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Helena Matos. O grupo dos amigos do noivo

Não sei precisar a data, mas sei que a dado momento passei a olhar para o CDS com o interesse e a condescendência que nos casamentos se reserva ao grupo dos amigos do noivo: cada um deles é individualmente uma graça, um talento, uma promessa de qualquer coisa. Mas, em grupo, os militantes do CDS, tal como acontece frequentemente com os amigos do noivo, esquecem-se que não são eles o centro das atenções.

(Este é momento em que devia escrever que preferia os tempos em que o CDS preenchia parte do espaço agora ocupado pela IL e pelo Chega. Mas, na verdade, não tenho a certeza de que, politicamente falando, fossem melhores esses tempos. Do que tenho a certeza é de que a bancada parlamentar do CDS teve alguns dos melhores deputados da AR e que vamos sentir a falta da sua solidez e competência.)

Nas fotografias, qual grupo dos amigos do noivo, invariavelmente eles abraçam-se muito e riem ainda mais invariavelmente, com aquele ar de quem não só se acha o centro das atenções como está convencido que o mundo está suspenso à sua espera. O problema é que entretiveram-se tanto consigo mesmos que não perceberam que o evento que ali os levara já tinha acabado, que os demais protagonistas já tinham partido para as suas vidas e que noutros palcos outros cumpriam o papel que fora o seu.

Mas eles, tão fascinados, quais Narcisos, com o reflexo das suas imagens, por ali ficaram e, quando finalmente caíram em si, constataram que estavam sós. Pior, tinham-se desencontrado com o calendário. Afinal a vida prosseguia e, por mais que isso lhes pareça injusto, não podia esperar por eles. (Estou a falar do CDS ou do grupo dos amigos do noivo? De ambos, naturalmente.)

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Não sei o que vai ser do CDS e muito menos o que vai ser o CDS (esforço-me, é claro, para não me alongar sobre o cinismo daqueles que agora pedem, exigem e proclamam a unidade do CDS quando levaram os anos em que Francisco Rodrigues dos Santos esteve à frente do CDS a instilar nem sequer a desunião — o que seria compreensível — mas sim a facção, o que foi desastroso). Mas acho que sei o que alguns esperam que o CDS ainda venha a ser: a comissão da candidatura presidencial de Paulo Portas. Politicamente falando, há formas de morte mais inglórias mas poucas tão cruéis.

Alexandre Homem Cristo. O partido morto-vivo

O CDS tem viabilidade? Esta é a pergunta óbvia que enquadrou o Congresso de um partido histórico que, pela primeira vez, não tem representação na Assembleia da República.

Os militantes democratas-cristãos fizeram o possível para mostrar que sim. Enterraram os machados de guerra interna e apelaram à união num congresso com elevada participação dos militantes. Exibiram a força das suas estruturas partidárias — apesar de fora do parlamento, o CDS exerce poder em várias regiões (Madeira, Açores) e autarquias (Lisboa, Porto, Coimbra, Cascais, Ponte de Lima, etc.). Mostraram como o CDS continua a ter quadros e figuras relevantes da política portuguesa. Ou seja, o partido percebeu que, tanto para dentro como para fora, tinha de aproveitar este congresso para dar um sinal de vida.

O que faltou, então? O partido tem quadros políticos, tem uma identidade histórica e uma “marca” reconhecida, tem estrutura partidária, tem implantação nacional, tem e exerce poder em várias regiões e autarquias. Mas não tinha uma liderança credível com Francisco Rodrigues dos Santos, nem tinha uma visão política para Portugal. Com a eleição de Nuno Melo, o CDS ganhou um líder com experiência e que os eleitores reconhecem. Mas ficou a faltar a resposta à pergunta indispensável para qualquer partido político: votar no CDS será votar em quê? Nos seus três discursos, Nuno Melo listou várias críticas ao governo PS — da economia (contra a estatização das empresas) à saúde (contra a ideologia que rejeita o sector privado) ou à educação (contra o fim dos contratos de associação). Mas, no fim, ficou por clarificar o essencial: o que distinguirá este novo CDS dos partidos que ocupam o espaço político da direita?

O CDS é, por isso, um partido morto-vivo. Está morto, porque está fora do parlamento e assim ficará durante mais de quatro longos anos — sem palco mediático e sem força institucional para a oposição ao governo. Está vivo porque tem bons quadros políticos, estrutura partidária em todo o país, património político e acesso ao poder local. Se morrerá ou viverá, isso dependerá da capacidade de Nuno Melo em definir um caminho diferenciador à direita (agora com concorrência), de modernizar a “marca CDS” (agora tida como obsoleta) e de inovar na comunicação para manter relevância (agora sem bancada parlamentar). Nenhum líder do CDS teve missão mais difícil.

Raquel Abecasis. Em tempo de Páscoa Melo pretende ressuscitar o CDS. Será que vai a tempo?

Este foi o fim de semana em que o CDS percebeu o óbvio. O caminho dos últimos anos foi fatal e poder-lhe-á ter custado a vida. Ferido de morte o partido acordou no dia 1 de Fevereiro sem representação parlamentar por culpa exclusiva do caminho suicida dos últimos anos.

Em Guimarães, Nuno Melo quis explicar que o estertor que parece ser final, afinal não é. Os seus companheiros e mentores do partido louvaram-lhe a coragem e perceberam que não podiam ficar de fora. Morto ou vivo todos fazem parte da história do partido e não podiam alhear-se desta prece final de Nuno Melo.

Agora começa o mais difícil; assegurar a sobrevivência de um partido político que viu o seu espaço ocupado por novos concorrentes e ainda por cima sem palco. A unidade que saiu do congresso e a presença dos quadros que o partido ainda conserva são o balão de oxigénio de Nuno Melo. Mas será que chega? É muito difícil.

O caminho é muito estreito. Mas é verdade que há um eleitorado que se sentiu órfão com o desaparecimento do CDS. Do velho CDS, um partido de quadros que foi sempre uma mais-valia para a política portuguesa. Do CDS que trazia reflexão política e coerência nas propostas. Um CDS que curiosamente não se fazia de políticos profissionais, mas de profissionais que emprestavam o seu saber à política. Agora que está fora do Parlamento, pode ser que o esforço e a coragem de Nuno Melo sirvam para ir buscar esses ativos. Se assim for, pode ser que o esforço hercúleo a que se propõe possa ter algum resultado. Não é fácil, mas em política tudo é possível. Assim reapareçam os quadros, as ideias, as propostas e a estratégia. Para já só temos o voluntarismo de Nuno Melo e isso é pouco para fazer ressuscitar um partido.

PS: Apesar de tudo é um bom sinal que os partidos fundadores da democracia se tenham feito representar no encerramento do congresso ao mais alto nível. Demonstra que o CDS ainda é uma instituição respeitada na democracia portuguesa. E é também bom sinal que como sempre a extrema-esquerda faça jus à sua conceção enviesada do que é a democracia e tenha optado por não aparecer.  

Miguel Pinheiro. O CDS não tem votos — e não tem ideia de como os conseguirá obter

O CDS tem um novo presidente. O CDS tem um ex-presidente. O CDS tem congressistas. O CDS tem notáveis. O CDS tem correntes liberais, tem correntes conservadoras e tem correntes democratas-cristãs. O CDS tem preocupações humanistas. O CDS tem inimigos. O CDS tem muita vontade de mudar o país. O CDS até tem, outra vez, se bem que de forma episódica, Paulo Portas. O CDS tem tudo isso — o CDS só não tem votos.

Aliás, corrijo: há outra coisa que o CDS não tem. Além de não ter votos, o CDS não tem a menor ideia de como os conseguirá obter.

Nuno Melo apresentou a sua extensa lista de compras eleitorais. De acordo com um dos seus discursos ao congresso deste fim de semana, quer ter os professores e quer ter os contribuintes. Quer ter os pensionistas, quer ter as forças de segurança e quer ter os ex-combatentes. Quer, obviamente, ter os agricultores. E agora, naquilo que vê como um assomo de modernismo, quer ter os jovens e quer ter as mulheres.

A única coisa que Nuno Melo não quer é ter de optar. Porque, por natureza, quem opta, exclui — e, neste momento, Melo sente que não pode excluir ninguém.

Isto explica porque é que o discurso de Manuel Monteiro mobilizou e entusiasmou o Congresso. Não foi só a nostalgia dos tempos em que, como dizia o outro, eram felizes e não sabiam — foi a clareza. Mesmo estando errado, Monteiro mostrou um caminho: queremos isto, não queremos aquilo; gostamos disto, não gostamos daquilo; lutamos por isto, não lutamos por aquilo. Já Nuno Melo quer isto e quer aquilo; gosta disto e gosta daquilo; luta por isto e luta por aquilo. O novo líder do CDS comporta-se como um candidato a primeiro-ministro, enchendo a sua moção e os seus discursos com muitas propostas, muitos planos e muitos números. O problema é que, todos juntos, eles não indicam um caminho de saída, por estreito e perigoso que seja, do buraco onde o partido se meteu. E, sem isso, mais nada interessa.

Rui Pedro Antunes. Melo, o adulto, voltou à sala para o CDS voltar a ser sexy

O CDS foi ao divã de Guimarães enfrentar os traumas do passado para sobreviver. A escolha de Nuno Melo para liderar o partido corresponde a um ensinamento de Francisco Lucas Pires, que dizia: quando o partido está mal tem de ir “para a direita e para Norte”. Melo é de Braga e de Bruxelas, ainda mais a Norte, mas também conservador, sobretudo se comparado com o novo-portismo pós-2000 ou com o seu CDS catch all e progressista da dupla Cristas-Adolfo.

Se não há dúvidas de que é democrata-cristão, o CDS já foi de tudo um pouco: dos pensionistas e dos agricultores, eurocético e eurocalmo, de liberais e conservadores. Agora, esmagado pela IL, de um lado, e pelo Chega, do outro, procura seduzir os eleitores perdidos. Ao contrário do chavão repetido por Melo (“primeiro as ideias, depois as pessoas”), o Congresso responde à crise com personalidades, com gravitas político: do próprio Nuno Melo, à cabeça, escoltado pelo portismo — que regressa em força.

As ideias ficam para depois, até porque sobre elas os vários CDS não se entendem. A visão europeísta de Portas e Melo (que quer um CDS à PPE) não liga com as vetustas ideias de Manuel Monteiro sobre a União Europeia. São dois mundos em confronto, mesmo que Portas tente desvalorizar as diferenças do passado: “Estamos nos anos 20 dos século XXI, não estamos nos anos 90 do século XX”.

O portismo e o monteirismo deixaram ser Melocéticos, por necessidade. Agora é o momento de Melo. Em tempos, António Pires de Lima disse que o CDS tinha de ser um partido sexy. É precisamente essa a grande empreitada do eurodeputado, que, esvaziado de bandeiras, para já tem para oferecer o facto de ser reconhecido (que é diferente de ser popular) e agarra-se, ironicamente, a uma (boa) sondagem que não viu a luz do dia.

Ao puxar Monteiro, Melo arruma ainda Francisco Rodrigues dos Santos. Ao ter o pai, mata o filho. Põe fim a dois anos em que o partido foi uma espécie de RGA, com dirigentes que se ofendiam por os mandarem gerir a mesada. Os adultos voltaram à sala (e aos salões do Príncipe Real) e mandaram os jovens de volta para o recreio. Se falharem, não há outra oportunidade. E, aí, o CDS será apenas como a 4L que Melo trouxe ao Congresso: ainda anda, mas vale mais como peça de museu.