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Manuel Teixeira Gomes era o Presidente da República em 1924, ano em que Soares nasceu
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Manuel Teixeira Gomes era o Presidente da República em 1924, ano em que Soares nasceu

Manuel Teixeira Gomes era o Presidente da República em 1924, ano em que Soares nasceu

1924. Como era a vida no ano em que Mário Soares nasceu

Quando Mário Soares nasceu, durante a Primeira República, os passes dos transportes em Lisboa davam polémica, a noite era de boémia e na Rússia chorava-se a morte de Lenine.

A 7 de dezembro de 1924, o dia em que Mário Soares nasceu, já os preços dos transportes em Lisboa eram assunto polémico. “Continua na ordem do dia a questão da Carris, ou melhor, a questão dos preços dos anuais, que, por deliberação dum tribunal que a opinião pública impugna, pretende elevar até ao exagero os preços desse bilhetes”, lia-se numa notícia publicada no dia seguinte no jornal O Século, que dava conta de uma “importante reunião de analistas” que resolveu “pedir ao Parlamento a aprovação” do infame projeto de lei. Transitar não era fácil, em 1924. Não por excesso de carros, mas por falta de vias: “Um país sem estradas”, acusava o mesmo jornal, na primeira página do dia 8 de dezembro, onde se lia: “Um carro, para ir das portas de Lisboa à Parede, que são cerca de 20 quilómetros, não gasta menos de hora e meia, o que representa uma velocidade de 13 quilómetros à hora. Já vê que para uma velocidade destas não é necessário um automóvel”.

Naquele dia, ao mesmo tempo que Mário Soares nascia no número 153 da rua Gomes Freire, o Presidente da República, Manuel Teixeira Gomes, assistia, à tarde, “aos desafios de «Foot-ball» e à noite ao concerto de Tomás de Lima no Conservatório Nacional de Música”, escrevia o Diário de Notícias de 8 de dezembro de 1924. O Belenenses ganhou ao Vitória por 3-0 e o Chelas derrotou o Portugal por 3-2, informava o mesmo jornal. E os padeiros continuavam a querer vender o pão demasiado caro, anunciava O Século do mesmo dia. “Hoje, pelas 9 ½ da noite, todo o povo do Porto reúne” para “deliberar o caminho a seguir perante a incrível teimosia dos padeiros” em manter os preços altos. Da reunião, escrevia o jornal, iria sair um conjunto de manifestantes “armados até aos dentes para obrigar os padeiros a cumprir a lei”.

"Continua na ordem do dia a questão da Carris, ou melhor, a questão dos preços dos anuais, que, por deliberação dum tribunal que a opinião pública impugna, pretende elevar até ao exagero os preços desse bilhete"
Diário de Notícias, 8 de dezembro de 1924

Também eram notícia as eleições na Alemanha, as segundas eleições federais do ano, depois de o Reichstag (o parlamento alemão) ter sido dissolvido em outubro de 1924. “Prevê-se o triunfo dos democratas”, lia-se na mesma edição do DN, numa notícia chegada de Berlim por telegrama no dia anterior, que dava conta de episódios de violência na capital alemã. “O apuramento faz-se vagarosamente”, concluía a notícia, escrita numa altura em que os resultados eleitorais demoravam dias a ser conhecidos.

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[Veja nesta fotogaleria as primeiras páginas dos jornais referentes ao dia em que Mário Soares nasceu]

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Na altura, Portugal ainda celebrava o sucesso de Gago Coutinho e Sacadura Cabral na primeira travessia aérea do Atlântico (Lisboa-Rio de Janeiro, em 1922). Ao mesmo tempo, concretizava-se a maior viagem de avião de sempre: Brito Pais e Sarmento Beires voaram o velhinho Pátria entre Lisboa e Macau, provando que era possível ligar os dois extremos do império colonial. Mas era de um dos heróis do primeiro voo, Sacadura Cabral, que se falava quando Soares nasceu. Menos de um mês antes, o aviador tinha desaparecido no Mar do Norte, enquanto preparava um voo até à Índia, que não chegou a concretizar. Nas páginas dos jornais do dia em que nasceu Soares, multiplicavam-se as homenagens ao piloto, cuja morte tinha sido confirmada dias antes.

Em plenos “loucos anos 20”, Portugal não ficava à margem dos excessos que marcaram a década de euforia económica pós-I Guerra Mundial. Lisboa rivalizava com as grandes capitais europeias e mundiais no que dizia respeito à boémia da vida noturna, à atividade cultural intensa e até ao vestuário. Em Lisboa, onde Mário Soares nasceu, os cafés mais sofisticados enchiam-se de políticos e escritores. Era a época do Orpheu de Fernando Pessoa e da Seara Nova de Raul Proença, mas também do jazz, dos cabelos moldados e da eleição da primeira Miss Lisboa (depois, em 1927, Margarida Bastos Ferreira seria eleita a primeira Miss Portugal, e viria a disputar o título de Miss Universo). Em termos políticos, foi a década que viu a ditadura subir ao poder em Portugal. Soares viveu dois anos ainda na Primeira República, que viria a acabar com o golpe de 28 de maio de 1926.

[Veja nesta fotogaleria as imagens de alguns dos principais acontecimentos de 1924]

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A década do sutiã, do pijama e da cocaína

O fim da I Guerra Mundial, em 1918, trouxe uma viragem completa à forma como se vivia no Ocidente. Do fim do conflito surgiu um espírito de celebração e euforia que só viria a terminar com a Grande Depressão, em 1929. Da Europa à América, o estilo de vida da década em que Mário Soares nasceu ficou marcado pelos excessos.

“Em Lisboa, ao mesmo tempo que em Paris, Berlim ou Nova Iorque, acompanha-se com espumante a jazz-band, o fox-trot e o charleston, usa-se o cabelo na razão inversa da extensão dos colares, moldam-se as roupas ao corpo e solta-se o espírito e a leviandade”, descreve o jornalista Joaquim Vieira, que compilou a história de Portugal em imagens, e que sublinha: “Os tempos não são favoráveis à moderação e ao equilíbrio”. As emissões de dinheiro sem cobertura permitiram financiar estes excessos e fizeram movimentar os bancos em Portugal. “Entre 1920 e 1926 aparecem 18 novos bancos e desaparecem 28”, escreve Joaquim Vieira, em Portugal Século XX – Crónica em Imagens.

“Em Lisboa, ao mesmo tempo que em Paris, Berlim ou Nova Iorque, acompanha-se com espumante a jazz-band, o fox-trot e o charleston, usa-se o cabelo na razão inversa da extensão dos colares, moldam-se as roupas ao corpo e solta-se o espírito e a leviandade”, escreve Joaquim Vieira sobre a década de 1920.

A euforia dos anos 20 fazia sentir-se sobretudo no estilo de vida lisboeta, onde os bares ficavam abertos até cada vez mais tarde. E já não eram só os marginais que frequentavam a noite, que se transformou “em espaço natural da sociedade que se pretende respeitável”, recorda o jornalista. Foi uma década de revoluções também nas pequenas coisas: popularizava-se o pijama em substituição das camisas de dormir antigas, e as senhoras trocavam os espartilhos pelos sutiãs. As saias subiam até acima do joelho e os decotes aumentavam.

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Uma planta turística da cidade de Lisboa do ano de 1924, com a cidade ainda largamente delimitada pela linha de comboio. (Imagem: Gabinete de Estudos Olisiponenses/CML)

A mulher assumia uma importância cada vez maior na sociedade — o que não se refletia no aumento dos seus direitos. As operadoras telefónicas, conta Joaquim Vieira, estavam “impedidas de casar para não perturbar o serviço”. Pelo contrário, a época foi marcada por uma crescente sexualização da mulher. Começavam os concursos de beleza, era eleita a primeira Miss Portugal, popularizava-se o amor efémero e a prostituição, aumentava o número de divórcios e diminuía o de casamentos.

Em 1924

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  • “Janice Meredith”, um filme mudo de E. Mason Hopper sobre a Guerra da Independência nos EUA, foi um dos filmes mais vistos do ano.
  • Morreu Lenine, na União Soviética, tendo o seu corpo sido embalsamado dois dias depois.
  • Nasceram dois futuros presidentes norte-americanos: Jimmy Carter e George H. W. Bush (pai).
  • Benito Mussolini venceu as eleições gerais em Itália. Foram as últimas eleições livres em Itália até 1946.
  • O chef italiano Caesar Cardini terá inventado a salada César.
  • Hitler foi condenado a cinco anos de prisão por ter liderado o partido Nazi durante uma tentativa de golpe de Estado. Acabaria por só cumprir oito meses.

No livro que dedica à década de 20, o jornalista Joaquim Vieira descreveu um “dia típico em meados da década” — uma vida temperada a cocaína, droga que se popularizou ao longo da década entre a classe alta lisboeta:

“Acordar perto do meio-dia num apartamento às Avenidas Novas, o bairro da moda; pequeno-almoço na recém-inaugurada Versailles, à Avenida da República; equitação no hipódromo do Campo Grande; almoço tardio na Bénard, ao Chiado; passeio e compras na Rua Garrett (com visitas à Gardénia, para roupa e chapéus, à Pompadour, para lingerie, à Garrett, com o seu sexteto de cordas, para um chá, ao Jerónimo Martins para charcutaria fina, ao Eduardo Martins, para tecidos, e à Bertrand, para as revistas); café e possível flirt no La Gare, junto à estação do Rossio; jantar no Maxim’s, aos Restauradores; revista com travestis no Trindade; espetáculo de dança erótica no Variedades, no Parque Mayer; ceia com espumante e charleston com cocaína no Bristol Club, perto do Coliseu dos Recreios; deitar ao nascer do Sol”.

A verdade é que este estilo de vida não era seguido por toda a sociedade portuguesa, nem sequer pela maioria. As classes mais baixas, sem dinheiro para clubes noturnos, champanhe ou cocaína, manteve-se afastada desta euforia. Para a esmagadora maioria da população portuguesa, que não frequentava o centro de Lisboa, a vida era bem mais modesta: “Quem pode, frequenta a periferia aos domingos e em dias de festa, seja para um piquenique nas horas ou um almoço num modesto restaurante suburbano, seja para um passeio pitoresco, seja para um jogo de chinquilho numa tasca à beira da estrada”, descreve o jornalista.

O ano da morte de Lenine e da criação da salada César

Em Portugal e no resto do mundo, o ano de 1924 ficou marcado por acontecimentos de viragem. Na União Soviética, foi o ano da morte de Lenine, embalsamado imediatamente depois de morrer e venerado ao longo de décadas pelos soviéticos. Em menos de um mês, a cidade de Petrogrado (atual São Petersburgo) mudou de nome para Leninegrado, em homenagem ao antigo líder soviético, e Estaline começou a preparar o caminho para chegar ao poder, contra Trotsky. Ao mesmo tempo que Estaline se preparava para suceder a Lenine na liderança do país, nos Estados Unidos nasciam Jimmy Carter e George H. W. Bush (pai), que viriam a tornar-se presidentes americanos em 1977 e em 1989, respetivamente.

[“Some other day, some other girl”, de Isham Jones, era a música que estava no top norte-americano a 7 de dezembro de 1924, dia do nascimento de Mário Soares]

Foi também em 1924 que foi posto um ponto final a mais de 1.400 anos de Califado Islâmico — o mesmo Califado que o Estado Islâmico tenta, atualmente, implementar de novo. Apenas seis meses depois de a Turquia ter sido declarada como república, o califa Abdülmecid II, último herdeiro do Império Otomano, foi deposto e expulso do país, terminando definitivamente com 1.400 anos de Califado. Desde esse ano, o Islão não tem uma figura de governo central.

1924 foi ainda um ano de revoluções tecnológicas. Pela primeira vez, um presidente americano — Calvin Coolidge — fez um discurso através da rádio, e a Metro-Goldwyn-Mayer, uma das maiores produtoras de cinema do mundo, começou a distribuir filmes. E foi o ano em que Hitler foi preso por ter liderado uma tentativa de golpe de estado em Munique, em 1923. E por último: segundo a tradição, foi inventada em 1924 a famosa salada César, pelo chef italiano Caesar Cardini, que tinha ficado quase sem ingredientes no restaurante que geria, em Tijuana, no México. Foi um ano em cheio.

[Veja nesta fotogaleria as imagens referentes a alguns dos principais acontecimentos de 1924]

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