O presidente do Governo Regional da Madeira despediu-se esta semana com a inauguração de um caminho agrícola onde houve festa, foguetes e espetada (prato regional) à boa maneira de antigamente. Alberto João, como diz o povo, celebrou, assim, o fim do jardinismo 40 anos depois de ter tomado as rédeas do PPD, em 1974.
O legado do senhor da ilha pauta-se por um grande investimento nas acessibilidades internas, financiado sobretudo por dinheiros comunitários, e por uma fatura superior a 7,5 mil milhões de euros, um caderno de encargos espartilhado pelo Plano de Resgate, fruto de um endividamento excessivo, assinado em 2012 com o governo de Passos Coelho, uma taxa de desemprego a atingir os 13%, um tecido empresarial fragilizado cada vez mais sustentado na monoindústria do turismo, preços ao consumidor superiores à média nacional devido aos custos de produção, distribuição e transporte mais elevados, problemas gravosos na área social de natureza estruturante e um contencioso com o governo da República – Jardim e Passos Coelho nunca se entenderam – ao ponto de os quatro deputados do PSD/Madeira terem votado contra o Orçamento do Estado 2015.
O ciclo das obras públicas, sustentáculo de um modelo de governação, há muito que terminou apesar de manter, no orçamento regional para 2015, alguns “elefantes brancos”, caso da recente injeção de mais 600 mil euros na Marina do Lugar de Baixo que nunca funcionou e que já soma mais de 100 milhões de euros enterrados, estando provado pelo Tribunal de Contas que o governo regional da Madeira pagou despesas de funcionamento com verbas concedidas para financiar a reconstrução na sequência do temporal de 20 de fevereiro de 2010.
Em quatro décadas de sessão contínua, Jardim foi dono e senhor do arquipélago (Madeira e Porto Santo), governou com largas maiorias absolutas e uma mão de ferro que espartilhou o partido feito à sua medida. A própria sociedade civil e empresarial foi afetada por este registo centralizador do domínio de um homem só que secou tudo à sua volta, ou seja, qualquer alternativa interna e externa.
Hoje a região vive um tempo histórico com seis candidaturas a disputarem esta sexta-feira a sucessão do eterno líder. A segunda volta está marcada para 29 de dezembro. Dificilmente haverá um candidato que ganhe as diretas à primeira volta e tudo leva a crer que a disputa se fará entre Miguel Albuquerque, ex-presidente da Câmara do Funchal, e Manuel António Correia, secretário regional do Ambiente e dos Recursos Naturais.
Contabilizados 7.200 militantes com quotas em dia, o XIV Congresso está agendado para 10 e 11 de janeiro. Alberto João Jardim garantiu que irá apresentar a sua demissão ao Representante da República no dia seguinte. O CDS/PP já admitiu que caso este não cumpra a promessa apresenta em janeiro uma moção de censura.
Com um grupo parlamentar completamento dividido, o Governo corre o risco de cair. Guilherme Silva, deputado do PSD/M na AR, explicou recentemente que tudo vai depender de quem ganhar as eleições, considerando “normal” que Jardim coloque o lugar à disposição. Cabe ao Representante da República, Ireneu Barreto, consultar o partido da maioria no sentido de encontrar uma solução que aguente o governo até outubro (eleições legislativas regionais) com Jardim a terminar o mandato, um cenário que só se coloca se for João Cunha e Silva, atual vice-presidente do governo, o vencedor das diretas. Todos os outros candidatos defendem eleições antecipadas. Jaime Ramos, líder do grupo parlamentar do PSD/M, não entra nestas contas dado o pouco peso na disputa.
Miguel Albuquerque, Miguel de Sousa, Sérgio Marques, Manuel António Correia já defenderam publicamente a necessidade de avançar para eleições que, a acontecer, exigem a dissolução do parlamento regional por parte do Presidente da República prevendo-se que as mesmas possam aconteçar em meados de março, princípios de abril.
Ao fim de 36 anos como presidente do Governo (Jardim foi eleito em 1976 optando por ocupar o cargo de líder do grupo parlamentar e só assumindo o poder em 1978 após uma remodelação) Jardim deixa um PSD/M completamente partido. O ciclo acabou, o jardinismo passou à história, isto por que são os próprios militantes social-democratas que, neste momento, atacam as políticas dos últimos anos. Já em 2012, nas últimas eleições diretas, por pouco Jardim não perdeu a liderança do PSD/M para Miguel Albuquerque com quem mantém um “ódio pessoal”. Aliás, a vitória de Albuquerque nas diretas no próximo dia 19 ou 29 (1ª e 2º voltas) seria o “pior” que poderia acontecer a Jardim. E a promessa feita pelo líder de 40 anos no início da campanha para a sucessão caiu pela base. Na altura, Jardim garantiu:
“Vou estar fora disso (eleições internas) completamente, os senhores podem ter isso garantido. Apenas tenho o plano para dotar a região de um novo presidente, apoiado na maioria parlamentar que temos, a partir do início de janeiro de 2015, até para a opinião pública ver como governa o novo líder”, disse vezes sem conta aos jornalistas. Nada disto se cumpriu.
Num dos conselhos regionais, o partido considerou “prioritário o PSD/Madeira readquirir a posição hegemónica”, assente na “unidade e na disciplina democrática interna, eliminando-se os focos de divisionismo e de exibicionismo que são inspirados por interesses que não os dos autonomistas sociais-democratas”. Neste âmbito, Jardim tem feito um ataque cerrado à candidatura de Albuquerque, nomeadamente nas páginas do Jornal da Madeira (órgão detido e pago pelo Governo Regional) mantendo uma certa contenção relativamente aos restantes candidatos.
A luta promete. Mas nada ficará como antes.
Guilherme Silva admitiu que “o grande problema [do PSD/M] é saber escolher o sucessor de Alberto João Jardim que tenha um apoio da população” tendo em vista as regionais de 2015 e que possa comprometer o ciclo de vitórias. Por outro lado, advogou que Jardim, caso se concretize o cenário de eleições antecipadas, possa ocupar o lugar de deputado em São Bento, o que seria uma “animação” e não escondeu que gostaria de vê-lo como candidato a Presidente da República.
Os partidos da oposição, por seu lado, não se entendem, apesar de o PSD/M ter vindo a perder eleitorado, nomeadamente sete das 11 câmaras municipais nas últimas autárquicas.
O CDS/PP de José Manuel Rodrigues propôs ao PS de Victor Freitas um acordo de coligação para disputar as regionais do próximo ano, lançado como candidato a presidente do Governo uma figura que não estivesse conotada com nenhum dos partidos, ou seja, nem o líder do PS, nem o líder do CDS seriam os candidatos. Victor Freitas recusou e prefere uma coligação com figurino copiado à Câmara do Funchal (coligação do PS com mais cinco pequenos partidos) mantendo-se como candidato à Quinta Vigia. Perante esta posição, o CDS ficou livre para juntar-se ao PSD/M caso o mesmo perca a maioria absoluta nas urnas.
As ilhas, vistas pela oposição PS e CDS
“A herança do dr. Jardim é um rol da casa dos horrores”. Esta é a leitura do líder do grupo parlamentar do PS, Carlos Pereira, em declarações ao Observador. O economista, autor de um estudo sobre a economia regional, considera que o governo de 40 anos do PSD-M acaba com um “rasto negro que mancha indelevelmente o mito da boa governação e demonstra que o jardinismo caminhava nu”:
“Em cima das costas dos contribuintes da Madeira, para além de 7,5 mil milhões de euros de responsabilidades financeiras para pagar. Perdemos competitividade à custa do maior choque fiscal da história contemporânea da Madeira. Os madeirenses pagam mais impostos que a maioria dos portugueses numa clara violação da constituição que assegura o mecanismo fiscal como instrumento capaz de minimizar os entraves à ultraperiferia”.
Por outro lado, a receita de IRS é hoje “igual à totalidade das receitas da hotelaria (350 milhões) e a do IVA é 100 milhões superior” sendo que cada madeirense paga atualmente, em média, 3.384 euros de impostos enquanto um açoriano paga 2.457, cerca de 926 euros a menos que um madeirense.
As receitas fiscais desde que o Plano de Ajustamento entrou em vigor, cresceram quase 200 milhões de euros, “secando” a economia e “sugando” o poder de compra das famílias. “Mas isto não acontece por acaso”, sublinha Carlos Pereira. A dívida bruta, segundo Maastricht, “ascende a 4,5 mil milhões de euros enquanto a dos Açores é de 1,2 mil milhões”.
O serviço da dívida em 2015 atinge 280 milhões de euros, quase a totalidade dos custos com os salários da administração regional ou o custo da educação. Em 2014, o montante ascende a 400 milhões em serviço da dívida por causa do esforço com os juros de mora, metade da totalidade das receitas fiscais. Mas no futuro tudo se complica e agrava, segundo o economista.
“Em 2016 começamos a pagar as amortizações do empréstimo à República e em 2017 as amortizações de um empréstimo para consolidar a dívida comercial em dívida financeira de 1,1 milhões de euros, agravando significativamente o serviço da divida. Este peso do serviço da dívida é uma herança maldita para o próximo governo”, referiu.
No que toca ao plano social, a Madeira tem a maior percentagem do país de desemprego jovem (53%) e estrutural e, apesar das alterações à lei do Rendimento de Inserção que levou à exclusão de milhares de beneficiários, o número mesmo assim cresceu significativamente e em 2013 a Madeira apresentava cerca de 8 mil indivíduos registados no sistema, um aumento de mais de 45% face a 2006.
Carlos Pereira critica, ainda, o facto de o porto do Funchal ser “o mais caro da Europa e apesar do efeito brutal na competitividade o jardinismo ter sido incapaz de encontrar uma solução mais favorável”. De acordo com o INE, o PIB regional de 2012 deverá cair mais de 650 milhões de euros com consequências nos pressupostos do Plano de Resgate e no posicionamento relativo da região no país e na Europa.
Com este recálculo, o PIB de 2012 deverá recuar 10 anos e toda a série recuará significativamente, dependendo do peso da Zona Franca.
“Finalmente, o jardinismo deixa ainda uma região com um largo défice de credibilidade governativa. Poucos se esquecem que a Madeira foi confundida como uma ilha de trapaceiros por causa da divida escondida” (1,1 mil milhões de euros, processo arquivado pelo PGR) e da “má fé e irresponsabilidade dos governantes. Recuperar a credibilidade e o bom nome é um desafio para os próximos governantes. Mais uma herança comprometedora”, refere o líder parlamentar socialista.
Para o CDS/PP, “este é o momento final do regime”, “um final triste de um Governo que já não governa e de um Presidente que já não manda. Assiste-se à queda do “Império Laranja” mas não podemos deixar que a Madeira volte atrás”, disse José Manuel Rodrigues, líder dos populares, na intervenção do debate do Plano e Orçamento do passado dia 11.
Rodrigues reconheceu que neste 40 anos “houve coisas boas e de coisas más. Mais estas últimas, mais do que as primeiras. Há quem diga que as pessoas e as coisas têm mais encanto na hora da despedida. Não é o caso deste Governo Regional e deste PSD”, reiterou.
No balanço, Rodrigues considerou que Jardim deixa uma autonomia política “sequestrada em Lisboa devido às irresponsabilidades financeiras; uma dívida superior a 7 mil milhões de euros; orçamentos hipotecados até 2030 pelos negócios ruinosos da Via Expresso e Via Litoral; os impostos mais altos do país, o que está a asfixiar as empresas e as famílias; mais de 22 mil pessoas sem trabalho, uma nova vaga de emigração, tal como nos piores anos da nossa história; 20% da população em situação de pobreza; regressão acentuada do Produto Interno Bruto: e uma sociedade dividida, desencantada e desmotivada. Este é o seu legado dr. Alberto João Jardim”, sublinhou.
Quanto às eleições internas no PSD/M, o presidente do CDS Madeira sublinha o facto de o líder madeirense deixar um partido “em estilhaços” com seis candidatos à liderança do PSD “que não fazem outra coisa, nos últimos tempos, se não distanciar-se e dizer mal” de Jardim “muitas vezes, injustamente (…) porque eles próprios beneficiaram das mordomias do poder e só agora descobriram” que Jardim “levou a Madeira à bancarrota”.
Afinal, sublinhou, “onde estavam estes seis candidatos à liderança do PSD em setembro de 2011, quando já se sabia da dívida monstruosa de 7 mil milhões de euros, da dívida oculta, do pedido de resgate ao Estado e que vinha aí um doloroso Plano de Ajustamento?”, perguntou,
No final, olhou para Jardim e disse: “Sei que o senhor enquanto criador destas criaturas tem mágoas e razões de queixa. Mas só pode queixar-se de si próprio e da sua teimosia em perpetuar-se no poder”. Ou seja, “acabou o tempo de um Governo de metade da Madeira a governar contra a outra metade”.