Dezenas de personalidades assinaram o texto de uma queixa que está a ser preparada para entregar em janeiro à provedora de Justiça, relativa à atuação policial no Martim Moniz (Lisboa) na operação de dia 19 de dezembro.
Segundo disse à Lusa Bruno Maia, um dos organizadores, a queixa partiu de várias associações que trabalham no terreno e que consideram a operação policial que a PSP desenvolveu na Rua do Benformoso desproporcionada e lesiva de princípios fundamentais do Estado de Direito.
No texto da queixa, noticiada esta quimta-feira pelo Diário de Notícias e a que Lusa teve acesso, os promotores lembram que a operação incluiu a revista de dezenas de cidadãos encostados à parede, “perfilados e de mãos levantadas, sem qualquer indicação de suspeita de prática de crimes”.
“Tal atuação configura, a nosso ver, uma utilização de meios desproporcionais em relação aos fins anunciados: a forma como a operação foi conduzida fere o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa e também os direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana e à presunção de inocência”, consideram.
A queixa, que deverá ser entregue a 6 de janeiro à provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, refere ainda que encostar cidadãos à parede “de forma ostensiva, sem indicação de suspeitas concretas de envolvimento em crimes, e adotando procedimentos invasivos” configura uma “atuação desnecessária e humilhante” por parte das autoridades.
“A justificar-se uma intervenção na zona, esta nunca pode implicar uma atuação simbólica e individualmente vexante, quando a PSP tem ao seu dispor outros meios de atuação proporcionais e adequados”, indica o texto.
Personalidades como a deputada Joana Mortágua (BE), a deputada e ex-ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Ana Mendes Godinho (PS), o encenador Tiago Rodrigues, o deputado e sociólogo historiador José Soeiro (BE), a promotora musical Maria Escaja e a líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, entre outras, já subscreveram a queixa.
Em declarações à Lusa, Bruno Maia explicou tratar-se de um texto “muito plural”, não sendo nada contra a polícia, mas sim a favor de um futuro melhor, e que será divulgado ainda esta quinta-feira um link onde quem quiser subscrever o documento o pode fazer.
Os promotores da queixa consideram ainda preocupante que este tipo de operações ocorra “numa área da cidade predominantemente frequentada por comunidades imigrantes, levantando dúvidas sérias sobre a equidade no tratamento de cidadãos em função do local onde habitam ou transitam”.
“Estas ações dificilmente teriam lugar em outras áreas da cidade, facto que aprofunda a perceção de desigualdade no tratamento de diferentes comunidades. Tais ações contrariam os valores da democracia e os valores republicanos e criam um ambiente de desconfiança entre a população e as forças de segurança”, refere o texto.
O documento está a circular através das redes sociais, assim como a convocatória para uma manifestação agendada para dia 11 de janeiro, que descerá a Avenida Almirante Reis, em direção ao Martim Moniz, em Lisboa.
Os promotores da queixa pedem à provedora de Justiça para averiguar e apurar a legitimidade e proporcionalidade da atuação policial de dia 19 de dezembro, considerando que esta situação “exige uma reflexão profunda e a adoção de medidas” para garantir que, no futuro, “sejam evitadas práticas desproporcionais e lesivas de direitos fundamentais como esta”.
A Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) decidiu abrir um processo administrativo “de natureza não disciplinar” sobre a operação da PSP no Martim Moniz, que decorreu na tarde de dia 19 de dezembro, quando um forte dispositivo policial cercou a Rua do Benformoso, onde há uma grande comunidade de cidadãos do subcontinente indiano, e revistou dezenas de pessoas, que ficaram entre uma a duas horas viradas para a parede.
Dois homens, ambos de nacionalidade portuguesa, foram detidos, um por posse de arma proibida e droga e outro por suspeita de pelo menos oito crimes de roubo.
A ação da PSP tem sido criticada por associações de imigrantes, grupos antirracismo e várias forças políticas, que acusam a polícia de estar ao serviço da propaganda do Governo contra os cidadãos estrangeiros irregulares.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também considerou que as ações da polícia devem ser feitas com recato.