A Direção Geral de Saúde (DGS) revela que no período de crise (2008-2012) se registou a mortalidade por suicídio mais alta, pelo menos desde 1989. Já os números mais recentes, de 2014, apontam para 1.154 mortes por suicídio registadas, conforme se pode verificar no relatório “Saúde mental em números – 2015”, apresentado esta quinta-feira.
Entre o primeiro intervalo de tempo e o segundo (1989-1993 e 1999-2003), a taxa de suicídio diminuiu em 5,4% e entre o segundo e o terceiro intervalo de tempo (1999-2003 e 2008-2012) aumentou 22,6%, analisa a DGS. Em 2012 a taxa de mortalidade por suicídio era de 10 mortos por 100.000 habitantes.
Os especialistas da DGS lembram contudo o estudo de 2015 “Suicídio em Portugal: determinantes espaciais num contexto de crise económica”, para explicar que “a presença do Fundo Monetário Internacional (FMI) por três vezes em Portugal, no ano de 2011, trouxe medidas de austeridade severas e consequentes cortes nos gastos dos cuidados em saúde e segurança social”, mas que ainda assim não existem “estudos com base na revisão bibliográfica realizada que comprovem que a ligação entre a crise económica e a mortalidade por suicídio em Portugal ao nível local, e tendo em conta os locais de residência, influencie o comportamento suicida”.
DGS: seria importante fazer autópsias psicológicas nas mortes violentas
Olhando para os números de 2014 e daí para trás poderíamos ser porventura levados a concluir que o número de casos de suicídio aumentou quando comparado com o ano de 2013. Acontece que em 2014 o registo das causas de morte passou a ter por base uma metodologia diferente – a do Sistema de Informação de Certificados de Óbito — e, por isso, a DGS sublinha que “não é legítimo estabelecer uma correlação direta com a série que vigorou até então, de responsabilidade do INE”.
Porém, os mesmo especialistas dizem que “existem fortes indícios de subnotificação desta causa de morte devido ao grande número de mortes de causa indeterminada no mesmo período”. Para perceber melhor quantas das mortes por intenção indeterminada são suicídios “importaria promover autópsias psicológicas em todas as mortes identificadas como violentas”.
É que há uma perspetiva internacional de que 20% das mortes registadas como de causa indeterminada são suicídios. Nesse caso, a taxa de incidência subiria dos atuais 11,7 para cerca de 15 por 100.000 habitantes, “valor que para a OMS nos colocaria entre os países a quem é recomendado maior alerta”.
Em termos de grupos etários, é no grupo dos 75 aos 84 anos que é “mais expressiva” a incidência deste tipo de mortes, embora se mantenha “a tendência, iniciada em 2010, de taxas em crescimento nos grupos etários dos 40 aos 64 anos”.
Também não é novidade que a mortalidade por suicídio é “tradicionalmente menor” na região Norte e maior na região Sul do país. “O padrão apresenta, no entanto, uma mudança nas últimas décadas, nomeadamente na divisão Norte/Sul que parece ter vindo a esbater-se ao longo dos anos, devido ao aumento das taxas na região Centro e no interior da Região Norte”, lê-se no relatório.
Mais utentes nos centros de saúde com perturbações registadas
O relatório apresentado esta quinta-feira dá ainda conta que há um maior número de utentes nos centros de saúde com perturbações mentais registadas. “Se por um lado estes dados podem significar um aumento da acessibilidade aos serviços não-especializados, por outro podem estar associados a uma maior necessidade de procura de ajuda nos últimos anos para problemas de saúde relacionados com as perturbações depressivas e as de ansiedade”, explicam os especialistas, no relatório, dando conta que são precisamente a depressão e a ansiedade as perturbações mais comuns.
Olhando para o País, é na região do Alentejo que se verifica uma maior proporção de doentes com registo de demência e de perturbações de ansiedade, já a maior proporção de doentes com com perturbações depressivas é mais elevada na região Centro. No Algarve há poucos registos de utentes com perturbações mentais.
Falta de profissionais fora dos centros urbano preocupa DGS
Uma nota ainda para a falta de profissionais de saúde fora dos centros urbanos, que a DGS assinala com preocupação.
A situação começa a ser preocupante e com tendência para se agravar, em particular em especialidades tradicionalmente menos comuns nas estruturas de saúde, como é o caso da saúde mental, quer de adultos, quer, em muitos mais locais, de crianças e adolescentes”, escreve Álvaro Andrade de Carvalho, diretor do programa nacional para a saúde mental, na introdução do relatório.
E dá exemplos: “persiste a não fixação de qualquer psiquiatra na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano, embora o ambulatório em Santiago do Cacém e restante área de responsabilidade se mantenha, em condições minimalistas, pela colaboração esforçada do Departamento do Hospital de Setúbal e, mais recentemente, do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa” e “infelizmente, e por motivos pouco claros, continua sem existir a Unidade de Internamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência em Coimbra, perspetivada para abrir em 2011, impedindo assim a existência de camas especializadas na Região Centro (para além das já escassas 10 no Porto e 10 em Lisboa) e o consequente aumento de capacidade formativa numa especialidade médica sempre muito carenciada!”
Outro dos problemas prende-se com a desinstitucionalização e o desenvolvimento de cuidados na comunidade no apoio a estes doentes. A medida é defendida em toda a Europa e muitos países fecharam alguns ou todos os hospitais psiquiátricos que tinham nas últimas décadas. Em Portugal, esse processo só arrancou depois de 1998. Desde então, o número de camas em hospitais psiquiátricos tem vindo a diminuir de um número máximo de 30,6/100.000 para a taxa atual de 5,5/100.000 habitantes.
O problema é que “em Portugal a diminuição de camas nos hospitais psiquiátricos não foi acompanhada por mudanças significativas no número de unidades e camas forenses”, até pelo contrário, houve uma pequena diminuição, tanto de camas como de unidades. Também a taxa de camas de internamento em hospitais gerais, em Portugal, é significativamente mais baixa quando comparada com a mediana Europeia.
E há várias barreiras a contribuir para o atraso nesta transição dos cuidados hospitalares para os cuidados na comunidade. A DGS elenca uma série delas: desde aquelas com um impacto mais baixo, como “a centralização de recursos, a falta de formação profissional, a resistência à mudança por parte dos recursos humanos e a falta de consenso entre os diversos grupos de decisão ligados à saúde mental”; a barreiras com impacto médio como a “falta de cooperação entre os setores social e da saúde, dificuldades na integração da saúde mental nos cuidados de saúde primários e a falta de uma liderança clara e forte”; até obstáculos com um impacto mais significativo como as barreiras associadas ao “baixo apoio político e ao financiamento insuficiente e inadequado”.
Doenças mentais responsáveis por muitos anos de vida perdidos
Os dados não são novos, mas a DGS relembra que as perturbações mentais e do comportamento correspondem a 11,75% do total de anos de vida saudável perdidos, só superadas pelas doenças cerebrovasculares (13,74%) e até à frente das doenças oncológicas (10,38%). Ao mesmo tempo, estas perturbações mentais são responsáveis pelo maior número de anos vividos com incapacidade, seguidas pelas doenças respiratórias e diabetes.