Um camião a atropelar uma equipa de futebol. Violento, claro, mas foi, em sentido figurado, o que aconteceu em Belo Horizonte. O Brasil estava sem a estrela, Neymar, e o capitão, Thiago Silva. Mas é (muito) difícil encontrar explicação para o que aconteceu. Quando o 11.º minuto dobrou a esquina no relvado do Estádio Mineirão, o pesadelo começou a tornar-se real. Foi aí que cada alemão provou ser um mutante e se começou a transformar num camião TIR.

O primeiro foi Thomas Müller. Logo ele, a versão germânica de um goleador, a rematar de primeira a bola vinda de um canto marcado por Toni Kroos. Os brasileiros, sabe-se lá como, esqueceram-se do homem que tinha quatro golos marcados neste Mundial e deixaram-nos fazer o quinto (e o 10.º em Copas do Mundo). Pronto, 1-0, nada demais. Doze minutos depois, aos 23’, o 2-0 trouxe o primeiro pedaço de história.

Um, dois e três passes de primeira deixaram Miroslav Klose, com a bola, mesmo à frente de Júlio César. O alemão remata, o brasileiro defende para a frente e o germânico devolve-lhe o pontapé. Faz-se história com um golo — era o 16.º do avançado em Mundiais (já agora, o oitavo marcado com o pé direito), o tal de que precisava para ultrapassar Ronaldo, o Fenómeno brasileiro. E logo agora, numa meia-final contra o escrete. Que pedação de história. Mesmo. Mas que seria ofuscado por tudo o que se passaria depois.

Porque, no minuto seguinte, a bola de neve transformou-se em avalanche.

Outro golo aparece, na jogada seguinte. Vem do pé direito de Toni Kroos, que, aos 24’, remata a bola vinda de um cruzamento de Philip Lahm, desde a direita. 3-0. Lembram-se do cenário de atropelamentos em cadeia? Pois. O relógio ainda só estava nos 26’ e já pensador do Bayern de Munique voltava a marcar, após recuperar uma bola, tabelar com Sami Khedira na área brasileiro e rematar rasteiro para o 4-0. Três minutos volvidos (29’), os alemães não mexiam na fórmula vencedora — desta vez foi Khedira a pedir a Özil que lhe devolvesse a bola para fazer o 5-0.

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A cada golo que entrava, as gargantas brasileiras no Mineirão iam-se fechando. Ao intervalo, o estádio estava mudo. Impávido. E, sobretudo, em lágrimas. As câmaras filmavam o choro de vários adeptos, enquanto, agora imaginamos nós, milhões de brasileiros perguntavam se a coisa podia piorar. Nunca uma equipa sofrera quatro golos em seis minutos num Mundial. Nunca um jogador marcara dois em tão pouco tempo (dois minutos e 29 segundos). Por esta altura, só em 1939 (há 75 anos, contra a Argentina, no Rio de Janeiro), o Brasil sofrera cinco golos em casa. Que pesadelo (à falta de melhor palavra.

E sim, a coisa piorou mesmo. Quando a segunda parte arrancou, os alemães até pareciam sonolentos. Os cinco golos no bolso até serviam de desculpa. Não para Manuel Neuer. Aos 51’, 53’ e 58 minutos, o guardião agigantou-se para lá dos seus 1,93m e meteu-se no caminho dos remates de Ramires, Paulinho e Oscar para impedir que os brasileiros pudessem resgatar um pedacinho de honra. Nein, nein e nein, respondeu sempre o guarda-redes.

No minuto em que fez a última destas paradas, Andre Schürrle entrava no relvado, para substituir Miroslav Klose. Um pedaço de história entrava por outro — um já estava escrito, outro estava quase. Com 5-0, o encontro estava uma confusão: os brasileiros tratavam o relvado como uma rua e cada jogador andava por onde lhe apetecia. Ideias, nada. E, com Schürrle em campo, os alemães passaram a ter um camião com turbo.

Mas nem precisou de o ligar para fazer o 6-0. Bastou-lhe estacionar na área brasileira, esperar por uma bola cruzada por Philip Lahm e recambiá-la para a baliza. Aqui a história estendia-se mais um pouco — há 94 anos que um jogo de futebol não via a bola fazer seis viagens até às redes brasileiras (desde a derrota por 6-0 contra a Argentina, em 1920), sem que o escrete marcasse um golo.

Calma, tudo ficaria pior ainda. Quando? No momento em que Schürrle ligou o tal turbo. Aí apareceu o 7-0. E que 7-0. Um lançamento lateral à direita acabou em Thomas Müller, que enviou a bola para as suas costas, onde apareceu Schürrle, de rompante, e dominar a bola e a bater-lhe com tanta força que Júlio César nem a terá visto a entrar no ângulo direito da sua baliza. Que tragédia.

No relvado, o que restava dos 11 brasileiros ainda conseguiu, aos 90’, fazer com que Oscar marcasse um golo. Quando a ocasião é de goleada, é costume chamar-lhe ‘golo de honra’. Aqui não. Honra é coisa que esta seleção não conseguiu resgatar. Foi tarde demais. Pouco depois, o último apito do árbitro acabou com tudo. E abriu as comportas às lágrimas. David Luiz derramava-as como nunca. Oscar também. Dante, idem, enquanto Müller e Schweinsteiger, que com ele partilham o Bayern de Munique, o tentavam consolar.

Nas caras germânicas, nada. Umas palmas, uns quantos sorrisos, e pronto. Pode ser do respeito. Pode. Ou então explica-se pelo hábito: os germânicos estão habituados a vencer. Não por tantos, claro, mas o hábito já têm. Uma prova? Com este 7-1 chegam à oitava final de um Mundial. Só que, desta vez, resolveram humilhar o pentacampeão do Mundo pelo caminho. E fazer obras para alargar a avenida de Belo Horizonte a sete faixas.

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