Quando o tema é professores, “o Governo de António Costa está cada vez mais isolado” e parece ter “dupla personalidade”. É o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, quem o diz, depois dos Açores e da Madeira terem encontrado soluções para as carreiras congeladas. Esta quinta-feira, o governo regional dos Açores anunciou que vai abrir negociações com os docentes no sentido de recuperarem todo o tempo em que as carreiras estiveram congeladas. Na véspera, o Parlamento da Madeira formalizou o acordo que já tinha sido alcançado com os sindicatos: os 9 anos, 4 meses e 2 dias vão ser recuperados ao longo dos próximos sete anos. Falta encontrar uma solução para o continente. E essa solução poderia ser, para Mário Nogueira, muito semelhante à da Madeira: “A questão podia estar resolvida até ao final do ano. Se a solução for igual à da Madeira, a negociação pode ser feita numa única reunião.” Só não será assim, na opinião do líder da Fenprof, se “António Costa fizer birra”.

A Fenprof sempre defendeu para as carreiras congeladas uma solução igual para todo o território nacional, de forma a que nenhum professor fosse discriminado de acordo com a região do país em que vive. Não foi o que aconteceu. A primeira solução a surgir foi a da Madeira e irá entrar em vigor a 1 de janeiro de 2019. Todo o tempo é recuperado, de forma faseada, ao longo de sete anos, representando uma despesa na ordem dos 28 milhões de euros.

As pretensões dos professores, ainda assim, não foram totalmente aceites: queriam recuperar o tempo em quatro anos e com início a 1 de janeiro de 2019 (inicialmente seria apenas em setembro, mas o executivo cedeu). Também não queriam que o diploma fizesse referência a constrangimentos orçamentais, mas essa foi uma batalha perdida.

A segunda solução a ser encontrada é a dos Açores, com uma nuance política importante. Se o executivo da Madeira é liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, nos Açores, o governo regional de Vasco Cordeiro é socialista. A mesma cor política do governo de António Costa que, unilateralmente, e sem conseguir chegar a acordo com os professores, avançou para a recuperação de apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias. A solução está agora em suspenso depois de o Parlamento, na discussão do Orçamento do Estado, ter obrigado o Executivo a reabrir negociações com os docentes.

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Isto é uma dupla personalidade do PS, ou a falta dela”, diz Mário Nogueira.

“Na Madeira, onde o PS é oposição, votou favoravelmente, há dois dias, o decreto legislativo regional. Nos Açores, onde é governo com maioria absoluta, aprovou a contagem integral do tempo congelado. No continente, onde é governo sem maioria e tem contra si os partidos que lhe permitem governar, acha que pode apagar 6,5 anos do tempo de serviço”, defende o líder da Fenprof.

Para os sindicalistas, a proposta dos Açores é mais favorável. Para começar, recupera o tempo congelado em seis anos, menos um do que na Madeira, mas, mais importante para os professores, não faz referências a questões orçamentais. Há outro dado importante: os professores nos Açores já tinham recuperado, há alguns anos, o período congelado entre 2005 e 2007, por isso, exigiam a recuperação de 7 e não 9 anos como os docentes da Madeira e do Continente.

Governo dos Açores vai negociar com professores recuperação total de carreiras

“As negociações ainda não começaram, o que sabemos é apenas aquilo que o presidente do governo regional anunciou no final do fecho do orçamento regional”, explica António Lucas, presidente do Sindicato Democrático dos Professores dos Açores (SDPA).

O que sabem, para já, fazendo fé nas palavras de Vasco Cordeiro — que até há pouco defendia para os Açores a solução que fosse utilizada por António Costa no continente — é que a recuperação será feita a partir de 1 de setembro de 2019, em 6 anos, “mais ou menos 420 dias por ano”, diz António Lucas.

Já fizeram as contas e introduzem outro fator interessante. Em função do número de aposentações, o faseamento poderá ser menor, já que sobra disponibilidade orçamental para recuperar mais dias por ano”, sublinha o sindicalista.

Este movimento é possível, diz, porque quando um professor que exerce nos Açores se aposenta, passa a receber pela Caixa Geral de Aposentações e esses valores saem do Orçamento do Estado e não do regional. Ou seja, passa a haver folga.

“O que foi dito é que a cobrança de impostos na região autónoma é suficiente para garantir as despesas com pessoal. A partir daí, não é feita qualquer referência a constrangimentos orçamentais, portanto a medida não depende disso para poder avançar ao longo dos anos”, sublinha António Lucas.

Parlamento da Madeira aprova recuperação integral do tempo de serviço dos professores

Apesar de satisfeito por o executivo de Vasco Cordeiro “se ter demarcado das trapalhadas do governo PS no continente”, António Lucas diz que os professores vão tentar incluir uma outra alínea no acordo: a contratação de mais 200 professores.

“Tínhamos pedido 400, já entraram para os quadros 200, vamos tentar conseguir o resto”, sublinha, explicando que nos Açores trabalham cerca de 5000 professores, num universo de 38 escolas públicas.

E o continente?

Para o continente, Mário Nogueira deixa uma sugestão para o primeiro-ministro: “O melhor que António Costa tem a fazer é rasgar o decreto-lei.” O líder da Fenprof defende que um professor não pode ser discriminado em relação a outro só por causa da região onde dá aulas, situação que suspeita ser inconstitucional.

“Há muitas transferências de professores entre o continente e as ilhas, até por causa dos concursos, não podemos ter soluções diferentes”, argumenta. Por isso mesmo, sempre defendeu uma solução igual para todo o território. Agora que Açores e Madeira já têm a questão resolvida, diz que a solução poderia ser encontrada rapidamente, terminando a negociação com os docentes ainda antes do final do ano. Bastava que o governo apresentasse uma proposta semelhante à da Madeira.

“Estamos muito dispostos a estar de acordo. Não podia ser uma transposição direta, a questão da disponibilidade orçamental, por exemplo, achamos que não faz sentido. Mas se António Costa não fizesse birra, podíamos resolver tudo este ano, se calhar numa única reunião”, diz Mário Nogueira.

Para já, não há qualquer indicação de quando as negociações com os sindicatos vão ser retomadas e, questionado pelo Observador, o Ministério da Educação não deu qualquer resposta a esta pergunta. O que o primeiro-ministro já assumiu é que o decreto-lei que prevê a recuperação de dois anos das carreiras congeladas irá voltar a Conselho de Ministros, depois de ter tido parecer negativo das assembleias regionais dos Açores e da Madeira.

Embora não seja habitual, pedir este parecer às regiões autónomas não é uma decisão inédita e aconteceu, por exemplo, com o diploma da flexibilidade curricular, uma pasta também do Ministério da Educação.

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