A Comissão Europeia estará dividida sobre a aplicação de sanções a Portugal e Espanha por não reduzirem o défice público excessivo. Vários comissários defenderam, na reunião de dia 10 de maio, que a credibilidade da Comissão está em causa, entre eles o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis, que defende a aplicação de sanções, mas há quem defenda que é preciso olhar para questão de forma política. Jean-Claude Juncker admite que as sanções se justificam à luz das regras, mas mostrou-se contra a sua aplicação.

Na reunião anterior àquela em que a Comissão acabou por adiar a decisão sobre as sanções a Portugal e Espanha, realizada a 18 de maio, a discussão terá sido partida entre os que defendiam mão de ferro da Comissão contra os incumpridores e os que não viam a decisão com bons olhos.

É isso mesmo que mostram as actas da Comissão Europeia sobre a dita reunião. Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão para o Euro e que tem a cargo a gestão do processo do semestre europeu, abriu a discussão, como é habitual, e defendeu que essas sanções fossem aplicadas.

“[Valdis Dombrovskis] referiu-se especialmente a Portugal e Espanha, que teriam falhado as metas de corrigir os seus défices excessivos em 2015 e 2016, respetivamente, e de tomar as ações necessárias que se esperava deles. Por isso, sentia que a Comissão devia levar o próximo os seus procedimentos por défice excessivo para o próximo nível ao abrigo do número 8 do artigo 126.º”, diz o documento da Comissão Europeia.

Valdis Dombrovskis explicou, ainda, o que isto significaria: assim que o Conselho decidisse que estes dois países não tinham aplicado medidas eficazes para corrigir os desvios e cumprir as metas, a Comissão teria 20 dias para apresentar uma proposta a detalhar as sanções recomendadas e, ainda, recomendar a suspensão dos fundos estruturais e de investimento a estes dois países.

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A suspensão dos fundos europeus poderia ser levantada se, depois de feita a nova recomendação, a Comissão fizesse uma nova avaliação e esta apontasse para que, afinal, tinham sido tomadas medidas eficazes. Em relação às sanções, haveria atenuantes que poderiam ser invocadas quando se discutisse a dimensão das sanções.

O comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, abordou a questão diferente, segundo a transcrição. O francês “estava preocupado” que o Conselho considerasse que Portugal e Espanha não tomaram medidas eficazes e, por isso, “a Comissão poderia ter de impor sanções de cerca de 0,2% do PIB”. Moscovici, que passou a descrever as consequências do procedimento, lembrou que as sanções seriam inéditas e que, apesar de Portugal e Espanha poderem pedir o cancelamento ou redução das sanções invocando circunstâncias excecionais, a verdade é que a Comissão teria de iniciar o processo para suspender os fundos europeus e os países teriam de fazer um esforço adicional ao longo do resto do ano para que conseguissem que a suspensão fosse levantada.

A discussão passou então para os restantes comissários, altura em que as actas mostram que houve maior divisão, sem identificar, no entanto, que comissários defenderam o quê.

Alguns dos comissários terão defendido que a credibilidade e a autoridade da Comissão Europeia “dependem da aplicação estrita e consistente das regras” estipuladas nos tratados e nas leis que regulam a governação económica e que era preciso criar um ambiente de consistência na aplicação dessas regras.

Outros terão defendido que estas regras deveriam ser aplicadas de uma forma mais “política”, e que a Comissão deveria assim adaptar as suas decisões não só aos precedentes que a aplicação de sanções criaria, mas também à dificuldade que os cidadãos destes países teriam em aceitar esta decisão e ao contexto geral e nacional.

As actas fazem ainda referência ao contexto eleitoral de alguns Estados-membros, referindo-se claramente ao caso espanhol – as eleições estão marcadas para 26 de junho -, mas sem o nomear, lembrando os problemas e os constrangimentos que este contexto criou para tomar decisões orçamentais.

A decisão acabou por não ser tomada nessa reunião. Os comissários voltariam a reunir-se uma semana depois, no dia 18, altura em que foi decidido um adiamento da decisão sobre as sanções a Portugal e Espanha para o início de julho, já depois das eleições gerais em Espanha, e dar mais um ano a Portugal e Espanha para reduzirem o défice excessivo, algo defendido pelos dois comissários responsáveis (Moscovici até defendia mais dois anos para a Espanha).

A reunião não acabaria, no entanto, sem uma intervenção do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, a alertar para as consequências negativas de aplicar a sanções aos dois países.

“[Jean-Claude Juncker] sublinhou as eventuais consequências de algumas [das recomendações dos comissários] para os mercados financeiros em geral e para os cidadãos em particular, mesmo que essas se justifiquem à luz das regras atuais”.

“Por exemplo, [Juncker] questionou se seria uma boa política impor mais constrangimentos a Estados-membros que estavam a reduzir os seus défices e se mantinham muito pró-europeus, ou sanções a outros que já tinham feito esforços consideráveis para recuperar e conseguiram fazer regressar um crescimento significativo”, segundo os documentos.