Foram três dias e meio, 53.056 pessoas, quatro pavilhões da FIL para 1.490 startups, um MEO Arena cheio, mais de 4 milhões de visualizações nos vídeos em direto do Facebook, 1,835 milhões de mensagens trocadas na app, 97.000 pastéis de nata, 37.000 quilómetros de cabos, 1.300 investidores. A Web Summit não foi uma conferência, foram 21 conferências, 663 oradores, 2.000 jornalistas. Foram 500 engenheiros portugueses que asseguraram a internet de banda larga no evento (ainda que com críticas por cá e lá fora). Foram intervenções em palco para falar de segurança nas redes sociais, de música, de amor, de empreendedorismo, de investimento, de media, de inteligência artificial. De eleições norte-americanas. No final, o que ficou?
Ficou um fundo de fundos de 1.000 milhões de euros que a Comissão Europeia vai lançar para apoiar startups europeias. E outro fundo de 200 milhões que o Estado português lançou para poder coinvestir em empresas, com mais 200 milhões dos privados. Ficou a vontade de acabar com uma Europa que tem “28 tipos de regras de mercado diferentes”, onde é “praticamente impossível” para as startups crescer, e que obriga “os cidadãos a usarem métodos ilegais para acederem a conteúdos digitais”, explicou Andrus Ansip, vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pelo projeto do Mercado Único Digital.
Ficou Donald Trump, ficou a revolta contra Donald Trump. Ficou a imagem de Sophia, um dos robôs mais avançados do mundo, a dizer que tinha de ser ela a candidatar-se à presidência dos EUA para que o país se visse livre de Trump. E a de Dave McClure, sócio fundador da prestigiada aceleradora norte-americana 500 Startups a pedir às milhares de pessoas que estavam sentadas no MEO Arena para se levantarem contra aquele que é o novo presidente dos EUA. “Stand the f*ck up”, gritou Dave McClure. Antes, já o empresário norte-americano Bradley Tusk confessou sentir-se “envergonhado por estar no meio dos europeus com isto a acontecer” nos Estados Unidos. Isto, leia-se, a vitória de Trump.
Ficou um alerta à tecnologia. Aos políticos e aos legisladores. “A tecnologia também está a ter um impacto negativo no mundo e é importante que as pessoas que tomam decisões estejam aqui e conheçam as pessoas que estão a desenvolver estas tecnologias”, disse Paddy Cosgrave na última conferência de imprensa da Web Summit. O irlandês quer que haja diversidade de pessoas naquela que é a maior conferência de empreendedorismo e tecnologia da Europa, para que startups possam interagir com empresas maiores, investidores, potenciais clientes, parceiros. “É um erro achar que toda a tecnologia é boa. Na melhor das hipóteses é neutra“, tinha já afirmado Paddy, para explicar que há “tecnologias que podem destruir o mundo inteiro”.
Ficou o medo do futuro. Segundo um inquérito feito aos investidores presentes no evento no evento, cerca de 1.300, mais de metade (53%) acreditam que a inteligência artificial vai levar ao desaparecimento de milhões de empregos em todo o mundo e 93% consideram que os governos ainda não estão preparados para enfrentar essa realidade. “É assustador” pensar que os governos ainda não estão preparados para um futuro em que a tecnologia substitui milhões de pessoas nos seus empregos, tinha já dito o responsável pela Web Summit.
Mas ficou também a esperança no futuro: quando o cubo dinamarquês que venceu aqueles que são os óscares das startups europeias, como lhes chamou Jaime Jorge, líder da Codacy, em 2014. Duzentos pitches [breves apresentações] depois, foi a Kubo-Robot que levou 100 mil euros da Portugal Ventures para casa. O líder Tommy Otzen explicou aos jornalistas que quiseram “tirar a programação drag and drop [arrastar e largar] do ecrã e passá-la para a vida real”, como se fossem Legos. Acabaram por construir um robô, em forma de cubo e dotado de um sistema de inteligência artificial, que as crianças aprendem a controlar través da utilização das ordens certas, a base da programação.
E ficou política. Ficou muita política. Ficaram os “afetos” de Marcelo, as selfies de Marcelo, os beijinhos de Marcelo. O presidente da República fez uma visita pelos stands dos pavilhões da FIL para conversar com alguns empreendedores portugueses, acompanhado pelo ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, e pelo secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos. “Estamos prontos para explorar as novas paisagens tecnológicas convosco”, disse Marcelo, num discurso que ficou marcado por três palavras-chave: “gratidão”, “felicidade” e “crença” no futuro e onde não faltaram alertas. “A tecnologia é apenas um instrumento”, que “não pode excluir os mais carenciados”.
Ficaram as chaves da cidade de Lisboa nas mãos de Paddy Cosgrave, depois de o presidente da Câmara Municipal, Fernando Medina, lhas ter dado na cerimónia de abertura da Web Summit. “Lisboa é a tua casa”, disse-lhe, entre confetti e uma contagem decrescente, assegurando que não era preciso fazer-lhe “um pitch” sobre Lisboa, porque “Lisboa faria o pitch por si própria”. E ficaram “as estrelas de rock” de João Vasconcelos: os engenheiros, programadores, empreendedores portugueses. O talento português. Do primeiro-ministro António Costa, ficou a certeza de que “Portugal é o espaço ideal para tentar, falhar e voltar a tentar”, num discurso que se dividiu pelo português e pelo inglês.
E para as startups portuguesas, o que fica?
Ficam reuniões, contactos trocados, esperança no futuro, conhecimento. Não ficam milhões. Fica a perspetiva. “Na próxima semana é que vamos analisar os resultados”, disse André Vicente, fundador da Nutsoft, ao Observador. A empresa, que criou um sistema de faturação que permite a comerciantes integrar lojas físicas e virtuais numa única plataforma, esteve na Web Summit à procura de financiadores e clientes, mas André sublinha que o mais importante foram os contactos.
“Conhecemos pessoas de todo o mundo, de todos os continentes, conseguimos ter contacto com pessoas de áreas diferentes, com outras experiências e formações, que no dia-a-dia é impossível encontrar“, recordou. A ideia é esperar. O stand da Nutsoft na Web Summit, no pavilhão 1 da FIL, atraiu “tanto clientes interessados como parceiros individuais para integrações”, explicou, sem esconder que também conversou com potenciais investidores. “É uma coisa que só nas próximas semanas é que veremos se tem resultados práticos. Agendámos algumas reuniões com investidores específicos desta área, e agora vamos esperar”, acrescenta.
Ali perto, no stand da mobiag, o vice-presidente Rui Avelãs assumiu que tinha feito “o trabalho de casa” antes da Web Summit. “Já viemos com reuniões marcadas, com alguns investidores com quem tínhamos algum contacto no passado — principalmente remoto –, e aproveitamos para os conhecer pessoalmente”, explicou. O que é que a Web Summit lhes trouxe? Visibilidade. “A cobertura mediática foi um ponto importante”, admitiu Rui Avelãs, acrescentando que “a grande vantagem de estar na Web Summit é a rede de contactos que se pode fazer”.
Sendo a mobiag uma empresa de mobilidade, a Web Summit não era o local para encontrar parceiros e clientes, explicou o líder. “Nós somos uma empresa de tecnologia, mas o nosso mercado é a mobilidade, ou seja, carros, rent-a-car, carsharing, que são coisas que não estão aqui naturalmente”. Por isso, a expectativa é a de que algumas das conversas que tiveram com investidores no evento deem origem a mais conversas, que sejam, eventualmente, úteis na próxima ronda de investimento.
Nelson Gonçalves, o CEO da 2Share, concorda com a ideia de que a exposição mediática foi a grande vantagem da Web Summit. A empresa, que promete “férias mais inteligentes”, foi visitada sobretudo por clientes. “Ainda não tivemos muitas reuniões com investidores”, reconhece Nelson Gonçalves. “Mas já tivemos muitas possibilidades de parcerias com outras empresas de tecnologia especialmente, porque temos uma plataforma que precisa de ser atualizada e melhorada. Encontrámos aqui algumas vertentes tecnológicas que vão ajudar-nos a melhorá-la”, explicou.
A Web Summit trouxe ainda outro encontro importante para a 2Share: “Tivemos uma reunião com responsáveis da PT, que querem ajudar-nos”, destacou Nelson. A grande vantagem de ter vindo ao evento, sublinha o líder da empresa que quer mudar a forma com se pensa a hotelaria, “é em termos de notoriedade”. A 2Share vende, no fundo, fidelizações a hotéis. Pode comprar, por exemplo, “20 anos de férias de verão num hotel”, explica o CEO da empresa, “tendo um desconto enorme”. E já trabalha com três hotéis em Portugal. O próximo passo é a internacionalização, e a Web Summit deu uma ajuda.
A Zarph, liderada por Pedro Gordo, chegou ao evento já com financiamento da Portugal Ventures no bolso. “O projeto começou connosco em Silicon Valley, para testar a ideia”, recorda. “A Portugal Ventures apostou na nossa empresa”, vai explicando, ao mesmo tempo que se mostra orgulhoso por ter chegado à Web Summit pelo projeto Road 2 Web Summit (que levou 67 empresas portuguesas ao evento). “Ganhámos o direito de estar aqui”, afirma.
Três dias depois, o que a empresa leva do evento “é o potencial que se pode tirar da exposição mediática: o facto de a Zarph ter aparecido numa série de jornais, ter aparecido na televisão, de terem passado aqui muitas pessoas que se interessaram pela nossa solução”, esclarece o responsável, “pode resultar em contactos para aumentarmos as nossas vendas, o que é o essencial para nós nesta fase”
Pedro Gordo adianta ainda que a empresa conseguiu muitas reuniões devido à aplicação para smartphone desenvolvida pela Web Summit. “Tentámos marcar uma série de reuniões, antes de o evento começar, e, de facto, fomos bem-sucedidos. Tivemos reuniões com investidores, que nos viram na aplicação e marcaram reuniões connosco, e tivemos reuniões também com outras empresas, potenciais clientes, a quem quisemos também apresentar a nossa solução”, recorda.
No final da primeira edição da Web Summit em Lisboa ficou tudo isto. Só não ficou o “adeus” de Paddy, nem um “até já”. Quando o último painel do palco terminou, os ecrãs do MEO Arena transmitiram um pequeno vídeo com um resumo das imagens mais marcantes do evento. Os participantes esperaram, mas ficou o silêncio. Luzes acesas. Era hora de as 53.056 pessoas irem para casa. Para as casas que têm em 166 países do mundo.
Com João Pedro Pincha, Pedro Esteves e Miguel Videira Rodrigues.