O Governo está a fazer pressão junto do Banco de Portugal e dos investidores interessados no Novo Banco para que estes deixem de exigir uma garantia pública — sobre 2.500 milhões de euros em créditos de valor duvidoso — à qualidade dos ativos do Novo Banco. São as “condicionantes” exigidas pela proposta que o Banco de Portugal decidiu escolher como a favorita, do fundo de private equity Lone Star. Mas, entre as fontes financeiras ouvidas pelo Observador, poucos acreditam que será possível levar estes investidores a abdicar dessa condição essencial e, assim, viabilizar a venda.
Por outro lado, segundo escreveu o Público nesta quinta-feira, Governo e Presidente da República admitem o fracasso da venda e consideram uma nacionalização, ou algo que possa comparar-se a isso, um cenário de “última linha”. Num país e num setor habituados a que os cenários de “última linha” se concretizem, especialistas estão cada vez mais convencidos de que “vem aí uma nacionalização”, afirmaram dois responsáveis com ligações anteriores ao Banco de Portugal.
Em alternativa, caso tudo falhe, existe um prazo até agosto de 2017 e, como está patente na autorização europeia ao banco de transição e como António Costa, ele próprio, já reconheceu, a alternativa será a liquidação. E, além destes três cenários, pode emergir outro tipo de soluções mistas que tragam uma solução para o Novo Banco e para, nas palavras de um especialista, “tirarmos este macaco das nossas costas”. Já custos, haverá sempre.
Nacionalizar é ficar com (todo) o risco
Ao mesmo tempo que o Banco de Portugal confirmava as notícias que apontavam para a escolha do Lone Star, um fundo pouco conhecido em Portugal que tem pouca tradição na banca a este nível, na SIC Notícias aparecia José Maria Ricciardi, ex-administrador do BES e que teve participação recente neste processo, a dizer que preferia a nacionalização a uma venda a “investidores-abutre” como o Lone Star. Ricciardi deixou a salvaguarda de que não sabe se o Lone Star teria uma conduta de “vender o banco aos bocados” e tentar “extrair retornos enormes”, mas fez questão de sublinhar que “a tradição dos private equity é essa”.
No sentido literal do termo, uma nacionalização obrigaria, em teoria e no mínimo, ao pagamento pelo Estado do mesmo valor que o Lone Star se disponibiliza a pagar pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução (cerca de 600 milhões, segundo a imprensa). “Caso contrário, significaria que se estava a tomar uma decisão desfavorável para o Fundo de Resolução”, afirmou um especialista, explicando que a nacionalização teria de envolver, logo à partida, uma injeção nesses valores. Mas voltando a Ricciardi, este diz que não seria “um custo dramático” e seria possível recuperar, como está a acontecer com alguns bancos ingleses, esse valor e acabar por ter “lucro para o contribuinte” daqui a alguns anos.
O problema é que, como explica Nicolas Véron, especialista em banca e finanças do think tank Bruegel, “não é conhecida a avaliação do supervisor bancário, o BCE, sobre os níveis de capital do Novo Banco”. Ou seja, é possível — senão mesmo provável — que o banco, uma vez nacionalizado, obrigasse a um reforço de capitais substancial na instituição dentro de alguns meses. Se tiver havido uma nacionalização, terá de ser o Estado a fazer essa injeção de capital. Contudo, a vantagem é que as operações saudáveis do Novo Banco — incluindo as operações de crédito empresarial (20% deste mercado) — poderiam continuar ou, como já foi proposto, serem integradas na Caixa Geral de Depósitos, que tem muitos depósitos mas pouco crédito às empresas.
Nacionalização? Bruxelas seria dura: “não seria bonito”
Vítor Bento, que foi o último presidente do Banco Espírito Santo e primeiro presidente do Novo Banco, foi dos primeiros a colocar em cima da mesa a possibilidade de uma nacionalização da instituição agora liderada por António Ramalho, um homem com larga experiência na banca mas, também, em lidar com o setor público. Foi logo em fevereiro do ano passado que Bento disse que valia “a pena estudar o cenário” de manter o Novo Banco na esfera pública e usá-lo num processo de consolidação da banca nacional, “olhada como um todo”.
Na altura, um dos possíveis obstáculos a esta opção, segundo Vítor Bento, era a negociação com Bruxelas. Não seria fácil, mas várias pessoas ouvidas pelo Observador acreditam que o recente processo de recapitalização “preventiva” do italiano Monte Paschi dei Siena pode ajudar a criar alguma margem de manobra negocial para o Governo, sobretudo se António Costa tentar negociar uma solução mista que afaste, pelo menos, o fantasma do encerramento ordeiro (o orderly winding down por vezes traduzido por liquidação) que chegou a ser admitida pelo governo, em documento oficial, caso não fosse possível vender o banco até agosto de 2017 — o prazo dado pela Direção-Geral da Concorrência europeia.
O Lone Star exige garantias por alguma razão, estão há seis meses a estudar o balanço do Novo Banco. Toda a gente reconhece que o banco tem um volume de imparidades reais que não estão reconhecidas, não tem capital suficiente, e os potenciais compradores estão a considerar que os ativos não valem aquilo que se estão contabilizados. Se estão a oferecer menos é porque reconhecem que o ativo não vale tanto quanto se diz”, disse um especialista, que preferiu não ser citado, ao Observador.
Nicolas Véron, especialista do Bruegel, está a ver a situação de fora e continua a acreditar que o “cenário-base” será a venda da instituição — apesar de as negociações poderem não ser fáceis, “raramente são”. Essa é hipótese mais provável, para o especialista, porque uma nacionalização poderia revelar-se muito difícil de negociar com as autoridades europeias da concorrência, a DGComp. “Não é fácil de imaginar o que é que persuadiria a DGComp a rever as condições exigidas ao governo a troco da ajuda de Estado em curso”, afirma Véron, e em troca de nacionalizar “Bruxelas poderia exigir uma reestruturação operacional tão dura que poderia assemelhar-se a uma liquidação. Não seria bonito“.
Liquidação. “Se quisermos voltar a ser cobaias…”
A liquidação do Novo Banco continua a parecer o cenário mais temido por todos — “Portugal já tem sido cobaia em tanta coisa. Se quisermos ser cobaias de mais uma, esse seria o caminho”, explicou um especialista, que prefere não ser citado, acrescentando que não viu “nenhum banco desta dimensão na Europa a entrar por esse caminho da liquidação”, ou do “encerramento ordeiro”, como seria mais rigoroso traduzir.
Uma liquidação implicaria, provavelmente, a transferência de depósitos para outras instituições e a nomeação de uma comissão liquidatária para gerir o encerramento da instituição. Dada a importância do BES/Novo Banco para as empresas, poderia ser um forte revés para a capacidade de financiamento da economia e, numa primeira fase, poderia haver uma retração brusca. Além disso, numa liquidação o banco iria despejar no mercado muitos ativos (imobiliário, por exemplo) que poderia fazer cair o seu valor e o valor de ativos comparáveis noutros bancos. No reverso da moeda, os outros bancos poderiam ir buscar o mercado desafetado ao Novo Banco.
Esta venda não é uma oportunidade, não há comprador. Aquilo não é comprador. Aquilo é: passem para cá 2 mil milhões que eu fico com isto. Depois extrai-se dali o valor que se puder e daqui a 5 anos podemos estar, novamente, na mesma”, afirmou um especialista, outrora ligado ao Banco de Portugal.
É para evitar este cenário que o Governo está a tentar um “Plano B” –– alternativo à venda — que garanta que, não existindo a venda de 100% dos ativos do banco, não exista a liquidação. Estas são as únicas duas hipóteses admitidas na autorização europeia à ajuda de Estado atual.
Mas numa visão mais alargada, indo além do caso específico do Novo Banco, as regras europeias admitem uma nacionalização temporária, mas as regras obrigam à aplicação de perdas aos credores e, se necessário, aos depositantes com mais de 100 mil euros. Sobretudo tratando-se de uma instituição que está há mais de dois anos na esfera do Estado (o Fundo de Resolução não deixa de ser uma entidade pública, e houve um empréstimo público de 3.900 milhões), a negociação poderia ser difícil. Mas caso fosse possível a nacionalização, as regras admitem que a venda ocorra só quando as “condições comerciais e financeiras o permitam”, sem prazos. Como se está a ver no Reino Unido, onde os bancos nacionalizados em 2008 ainda não recompraram a totalidade das posições do Estado, esta é uma formulação que permite alguma margem de interpretação.
Com o precedente que agora foi aberto em Itália, há imensa margem de manobra para poder negociar com Bruxelas. O grande problema numa nacionalização é que passado uns tempos o BCE vem dizer: ‘Capitalizem com não sei quantos mil milhões'”, disse um especialista ouvido pelo Observador.
Mercado não acredita que a venda terá sucesso
Há títulos de dívida do Novo Banco a pagar em 2019 que estão a ser negociados, no mercado, a pouco mais de 60% do seu valor. Isto é um forte indicador de que os investidores não acreditam que estes títulos sejam reembolsados na íntegra. O mercado está receoso de que a venda não se concretize e os investidores reagem a sugestões — como a de Ricciardi mas, também, de várias outras pessoas — de que o banco deve ser nacionalizado. E, como Ricciardi sugeriu, a nacionalização poderia implicar pedir a credores do banco que assumissem perdas (em rigor, aceitassem a substituição dos títulos de dívida por ações).
A leitura dos investidores, portanto, é a de que a venda é pouco provável. Apesar dos esforços do Banco de Portugal e do consultor Sérgio Monteiro, uma compra em que chegaram a estar interessados uma vintena de entidades viu o conjunto de investidores potenciais reduzir-se a um grupo chinês que não entregou as garantias bancárias e dois private equity norte-americanos.
O Estado está a negociar numa posição fraca, sobretudo depois do fracasso da primeira tentativa de venda em agosto de 2015. A prova disso é que só tem especuladores financeiros a tentar comprar o banco. Não são entidades que vivem de gerir bancos, normalmente tentam retalhar as operações e obter retornos muitos elevados — do género 30% em três anos — com o desmantelamento das operações”, afirmou uma fonte ligada ao setor financeiro ouvida pelo Observador.
É por isso que, para uma das fontes ouvidas pelo Observador, o ideal para o Novo Banco era nem a nacionalização, nem a venda aos fundos nem a liquidação. “O ideal era convencer os quatro ou cinco principais banqueiros em Portugal, sentá-los numa sala e persuadi-los a chegar a um acordo sobre o que fazer com uma instituição a cujo destino já estão irremediavelmente ligados, nomeadamente porque são os bancos que compõem o Fundo de Resolução, e fazer com que cada um ficasse com uma parte“.