Logo à entrada estava um grande cão refastelado no chão, paciente e indiferente ao nervoso miudinho que inundava a sede de partido do Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Chama-se Timóteo, é o cão de Manuela Gonzaga, e andou em campanha eleitoral nos últimos tempos. A espera foi longa. Madrugada dentro, os dados oficiais ainda não tinham sido anunciados: “Já me estão a dar os parabéns, a dizer que elegemos um”, diz um militante sem saber bem se já é altura de festejar. Não demorou mais dois minutos até que a informação se confirmasse: O PAN elegeu mesmo um deputado pelo círculo eleitoral de Lisboa e junta-se aos cinco partidos que já tinham representação parlamentar. É a primeira vez, mais de 74 mil votos (1,39%) no país todo. Começa a festa.
Primeiro, a descarga de adrenalina: gritos, saltos, abraços e beijos, braços no ar, mais as bandeiras azuis e verdes que bamboleavam no número 81 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa. André Silva tardava em aparecer, mas aos apoiantes não faltou a voz até que o líder do partido irrompesse na pequena sala: “André! André! André”. A explosão de alegria chegava em português e em galego: “Este é o momento, o PAN no Parlamento!, ouvia-se repetidas vezes.
André Silva aparece de calças de ganga e camisa branca já amarrotada por fora das calças, e não destoava dos restantes militantes, também com roupas informais. A noite estava a ser longa, mas o novo ocupante de uma das cadeiras da Assembleia da República não perdia o fôlego e exteriorizava a alegria com os restantes militantes. Começa depois o discurso. O fundo da sala servia de púlpito, à sua frente várias cadeiras vazias porque não havia quem conseguisse travar a energia e ficar parado. Começa Silva: “Este é um momento histórico para a democracia portuguesa, há quase 20 anos que um novo partido não entrava na Assembleia da República. Conseguimos um crescimento próximo dos 30% em relação às últimas eleições legislativas, o que catapulta o PAN como um verdadeiro partido de nível nacional”.
Voltam os gritos e as palavras de ordem e o cão Timóteo, paciente e molengão, vai para a rua. As palavras de André Silva eram dirigidas ao animais e à natureza, e à “urgência” de lhes dar acolhimento legal. Ganhar um lugar na AR no Dia dos Animais e da Natureza terá um sabor ainda mais apetitoso. O discurso de André Silva era frequentemente interrompido pela vozes eufóricas de quem o ouvia: “Viva o PAN! Viva!”
Ele ria-se, esperava, pedia para continuar quando as vozes já estavam em perda: “Os resultados desta noite vêm reforçar aquilo que apelamos durante a campanha. Conseguimos alcançar mudanças positivas, só precisamos de ter iniciativa e confiança, este é ainda um grande passo para a mudança de paradigma a vários níveis que queremos trazer aos portugueses. Não estamos sós neste mundo, o ser humano não é a medida de todas as coisas”. Pouco depois, ouve-se a rolha do champanhe a saltar. Muitos agarravam em copos para distribuir a quem estava na sala. Havia também quem bebesse por uma das garrafas, cabeça para trás e um golo apressado, como o gesto mais natural e calmo no meio da celebração.
“Hoje, se for preciso, faço direta”, diz uma rapariga. “Amanhã, se for preciso, não trabalho”, atira a outra interlocutora. Ao lado de André Silva chega uma terceira. É Manuela Gonzaga, ex-jornalista e historiadora que vai entrar na corrida para Belém com o apoio do PAN: “Quero ir almoçar aquele restaurante de sete estrelas. Comida vegana lá na assembleia, quero lá ir”, diz bem-disposta. A esperança não larga a sala noite dentro. No lado oposto, ouve-se: “Passámos, isto agora é sempre a crescer!” André Silva responde, já mais cansado, como se a adrenalina lhe estivesse a largar o corpo: “É um momento histórico, é verdade”. Ainda há tempo para fotografias e piadas, até se juntarem todos numa roda para o brinde: “À mudança! A acreditar.” Esperançados e felizes, começam a dispersar. Neste momento, é altura de repor energias para gastar nos próximos quatro anos. Também Timóteo, que finalmente solta um latido para a despedida.
A Estrada da Luz vestiu-se de negro
Mas, como se esperava, a alegria não chegou a todos. Ao início da noite, logo após fecharem as urnas, a chuva não terá ajudado a grandes mobilizações. Na sede do Partido Democrático Republicano (PDR) não estavam muitos militantes, apesar do rumor de que elegeriam dois deputados. Havia jornalistas e cerca de duas dezenas de pessoas que, com a demora do líder do partido a chegar à Estrada da Luz, foram batendo em retirada, uma a uma. Enquanto António Marinho e Pinto não aparecia, era o Coronel Sousa e Castro, capitão de Abril, que fazia as honras.
Os poucos apoiantes que lá se encontravam vagueavam pela sala vazia em movimentos circulares e compassados. Ora olhavam para o relógio, ora atiravam conversa fora, até à chegada do advogado. Marinho e Pinto é recebido com muitos aplausos e entra na sala rodeado de gente, para desaparecer logo depois para lá do espaço aberto ao público. Foram mais uns tantos minutos até que regressasse e se dirigisse para o lugar que servia de palanque. Mas uma falha de som volta a adiar mais uns momentos o que Marinho e Pinto se preparava para dizer. Os resultados finais ainda estavam muito longe de chegar, mas a coligação Portugal à Frente já dava sinais de dianteira. Marinho e Pinto falava de uma radicalização da extrema direita e da extrema esquerda, resultados que não “auguravam nada de bom para o país”.
Ao contrário do que já nos habituou, o líder do PDR não estava para grandes discursos. Tão depressa falou, como rapidamente saiu do “palco” para andar dentro e fora da sala e responder às televisões.
No fim, as projeções não se confirmam e o Partido Democrático Republicano não chega a eleger nenhum deputado: cerca de 60 mil votos (1,14%). Marinho e Pinto assume a derrota e quer passar rapidamente ao próximo passo: começar a preparar as autárquicas.
Fecha-se o pano no Maria Matos
Das Laranjeiras, partimos para o centro da cidade. O partido de Rui Tavares, Daniel Oliveira e Ana Drago, escolheu o Maria Matos para o encontro. O café do teatro estava atafulhado de gente e, com o calor que se sentia na sala, a varanda também se enchia de pessoas, apesar do mau tempo.
No início, a esperança ainda rondava o espaço. Alguns entusiasmados com as declarações de Catarina Martins que, no São Jorge, já tinha feito saber que iria pedir a Costa para não deixar que Passos Coelho governasse. Outros descansados, sentados à volta das mesas a comer e a beber, à espera que uma boa notícia se confirmasse. Afinal, as projeções apontavam para a eleição de algum deputado.
Daniel Oliveira estava sentado num sofá com os olhos presos no computador. Numa mesa ao lado, as expressões apreensivas e perdidas, analisavam números. O Maria Matos começava a perder força. Ninguém esperava que o Livre / Tempo de Avançar não elegesse nenhum deputado. É por esta altura que António Costa começa a falar ao país e que todos se levantam para ouvir o líder do PS. Logo depois, é a vez de Rui Tavares e de Daniel Oliveira, desta vez ao vivo: atravessam o café até ao fundo, acompanhados por aplausos e ovações. “Camaradas, nós não atingimos os resultados que queríamos atingir e isso significa evidentemente, do ponto de vista político, uma derrota”, começa a falar Rui Tavares.
Todos o ouviam com atenção. Desolados, mas sem despregar os olhos do ex-eurodeputado independente, eleito pelo Bloco de Esquerda, que tenta trazer algum entusiasmo aos apoiantes: “À esquerda há também sempre uma vontade de mudança e uma vontade de participação que é grande, devemos refletir, devemos trabalhar em conjunto, devemos esforçar-nos para que essa vontade de mudança se materialize e que seja efectiva em Portugal e na Europa e no futuro”, diz Tavares que depois remata: “Como se diz na esquerda, a luta continua e nós continuamos nela.”
O barulho volta ao Maria Matos, Rui Tavares e Daniel Oliveira são novamente aplaudidos à medida que atravessam a sala, mesmo que o resultado não tenha sido o esperado: cerca de 38 mil votos (0,72%). Ana Drago, nem vê-la, preferiu não sair do camarim. Cai o pano no Maria Matos.