Quando vamos acabar com a bandalheira socialista que arrasta o dinheiro dos contribuintes para o fosso e leva a que o país tenha de pagar os vossos desvarios?”. André Pinotes Batista responde dizendo ao Chega que não lhe reconhece poderes judiciais. “Deixe de ser populista”, acusando a direita de “cegueira de privatizar sem olhar a humanismo”.