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Gisela João, despida de preconceitos

Este artigo tem mais de 5 anos

Como apresentar um disco do fado mais tradicional? Numa discoteca onde a eletrónica costuma mandar. Como honrar Amália? Cantando os seus mais irreverentes fados. Eis Gisela.

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Este texto podia começar assim: Gisela João ou como quebrar tabus no fado. Aliás, o melhor é mesmo começar assim. Porque Gisela é uma voz do Norte que canta o mais tradicional fado lisboeta? Sim, mas não só. Porque Gisela João troca os vestidos compridos e os xailes negros pela minissaia prateada de lantejoulas que ela própria desenha e ousa cantar descalça ou de ténis em palco? Sim, mas não só. Porque Gisela João escolhe uma discoteca fancy, trendy, e não uma tasca de alfama para apresentar o novo disco? Sim, mas não só. Por tudo isto e ainda mais.

Diz a velha tradição que não se volta onde já se foi feliz. Gisela voltou. Sem medo, quebrando mais tabus. Voltou ao Lux, a discoteca de que tanto gosta para apresentar Nua, o seu segundo álbum. Despindo-se de preconceitos. Afinal fora ali que pela primeira vez ousara enfrentar o público entoando “Vampiros” de Zeca Afonso, ainda antes do mundo a conhecer fadista através do primeiro CD que levava o seu nome em 2013. Fora ali que se atirara, sem medos, para cima do público num concerto de Linda Martini. Fora ali que acabara muitas das suas noites receosas de pós adolescente numa Lisboa ainda estranha que pouco conhecia além de Alfama.

Mas o Lux estava diferente. Por ela. Bastava entrar para trás das cortinas escuras da porta principal para descobrir por entre os sofás modernos e as luzes fortes gente que não pertencia ali. Alguns desconfiados, outros tirando partido, à espera. Por ela. Havia quem nunca tivesse posto antes os pés naquela (ou numa outra qualquer) discoteca. Quem não se sentisse à vontade. Uns não voltarão, credo. Outros sim, repetirão, então não! E cairão mais tabus. Por ela.

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Mas também lá estava a clientela do costume, e muitos deles também desceram. Por ela. Para a ver.

Do piso de cima para o de baixo são só uns lances de escadas, mas na noite desta quinta-feira elas mergulhavam numa outra realidade. 200 ou 300 pessoas tornam um concerto intimista, mas Gisela não se intimidou e cantou como se estivesse num estádio. Os seus amigos não estavam longe, estavam ali mesmo. Camané numa ponta. Fafá de Belém na outra, desesperada com uma tosse de inverno. Gente do fado, sim. Mas também de outras músicas, do teatro, do cinema, de todos os espetáculos.

De pé, e não sentados numa qualquer tasca de Alfama, da Mouraria ou do Bairro Alto. Sem pastéis de bacalhau nem chouriço assado sobre a toalha vermelha aos quadrados. De gin, quando muito imperiais, na mão, e não a saborear um copo de tinto. Mas nem isso tirou ambiente de fado ao recinto, isolado da batida frenética lá de cima.

Gisela chegou atrasada, cintilante como uma bola de espelhos. Sentou-se numa cadeira florida que mais parecia um trono de Santo António. E entoou o fado mais tradicional que há. Assim, num palco de contrastes que a definem. Até acabar a livrar-se dos saltos vermelhos e a ficar primeiro descalça e depois de ténis (perdão, sapatilhas, que a menina é do Norte). Quebrando tabus.

Nua não tem os originais que tinha o Gisela João de 2013. Não há amigos longínquos para chamar vindos do fim do mundo. Único há apenas “Sombras do Passado” e uma versão da rapper Capicua para uma “Noite de S. João” portuense. Mas há Amália, muita Amália. Há Argentina Santos, há Beatriz da Conceição. E há sambas feitos fado, como “As Rosas não Falam”, de Cartola. Mas há, sobretudo, ousadia.

Só Gisela João se pode atrever a cantar “O Senhor Extraterrestre” que Carlos Paião escreveu para a diva do fado sem complexos. Sem medo de correr o risco. Despindo-se de preconceitos e mostrando que o fado pode ser moderno. Cantado e dançado numa pista eletrónica. Quebrando tabus.

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