Muitas vezes, quase todas as vezes, o caminho de um projeto ou de uma ideia tem momentos de “definição”. São momentos onde é tudo preto ou branco sem margem para cinzentos ou meios termos, momentos em que se percebe para que lado vai a sorte ou o azar de um barco, momentos que servem de rampa de lançamento para a retoma ou para um beco sem saída. Ruben Amorim, no dérbi contra o City no Etihad, teve um desses momentos. A estrelinha pela qual trabalhou ao longo de quatro anos e meio em Alvalade voltou a sorrir nos minutos decisivos. Aos 87′, antes de um duplo erro que deixou Matheus Nunes arrasado no relvado, o United perdia pela margem mínima; três minutos depois, tinha a reviravolta feita. Nem por isso os red devils foram além da 13.ª posição na tabela classificativa mas o ponto de viragem na Premier League foi ganho.

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Tudo jogou a favor do treinador português, que somou apenas o segundo triunfo em cinco jogos realizados para o Campeonato. Até as imagens posteriores que foram saindo serviram para “coroar” Amorim nesta fase de afirmação no clube e em Inglaterra. Um exemplo prático: no lance do 2-1 marcado por Amad Diallo, um jogador que subiu exponencialmente de rendimento desde a chegada do técnico a Old Trafford, há um vídeo que mostra Amorim a pedir a Lisandro Martínez na defesa para jogar na profundidade para a velocidade do costa-marfinense. Foi isso que aconteceu, foi esse o lance que construiu a reviravolta. No entanto, esse foi também o dérbi que teve pela primeira vez Marcus Rashford e Alejandro Garnacho de fora da lista.

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“Não quero mandar qualquer mensagem, é simples avaliação e eles sabem disso. Os jogadores são muito, muito espertos. Toda a gente entende a minha decisão, tenho de fazer escolhas. É apenas uma seleção. O contexto é difícil, temos de ganhar jogos e a situação é complicada. Presto atenção a tudo, à forma como comem, à forma como se vestem para ir para o jogo… Tudo. Faço a minha avaliação e depois tenho de decidir. Tenho muitos jogadores por onde escolher. Como informei os jogadores? É o mesmo de sempre, há uma comunicação depois do último treino que vai para o WhatsApp. Eles receberam a informação mas estão bem, treinaram esta manhã. Eu estava lá, tudo estava bem. Treinaram normalmente”, detalhou Amorim ainda antes do triunfo frente ao City de Pep Guardiola. Era um “risco”, acabou por trazer frutos em campo.

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A seguir à partida, a imprensa inglesa foi especulando sobre as alegadas fugas de informação em relação ao onze inicial, sendo que Garnacho entrou no olho do furacão a propósito de um tema que estará a incomodar a estrutura dos red devils e que terá de encontrar “solução” o mais depressa possível. Já Rashford, que nas redes sociais mostrou todo o seu contentamento com a vitória no dérbi, deu uma entrevista que não demorou a percorrer mundo pela forma como pela primeira vez abriu as portas da saída do clube de sempre.

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Noite de sonho com vitória contra o maior rival

“Pessoalmente, creio que estou preparado para um novo desafio e para os próximos passos. Quando sair, não haverá ressentimentos. Não haverá qualquer comentário negativo da minha parte sobre o Manchester United porque sou assim como pessoa. Se sei que uma situação já é má, não sou eu que a vou piorar. Vi isso com outros jogadores que foram saindo no passado e não quero ser essa pessoa. Quando for, farei uma declaração e será tudo da minha parte. Ausência no dérbi? Foi desanimador ficar de fora mas aconteceu. Ganhámos o jogo, seguimos em frente. Foi uma deceção mas, à medida que vou crescendo, sou uma pessoa que consegue lidar com os contratempos. O que posso fazer? Sentar-me e ficar a chorar por isso?  Não, é fazer melhor para que na próxima vez possa estar disponível”, apontou o internacional inglês de 27 anos.

Rapidamente a imprensa espanhola agarrou nessa tomada de posição para tentar aproximar o jogador do Barcelona, sendo que já antes se tinha falado da possibilidade de rumar ao PSG. Amorim, esse, seguiu o caminho contrário e, sempre de sorriso nos lábios, falou apenas na versão Rashford jogador do United.

“Estamos melhor com o Marcus Rashford, é tão simples quanto isso. Vamos tentar diferentes coisas para o levar aos níveis que atingiu no passado. Este tipo de clubes precisa de grandes talentos e ele é um grande talento. Por isso, apenas precisa de jogar a um nível alto. Somente quero ajudá-lo. Se pode ser opção no próximo jogo com o Tottenham [para a Taça da Liga]? Se eles estiverem bem nos treinos, temos de fazer escolhas. Espero sempre o melhor de cada jogador todos os dias. Vamos ver depois do treino desta manhã. O meu foco é que todos os jogadores estejam ao seu melhor nível para preparar cada jogo”, referiu o técnico na antecâmara da partida em Londres que poderá valer a passagem às meias-finais da competição.

“Novo desafio para o Rashford? Penso que ele tem razão, temos aqui um novo desafio, um desafio difícil, para mim o maior do futebol porque estamos numa situação complicada e, como já disse, este é um dos maiores clubes do mundo. É um novo desafio, o maior de todos. Realmente espero que os jogadores estejam preparados para isto. Se falei com ele? Ainda não. Dei um dia de folga ao plantel mas ele é nosso jogador e está pronto para o próximo jogo. Já falei com muitos jogadores individualmente e durante o treino quero tirar o melhor dele como jogador. Por isso não falo do futuro, apenas do presente. Quero o melhor para cada um deles e isso é um ponto chave para mim. Apenas quero vencer para ajudar a equipa a ser cada vez melhor. Se vou pedir para ficar? Isso faz parte do futuro, o meu foco é ter todos os jogadores ao seu melhor nível para que possamos preparar cada jogo. Não há ‘ses’ neste tipo de clubes”, acrescentou, antes de falar também da crise de resultados do Sporting, que ganhou ao Boavista após quatro derrotas consecutivas.

O que aconteceu [no Sporting] podia acontecer com qualquer treinador. É uma fase muito difícil, estou a passar o mesmo aqui, as mudanças a meio da temporada nunca não fáceis. Desejo muito que o Sporting seja campeão, está em primeiro lugar, continua tudo igual, são fases da época. Mas ganharam o último jogo e vai correr bem”, comentou Amorim sobre João Pereira.

“Balanço do primeiro mês no Manchester United? Encontrei um clube maior do que esperava. Sabia das dificuldades, vai levar tempo. No Sporting também foi um momento difícil mas é diferente, a sequência de jogos foi diferente. Depois houve a pandemia e tive tempo para pensar nas coisas. Aqui não. Aqui são jogos de dois em dois dias, o que torna tudo mais complicado, a exposição é muito maior e isso aumenta a pressão. Diria que o grau de dificuldade é similar mas a exposição é diferente, o que faz com que o desafio seja maior. Tem sido muito bom, muito difícil, mas isso também dá muita satisfação. É continuar o trabalho e ver o que vai acontecer”, comentou o treinador português, citado neste caso pela SportTV.

Apesar de ter o primeiro “caso” desde que assumiu o comando dos red devils, Ruben Amorim continua a ter empatia em crescendo com os adeptos e vai cativando também os próprios antigos jogadores que são agora comentadores, casos de Gary Neville, Rio Ferdinand ou Alan Shearer. “Estamos muito contentes [com estes primeiros tempos]. A mentalidade e a disciplina que ele traz é exatamente aquilo que precisamos neste clube. É a combinação perfeita mas vai levar tempo até estar no ponto. Temos de passar a tempestade, sofrer, para depois ganhar mais à frente”, tinha salientado Diogo Dalot à DAZN após o jogo no Etihad.

É neste contexto que, com ou sem Rashford e/ou Garnacho, o treinador português vai terminar um ciclo de constantes desafios até ao final do ano civil a começar pelos quartos da Taça da Liga frente ao Tottenham em Londres (esta quinta-feira, 20h) e com mais três encontros da Premier contra Bournemouth (casa, dia 22), Wolverhampton (fora, dia 26) e Newcastle (casa, dia 30). E o início de 2025 também não promete facilidades para Amorim e para o Manchester United, que começa por defrontar o líder Liverpool para o Campeonato em Anfield no dia 5 de janeiro e volta a jogar no Emirates com o Arsenal para a Taça no dia 12.