Os sorrisos (poucos) são nervosos. A palavra incómodo contém pouco significado para o sentimento dos deputados socialistas. É talvez um “embaraço”, como lhe chamou Vera Jardim, ou um “choque” como admitiu o próprio António Costa, quando ainda só se sabia da detenção para interrogatório. A prisão preventiva de José Sócrates é um ativo (muito) tóxico que o recém eleito líder socialista quer separar do novo corpo do PS, mas o sentimento mexe na política. E se a teoria da cabala foi proibida por ordens do Rato, o que mais se tem visto nos socialistas é a suspeição de que a justiça meteu o dedo na política e tem pés de barro.
Não o disse com todas as letras, mas o significado está lá. João Galamba, que chegou ao partido na era de Sócrates primeiro-ministro, insistiu na necessidade de “garantir que a separação entre justiça e política não é uma frase feita, é uma prática”. E que a prisão preventiva de José Sócrates é isso mesmo, uma “questão de um processo judicial e é lá que deve manter-se”.
Mas as fronteiras já foram ultrapassadas e a teoria de que a prisão do ex-primeiro-ministro é “injusta e injustificada” – como disse o advogado João Araújo – foi repetida pelo deputado João Soares. O filho de Mário Soares diz querer “acreditar” na injustiça da prisão e dá voz a outro argumento usado por estes dias por quem defende José Sócrates: o modo como foi detido e a atuação da justiça.
“Uma pessoa que foi primeiro-ministro não pode ser presa naquelas circunstâncias a não ser que seja um crime de sangue e em flagrante delito. Com o conhecimento de duas câmaras de televisão e com dois órgãos de comunicação a saber, quando estava a entrar no país e não a sair”, dando a entender que a prisão preventiva não é justificada por não haver perigo de fuga, segundo João Soares. Mas ao defender José Sócrates, acaba por escorregar nas palavras e diz que não havia perigo de fuga até porque “[José Sócrates] sabia que podia passar por uma situação destas”. Nos últimos dias, várias notícias deram conta que o ex-primeiro-ministro teria sido avisado de que ia ser detido quando regressasse a Portugal (estava em Paris) e que por isso tinha adiado o embarque por duas vezes. Notícias essas que não foram confirmadas.
Na estratégia de defesa do PS, vivida nos corredores da Assembleia da República, no dia em que por coincidência devia ser de ataque, uma vez que lá dentro, no plenário, se votava o Orçamento do Estado, havia ainda lugar para evitar a substância do caso. Ninguém falou, nem sequer disse os nomes dos crimes de que o ex-primeiro-ministro está indiciado: corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Não falam da substância do caso. A justificação para o assunto é que o caso está em segredo de justiça e que os jornais o violaram. Falam da justiça e da necessidade de justificações. Gabriela Canavilhas, atual deputada e ex-ministra da Cultura do último Governo de Sócrates, exigiu preto no branco conhecer os fundamentos que levaram à decisão de manter o ex-chefe de Governo atrás das grades em Évora.
“Seria interessante saber qual é a fundamentação da medida de coação, é isto que nos incomoda, gostávamos de compreender a razão desta medida máxima”, disse.
Mais coração
“Sou amigo de José Sócrates” foi talvez a expressão mais usada nos comentários deixados por socialistas, e o tempo, a pedido de António Costa, foi o de separar o sentimento da ação politica.
E foi isso que disse Eduardo Ferro Rodrigues, numa declaração sem direito a perguntas. O líder da bancada parlamentar do PS recordou que “António Costa pediu que se distinguissem os sentimentos normais de amizade pessoal que existem com o engenheiro José Sócrates da necessidade de o PS continuar a desenvolver as suas políticas de oposição e de alternativa a este Governo”.
Mas o sentimento sobrevive. “Do ponto de vista pessoal, em termos afetuosos, quero enviar um abraço à família de José Sócrates e, nomeadamente, aos seus dois filhos”, afirmou. O mesmo disse João Galamba, que insistiu que este “momento difícil tem de se viver como uma questão pessoal”. E Gabriela Canavilhas que elogiou o ex-primeiro-ministro: “Eu aprendi a conhecer um homem lutador, que pensava no país em primeiro lugar e é essa esperança que eu mantenho relativamente ao desfecho deste processo”, disse.
O PS tem congresso este fim de semana e tudo o que se esperava que fosse o conclave, um momento de entronização de António Costa, ficou ofuscado pelo novo tabu. E se os socialistas dizem que a prisão de Sócrates nada tem a ver com a alternativa de Governo que querem definir a partir de sábado, a intoxicação aconteceu. Quem admite as dificuldades é Vitalino Canas. O deputado disse que “será seguramente um congresso afetado, mas virado para o país”. Para logo depois concluir que “o PS tem um programa e uma missão, que se mantém intocada em relação ao próximo ano. O secretário-geral do PS, António Costa, tem o seu trajeto político e esse trajeto político nunca dependeu de ninguém em particular”.