É uma das mais icónicas coleções de livros portuguesas. Com cerca de 700 títulos, é rara a família que não tem pelo menos um exemplar da Vampiro, a coleção de livros policiais clássicos, de bolso, lançada pela Livros do Brasil nos anos 50. Agora, tantos anos depois, a mítica coleção volta às livrarias, editada pela mesma Livros do Brasil, comprada no ano passado pela Porto Editora. Os Crimes do Bispo, de S. S. Van Dine (n.º 1) e Vivenda Calamidade, de Ellery Queen (n.º 2) são os primeiros títulos lançados e chegam esta quinta-feira, 26, às livrarias.

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Os primeiros números da nova coleção

Em Os Crimes do Bispo um homem aparece assassinado com uma flecha espetada no peito. É apenas o primeiro de muitos corpos que vão surgir, vítimas de um assassino cruel, que vai enviando cartas aos jornais à medida que mata, sempre assinadas ‘O Bispo’. Em Vivenda Calamidade, Ellery Queen decide deixar Nova Iorque e refugiar-se na pacata Wrightsville para escrever o seu próximo romance, instalando-se num anexo da mansão da poderosa família Wright. Mas as mortes sucedem-se e um cocktail de passagem de ano pode, afinal, ser a arma do crime.

A história

“A Coleção Vampiro começou a ser publicada nos anos 50 e publicou mais de 700 títulos durante a sua vida. Foi, como agora se diz, uma coleção icónica. Um sucesso enorme. As pessoas colecionavam os livros, compravam quase todos os que saíam. De certa maneira, revelou aos leitores portugueses os grandes nomes do policial clássico” lembra Manuel Alberto Valente, o atual editor da coleção. “Dessa época não se guardam números e nós não temos os arquivos da Livros do Brasil mas a informação que tenho é que a coleção vendia muitíssimo e era reeditada frequentemente”. Agatha Christie, Raymond Chandler, Rex Stout, George Simenon e Ellery Queen são apenas alguns dos autores que a Vampiro levou às casas dos leitores portugueses, com títulos como Os Crimes do ABC (Agatha Christie), O Longo Adeus (Raymond Chandler) e Maigret e o Corpo Sem Cabeça (George Simenon), protagonizados por personagens como Maigret, Hercule Poirot, Miss Marple e Nero Wolfe.

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“Foi uma coleção que, para uma certa geração, ajudou a criar hábitos de leitura”, diz Manuel Alberto Valente, lembrando como, ele próprio, se tornou leitor na adolescência graças à Vampiro.

Um tio meu tinha os livros todos. Quando eu ia a casa dele trazia sempre meia dúzia de títulos que devorava. E depois entregava aqueles e trazia outros. Acho que me fiz leitor assim, através da leitura dos livros da Vampiro. E sei que isso aconteceu com muita gente. Era um literatura popular de qualidade. Criava leitores”, conta o editor.

Hoje, tantos anos depois, Manuel Alberto Valente diz esperar que esse fenómeno se volte a repetir. “Os hábitos de leitura estão a diminuir de um modo assustador. Uma literatura popular, no bom sentido da palavra, como é o policial clássico, pode incentivar a que jovens, e menos jovens, leiam. Enquanto o chamado thriller moderno tem um peso psicológico e social muito acentuado, no policial clássico há um crime e a dedução que leva à sua resolução, a ir ao encontro do culpado. É o modelo da Agatha Christie, uma das autoras mais lidas do mundo inteiro. É um tipo de livro que, tendo qualidade, pode ajudar a levar muitas pessoas a ler. E a ler com alguma regularidade”.

Lá diz o adágio que em equipa que ganha não se mexe e, por isso, a editora vai reproduzir o que foi feito há tantos anos: sairá um livro por mês, numerado, num formato de bolso e com preço acessível (7,70 euros). E o design das capas, assinado por Luís Alegre vai, diz Manuel Alberto Valente, piscar o olho ao das inesquecíveis capas antigas, num revivalismo que hoje está tão em voga.

As novidades

O que, claro, não invalida que existam algumas mudanças. Por um lado, haverá novos títulos e novos autores a integrar a coleção, muitos deles mais modernos – embora não contemporâneos. Por outro lado, alguns livros não serão publicados, até porque há autores, como Agatha Christie e George Simenon que estão agora sob a alçada de outras editoras. Para as obras que se mantêm, aproveitam-se as traduções já feitas mas, garante o editor, serão revistas de forma profunda e cuidada, até porque, há 50 anos, se faziam traduções livres, quase adaptações sendo até comum retirar excertos dos livros com menos ação e considerados chatos, com o objetivo de tornar os livros mais curtos e, acreditava-se, mais acessíveis. “Estamos a ter o cuidado de controlar rigorosamente a fidelidade ao texto original”.

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As capas dos mesmos livros das nas edições originais

E porquê começar com as obras de Ellery Queen e Van Dine? “São dois casos exemplares da ficção policial clássica e dois autores que foram sempre extremamente populares. Vamos, de certa maneira, ao encontro do eco que as pessoas têm”, explica Manuel Alberto Valente. Nos próximos meses, a juntarem-se aos títulos agra editados, serão publicados livros de Rex Stout, Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Por enquanto sempre na edição de bolso, sem recuperar a Vampiro Gigante, hipótese que Valente diz nem estar a considerar.

A dimensão pequena dos livros que há 50 anos contribuiu para o sucesso da coleção, permitindo preços mais baixos, pode agora, porém, fazer com que a coleção não vingue. É que, em Portugal, os livros de bolso não são exatamente campeões de vendas. Manuel Alberto Valente sabe que isso pode ser um problema mas considera que se os livros de bolso não vendem não é tanto por os leitores preferirem edições mais robustas mas por os livreiros não lhes darem visibilidade suficiente por terem menor margem na receita. “Isso preocupa-me um bocado, não escondo. A minha esperança é que o êxito da coleção possa levar a que os livros ganhem visibilidade”. Para o garantir a editora vai fazer uma forte campanha de marketing, que incluirá, até, anúncios em televisão – uma raridade no mercado editorial. De resto, tem tudo para correr bem. Até porque, diz o editor, esta é uma tendência internacional.

Curiosamente, neste momento, em vários países da Europa, há vários projetos semelhantes, que estão ou vão acontecer, de relançamento de coleções deste género, com capas revivalistas. É uma onda que está a passar por toda a parte”