Longe vão os tempos em que, como acontecia na década de 80, os jogadores estavam sempre à disposição para falar com os jornalistas, muitas vezes quando saíam do balneário e iam a caminho dos seus carros. Era tudo aberto, dos treinos às relações pessoais. Tinha coisas boas, às vezes também corria mal. Mas era isto, bem diferente do que se assiste agora em Portugal e um pouco por toda a Europa. Deixemos a parte comunicacional de parte, vamos apenas colocar o foco nas sessões de trabalho: hoje, só muito raramente são abertas a não ser nestes estágios de pré-época no estrangeiro, onde pelo menos os primeiros 15/30 minutos contam com a comunicação social.

No caso do Sporting, e depois do treino aberto no domingo para emigrante ver, ontem houve mais sessões de trabalho e a possibilidade de perceber que Jorge Jesus preparava um plano C para o Sporting desta temporada: começou com o habitual 4x4x2, passou depois para o 3x4x3, estuda agora um 4x2x3x1. E foi isso mesmo que desenhou para mostrar aos jogadores antes do apronto que antecedeu este encontro com o Marselha, colocando junto ao peito e no chão um quadro do retângulo de jogo com as peças assim posicionadas.

Desde que chegou ao Sporting que costuma ser assim: entre as muitas alterações que Jesus foi promovendo na estrutura do futebol e na Academia, nas infraestruturas mas também nos hábitos, um desses novos costumes foi reunir todos os atletas ainda antes da corrida e do trabalho com bola numa espécie de ‘caixa’ criada na ponta mais oposta do campo de treinos para, num carrinho com o quadro que tem desenhado um campo de futebol, dar lições de futebol. É nesse encontro diário que explica o que quer do treino, o que quer de cada jogador (até por posição), o que quer em termos táticos.

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Futebol. “Não é uma cartilha coletiva, é a ideia que tenho”, explica Jesus sobre o treino

O sistema de jogo não é um número de telefone, é o princípio de tudo. E porque é que isto é tão importante? Porque os jogadores, com a evolução do futebol, vão ter de saber vários sistemas. As equipas vão mudar várias vezes de sistema durante o jogo. O futebol vai ser como o andebol ou o basquetebol e, por isso, a cultura tática dos jogadores vai ter de ser ainda maior. O futuro vai ser isto, mas eu já o faço”, explicou o treinador num congresso realizado em Alvalade em abril. “O treinador é um criador, deve dar uma filosofia à equipa, ideias à equipa, criar métodos de treino, ter um objetivos de treino e a ciência no treino, que também ajuda e contribui para as ideias da equipa: o sistema de jogo, o modelo de jogo e o modelo de jogador. É a ideia que eu tenho”, completou.

O problema que se repetiu, a novidade que não resultou

Ficha de jogo

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Marselha-Sporting, 2-1

Jogo particular

Stade Camille-Fournier, em Évian-les-Bains (França)

Sporting: Pedro Silva; Piccini, Coates (Tobias Figueirdo, 55′), Mathieu, Fábio Coentrão (Jonathan Silva, 46′); Petrovic (Mattheus Oliveira, 46′), Battaglia; Bruno Fernandes (Palhinha, 69′), Bruno César (Matheus Pereira, 46′), Alan Ruíz (Podence, 46′) e Bas Dost (Doumbia, 55′)

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Clinton N’Jie (2′ e 52′) e Doumbia (70′)

Ação disciplinar: nada a registar

Fazemos esta introdução para abordar este quarto jogo do Sporting em nove dias de estágio na Suíça, que terminou esta terça-feira. Lembra-se daquele esquema que foi trabalhado no treino, o tal plano C do 4x2x3x1?

Foi assim que os leões começaram por defrontar o Marselha, com a nuance de Battaglia estar à frente de Petrovic com bola e ao lado do médio em situação defensiva. Alan Ruíz foi ajudando na zona do corredor central, vestindo mais vezes a pele de terceiro médio ofensivo do que propriamente segundo avançado, ao lado de Dost.

Mas o conjunto verde e branco começou praticamente a perder, com um golo de Clinton N’Jie logo aos dois minutos, lançado em profundidade na frente. O maior problema contra o Valencia, as transições defensivas, voltou a notar-se com os franceses que, pouco depois, viram Pedro Silva negar com uma grande defesa o golo a Sari.

O Marselha foi sempre mais equipa durante os primeiros 45 minutos, mas o jogo foi fraco, com poucos remates e oportunidades nulas. A colocação de Bruno Fernandes na ala direita não funcionou nem acrescentou nada à equipa, que perdeu a referência capaz de ligar setores pelo corredor central. Bas Dost raramente tocou na bola, Alan Ruíz teve pouco jogo com e sem posse. E Mandanda não foi obrigado a uma única intervenção que fizesse perigar a sua baliza.

Jesus começou a fazer algumas alterações ao intervalo, mas foram os gauleses, mais uma vez no reatamento da partida, a dilatarem o marcador por N’Jie, desta vez a encostar ao segundo poste um cruzamento da esquerda. Os leões não melhoraram muito, mas com Bruno Fernandes ao meio a coisa sempre foi diferente, que mais não seja pela capacidade que tem de arriscar a meia-distância quando o jogo está mais congestionado.

Com Podence e Matheus Pereira a mexerem de novo no encontro pelas alas ou via corredor central, o Sporting ainda tentou melhor sorte mas o máximo que conseguiu foi mesmo reduzir a desvantagem para o 2-1 final, através de um penálti cometido por Rami sobre Podence que Doumbia conseguiu converter aos 70 minutos. Agora, no próximo jogo, sábado com o Mónaco, já haverá Rui Patrício, Beto, Adrien, Gelson Martins e William. Ou seja, a conversa já vai ser outra. O que, em relação ao último nome, abre mais temas de reflexão.

Mais um lateral? Mais um central? Atenção: tudo gira à volta de William

Acuña já treina há dois dias com o Sporting mas ainda não foi apresentado nem foi utilizado frente ao Marselha. Quando essa contratação for consumada, do meio-campo para a frente só existirão dispensas e não contratações. Mas isso não quer dizer que o plantel esteja fechado e fala-se na possibilidade de contratar mais um lateral direito, para ser opção a Piccini, e mais um central. Fixemo-nos nesta última ideia: é aqui que reside o grande dilema (em forma de três) de Jorge Jesus para a próxima temporada. E tudo por causa de William.

Hipótese 1) Vamos assumir que o médio fica em Alvalade, será mesmo necessário mais um central? Visto de fora, e partindo do pressuposto que a principal aposta irá recair no 4x4x2, não. Tendo Sebastián Coates, Mathieu, André Pinto (um desejo pessoal do técnico) e Tobias Figueiredo, além de um jovem que promete evoluir para patamares de nível A a breve prazo (o turco Demiral, que foi campeão de juniores além de ter alinhado na formação B), não fará grande sentido sobrecarregar a posição com mais um elemento que terá raras oportunidades;

Hipótese 2) Vamos admitir que o médio possa sair, será mesmo necessário mais um central? Só se Jorge Jesus verificar que a melhor maneira de reorganizar a equipa com os jogadores que ficam é mesmo apostar e rotinar um 3x4x3. Porque, de resto, quatro centrais para duas vagas tendo uma equipa B como suporte é suficiente caso continue a imperar de forma regular, como é expectável, o já enraizado 4x4x2 (ou 4x2x3x1, para aqui é igual);

Hipótese 3) Vamos pensar que o médio sai de certeza, será mesmo necessário mais um central? Aqui dizemos de forma mais convicta: não. Porque na maioria dos jogos da Primeira Liga, o Sporting vai ter mais bola, mais posse, mais domínio, mais ações ofensivas. Se os leões jogassem com três defesas, percebia-se; como os testes têm apontado para três centrais, nem por isso (e este parece um pormenor mas tem grande importância). Assim, das duas uma: ou a SAD verde e branca aposta num ‘6’ para substituir William ou Jorge Jesus terá de mexer nas peças a nível de modelo de jogo porque nem Petrovic, nem Palhinha, nem Battaglia têm características para fazerem boas saídas na primeira fase de construção, o que obriga quem joga a ‘8’ a afundar mais no terreno para agarrar no jogo.

Tudo isto é aplicável à luz da teoria de Jorge Jesus em torno da evolução tática que o futebol está a sofrer nos últimos anos. Exemplo: a equipa começa em 4x4x2, joga em casa com um adversário mais modesto e quer arriscar aos 65 minutos, passando a jogar em 3x4x3 com mais um elemento na frente. O mais provável é que, olhando para aquelas que têm sido as principais opções do técnico, Piccini faça o três recuado à direita, com Coates ao meio e Mathieu à esquerda, ficando Coentrão e até Gelson a fazerem os corredores. Ou seja, não entra um central.

Nos melhores anos do Benfica, e por mais fantasistas que fossem as frentes atacantes, era o eixo guarda-redes-centrais-‘6’ que assegurava os títulos. Como aquela velha história que vem da NBA, onde se diz que o ataque ganha jogos mas a defesa ganha Campeonatos. Esse está a ser o problema de Jesus: consolidar os processos defensivos. E também aqui a permanência ou não de William pode ter influência.

O estágio de nove dias do Sporting na Suíça chegou ao final. Mas ainda falta definir o princípio de tudo.