Era altura de sorteio, de estabelecer quem, entre as 16 melhores equipas da Europa, jogaria contra quem nos oitavos de final da Liga dos Campeões. Houve cerimónia, com pompa e circunstância, na sede da UEFA. Rolaram-se as bolas, das que têm um papelinho no interior, e lá se descobriu que portugueses e suíços teriam que colidir num relvado de futebol — o FC Porto ia jogar contra o Basileia. De repente, ao ver que a aventura europeia dos azuis e brancos ia passar pela terceira maior cidade suíça, a cabeça de António Sousa foi logo buscar uma memória.
Uma das grandes, das que ficam para sempre. “É normal. Não só a minha como a de toda a gente”, admite, sem demoras, ao falar do momento em que soube que os dragões iriam jogar no Saint Jacob, estádio plantado no meio de Basileia. “É um nome marcante por ter sido a primeira final com a presença do FC Porto”, sublinha, apressado, sem muito tempo para aguentar o telefonema com o Observador, mas com minutos suficientes para recordar a partida que, há quase 31 anos, colocava o clube na decisão para ver quem retornava a casa com um caneco europeu na bagagem.
Assim que viu o sorteio marcar um encontro com estes suíços, António Sousa recordou logo do que aconteceu a 16 de maio de 1984, na final da Taça das Taças. Lembrou-se “de tudo um pouco”: do golo que marcou na final, da Juventus que estava do outro lado do relvado, de Platini, Boniek, Rossi e Tardelli, ou da equipa de arbitragem que, nesse dia, “esteve claramente tendenciosa”. O antigo médio do FC Porto (entre 1979 e 1984, primeiro, e, depois, de 1986 a 1989) não se esquece de, na jogada do segundo golo da equipa italiana, aos 41’, ver Zbigniew Boniek, o craque checo, a “empurrar claramente o João Pinto” e a “fazer uma falta que só o árbitro não viu”.
Antes já a Juventus marcara o primeiro golo, aos 12’, com um pontapé da canhota de Benjamino Vignola. O empate não demoraria e viria do pé direito de António Sousa, que rematou de primeira a bola vinda de um passe de Jaime Magalhães, à entrada da área. O médio berrou, fechou os punhos e esticou ambos os braços, a celebrar o mais que podia enquanto os restantes dragões o rodeavam — nessa final, todos os titulares do FC Porto eram portugueses. A imagem que tenho é de tudo o que aconteceu dentro das quatro linhas. Foram momentos altos das nossas vidas. Embora frustrados por não termos ganho, ficámos conscientes de que fizemos um grande jogo”, assegura o hoje treinador, de 57 anos.
A projecção do @FC_Basel-FC Porto em números está na Dragões. E o teu palpite? #FCPorto #UCL #FCBFCP #RevistaDragoes pic.twitter.com/KFvvhAcGRJ
— FC Porto (@FCPorto) February 18, 2015
A equipa perdeu, mas, três anos depois, ganharia. António Sousa, pelo meio, passaria duas temporadas no Sporting para retornar ao norte e com o FC Porto vencer a Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 1987, não muito longe dali, em Viena, contra o Bayern de Munique. Entre a derrota e a vitória, poucos nomes mudaram. “A equipa era quase a mesma. Tínhamos o Madjer, mas o bloco manteve-se. Em termos pessoais, a qualidade esteve lá sempre, numa e noutra final. Mas em qualidade de equipa e de jogo, a de 1984 foi das melhores que o FC Porto já teve”, defende o homem que, pela seleção nacional, esteve em 27 jogos e marcou um golo.
Foi a decisão de 1984, contudo, que deu o empurrão para abrir a porta que deixou “a Europa [perceber] que estava a nascer um clube de referência, um FC Porto europeu”. A opinião é de Jorge Nuno Pinto da Costa, homem que, cerca de dois antes antes, chegara à presidência do clube e não mais de lá saiu. “Quando meti no programa eleitoral que queria estar numa final europeia, era impensável ter vencido, depois, sete títulos internacionais”, lembrou, em entrevista ao Jogo, indicado as duas Liga dos Campeões (1987 e 2004), o par de Taças UEFA (2003 e 2011), as duas Taças Intercontinentais (1987 e 2004) e a Super Taça Europeia (1987), entretanto, conquistadas pelo clube.
Tudo começou em Basileia, no estádio onde, esta quarta-feira, ao invés de jogar para agarrar uma taça, o FC Porto jogará antes para tentar subir um degrau na escada que o poderá avançar rumo a outra final. E os jogadores, os atuais, será que têm noção do que a cidade suíça significa? “Claro que a situação foi falada. Naturalmente que isso não passa despercebido ao próprio treinador e ao grupo de trabalho. Isso pode de certa forma servir de motivação extra para os jogadores, em quererem, naquele estádio, procurar uma vitória”, argumentou, esperançado, António Sousa.
A chave para a fechadura da porta das finais europeias foi descoberta há quase 31 anos. Desde aí, do golo de António Sousa e da derrota com uma senhora Juventus, que os dragões a voltaram a abrir por quatro vezes. A equipa de 1984, para o jogador, teve “a sua marca”. Agora, a de 2015 “terá de possuir a sua”. Pelo meio estará Basileia, a cidade, e desta vez, também o Basileia, o clube.