886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Ukrainian Forces Reclaim Territory From Russia In The East
i

Getty Images

Getty Images

A batalha por Kherson vai ser fria e dura. E está cada vez mais próxima

Ucranianos deverão atacar antes do início do inverno e da chegada de reforços russos. Moscovo retira e transporta civis. Combate pode ser urbano e violento. Mas será Kherson de novo só uma distração?

    Índice

    Índice

“Com Kherson, tudo está claro.” O aviso foi deixado esta terça-feira por Oleksiy Arestovych, conselheiro do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: “Ninguém está preparado para retirar. Pelo contrário, a mais pesada das batalhas vai ter lugar em Kherson.”

Desde o verão que as autoridades ucranianas deixaram claro que tencionam reconquistar Kherson, a cidade que foi a primeira a ser totalmente ocupada pelos russos desde a invasão de 24 de fevereiro e que, mais recentemente, foi incluída na leva de regiões que participaram em referendos não reconhecidos internacionalmente para serem integradas na Federação Russa.

Recently recaptured village of Archangelske in Kherson Oblast, Ukraine

Uma escola destruída na aldeia de Archangelske, na região de Kherson, reconquistada pelos ucranianos

Anadolu Agency via Getty Images

Agora, contudo, acumulam-se os sinais de que a ofensiva ucraniana poderá mesmo avançar em breve sobre a cidade. O exército de Kiev avança sobre a região, libertando pequenas aldeias à medida que se aproxima de Kherson — só no último mês, terão sido 75 naquele oblast, segundo dados dos próprios ucranianos. As autoridades pró-russas da região realizaram nos últimos dias uma operação gigantesca para evacuar a cidade, retirando cerca de 70 mil habitantes. E o tempo — meteorológico e não só — condiciona tudo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Teremos em breve uma feroz batalha em Kherson? Com que contornos? E qual poderá ser o resultado final? O Observador tentou responder a estas e outras perguntas com a ajuda de dois especialistas. E, para já, só uma coisa é certa: o epicentro da guerra na Ucrânia é, neste momento, Kherson.

A rasputitsa, o céu nublado e as temperaturas negativas que condicionam tudo

Seis semanas. É essa a janela temporal que vários responsáveis norte-americanos deram, na semana passada, para que o exército ucraniano consiga conquistar a cidade com maior facilidade, em declarações ao The New York Times. Discretos, porém, não especificaram o porquê desse prazo. O militar Frank Ledwidge arrisca uma explicação: a chegada do inverno.

Quando o inverno chega, as operações tornam-se mais lentas, por duas razões”, explica ao Observador este britânico, com experiência militar em cenários de guerra como os Balcãs e o Iraque. “A primeira é que os soldados são seres humanos. Quer no campo de batalha como nas trincheiras, estar aquecido torna-se uma prioridade e todas as atividades, como estar de guarda, tornam-se mais difíceis. A segunda é que este tipo de operação militar exige um grande esforço logístico para garantir abastecimento e, no inverno, isso é mais difícil. Os camiões que levam mantimentos e armamento ou que retiram os feridos podem não pegar tão facilmente, o combustível entope motores, etc.”

Neste momento, já há uma dificuldade no terreno: a rasputitsa, lama do final do outono, que cobre partes das planícies na região de Kherson e atrapalha o movimento dos tanques. “Mas ambos os lados estão habituados a isto”, resume Ledwidge. Já contra as temperaturas negativas, não há muito a fazer. “Por isso, sim, há uma janela de oportunidade até ao início de dezembro.”

“Os soldados são seres humanos. Quer no campo de batalha como nas trincheiras, estar aquecido torna-se uma prioridade e todas as atividades como estar de guarda tornam-se mais difíceis. E este tipo de operação militar exige um grande esforço logístico para garantir abastecimento e, no inverno, isso é mais difícil. Os camiões que levam mantimentos e armamento ou que evacuam os feridos podem não pegar tão facilmente, o combustível entope motores, etc.”
Frank Ledwidge, ex-militar britânico

O professor Branislav Slantchev, especialista em estratégia militar, tem, contudo, uma opinião diferente. “É verdade que o mau tempo afeta as operações militares, seja a lama, o céu nublado ou as temperaturas baixas, e costuma favorecer quem está à defesa — neste caso, os russos”, começa por reconhecer o académico da Universidade da Califórnia San Diego. “Contudo, quando o frio gela o terreno, as operações militares tornam-se mais fáceis em termos de movimento outra vez. Os ucranianos têm mostrado que lidam bem com o mau tempo, como as operações de fevereiro e março mostraram, enquanto que a Rússia teve graves dificuldades em abastecer as suas tropas durante o inverno.”

Na prática, porém, os dois especialistas não se contradizem. De dezembro a fevereiro, a lama e a neve vão atrapalhar o movimento dos tanques e dos camiões de abastecimento — a partir daí, quando o solo já estiver totalmente congelado e a temperatura subir ligeiramente, volta a ser possível avançar com mais ímpeto.

Por que razão preveem então os norte-americanos que os ucranianos irão avançar já nesta janela temporal, até ao início de dezembro? Slantchev dá uma hipótese: “Creio que está relacionado com a mobilização na Rússia”, diz. “Eles precisam de tempo para treinar os milhares de recém-mobilizados, se não serão apenas carne para canhão. Neste momento, os soldados russos que estão a ir para Kherson não têm grande qualidade e, por isso, estão simplesmente a ser mortos. Contudo, daqui a um ou dois meses, a Rússia vai enviar pessoal já com treino básico e tudo fica mais difícil para os ucranianos.”

Retirada de civis pode ser crime de guerra — e ter objetivos menos nobres

Os russos sabem-no. Talvez por isso, esta semana anunciaram uma grande operação de evacuação da cidade, prevendo retirar 50 a 70 mil habitantes de Kherson, sobretudo através de ferries que atravessam o rio Dnipro.

“Dizem-nos que temos de ser retirados porque os maldosos ucranianos vão bombardear a cidade. As pessoas estão em entrar em pânico por causa da propaganda”, relatou um residente à BBC. Esta sexta-feira, o governador pró-Kremlin da região, Sergei Aksyonov, anunciou que a operação foi concluída com sucesso.

Os especialistas ouvidos pelo Observador consideram, porém, que esta não é uma operação com o único objetivo de salvar civis. “Isto demonstra a determinação dos russos em defender a cidade, porque assim há menos bocas para alimentar e menos possibilidades de darem informações às forças armadas ucranianas. Ao mesmo tempo, ao misturarem civis com o tráfego militar reduzem a possibilidade de serem atacados pelos ucranianos.”

Uma situação de que alguns civis têm consciência: “Temos muito medo de sermos usados como escudos humanos, por isso não vamos fugir”, afirmou uma residente ao The Telegraph. Uma situação, porém, que Frank Ledwidge acha improvável: “Sim, os ucranianos podiam atacá-los nesse momento, mas não só estariam a bombardear ucranianos, como não querem fazê-lo, porque a perceção pública não seria boa.”

O antigo militar também considera que o objetivo principal dos russos é o de preparar melhor a defesa da cidade: “Eles precisam de usar os ferries para transportar armamento e mantimentos para os soldados. As pontes têm uma capacidade limitada. Isto é tudo uma questão de logística.

Urban-Type Settlement In Kherson Oblast Liberated From Russian Forces

Habitante de uma das aldeias reconquistadas pelos ucranianos em Kherson, Vysokopillia

Global Images Ukraine via Getty

Alguns especialistas, como os analistas do Institute for the Study of War, apontam outro propósito: o de avançar com um plano de realojamento mais lato, promovendo a maior absorção de população ucraniana pela Rússia. “A implicação de um programa permanente desenhado para repovoar ucranianos noutros territórios ocupados pela Rússia ou na própria Rússia pode constituir uma violação da lei internacional“, lembra o ISW. A tese ganha força quando vemos os relatos na imprensa russa dos últimos dias que dão conta de que já há algum tempo que as autoridades pró-Kremlin têm dado certificados de habitação em regiões da Rússia aos habitantes do Donbass e promovido a transferência de crianças para campos de férias no país.

O professor Slantchev admite que, haja apenas um motivo ou uma combinação de vários, o que é certo é que a principal preocupação de Moscovo não é a de colocar civis ucranianos a salvo: “Quando retiraram de Kharkiv, por exemplo, abandonaram até aqueles que tinham colaborado com eles, sem aviso. Eles não querem saber dos ucranianos — que é o que acham que a população de Kherson é, independentemente de Vladimir Putin dizer que agora a região pertence à Rússia.”

Ataque a uma barragem, cerco e guerrilha urbana são todas possibilidades

Certo é que uma contraofensiva ucraniana está a caminho e a Rússia começa a preparar a defesa. Kyrylo Budanov, chefe das secretas ucranianas, diz que os russos estão a criar a perceção na população de que “tudo está perdido”, mas, ao tempo tempo, “estão a trazer novas unidades militares e a preparar as ruas da cidade para a defesa”.

Budanov alertou também para um tema que havia sido trazido a público pelo próprio Presidente Zelensky: a de que os militares russos podem atacar a barragem de Kakhovka e potencialmente libertar 18 milhões de metros cúbicos de água, que inundariam a região. Ao mesmo tempo, o homem que comanda a operação militar russa, Sergei Surovikin, acusou os ucranianos de estarem a planear exatamente o mesmo.

Traces of war in Ukrainian city of Kherson

As pontes na região de Kherson são importantes para abastecer os militares, razão pela qual os russos também têm recorrido a ferries

Anadolu Agency via Getty Images

Os especialistas ouvidos pelo Observador consideram, porém, que é altamente improvável que tal venha a acontecer: “A maioria destas barragens foram construídas pelos soviéticos e estão desenhadas para aguentarem grandes impactos, em alguns casos até ataques nucleares. São muito difíceis de destruir”, aponta Slantchev, dando como exemplo o ataque russo à barragem de Kryvyi Rih, que ficou de pé. “A única forma de conseguir que a barragem ceda é minando-a com explosivos. Os ucranianos não conseguem fazer isso, neste momento, porque não têm acesso à barragem.”

E os russos, poderiam fazê-lo? Com que objetivo? Mais uma vez, as vantagens seriam poucas. “Sem a barragem, o caudal do rio Dnipro aumentaria e isso torna mais difícil a circulação dos ferries. Por isso, isto não interessa a ninguém”, prevê Ledwidge. A única exceção, diz, seria criar um ataque de “falsa bandeira” — ou seja, criar a ilusão de que foram os ucranianos a atacar a barragem. Slantchev concorda: “Isso serviria para distrair a opinião pública russa em caso de queda de Kherson, já que poderiam retratar a derrota como resultado de uma ação traiçoeira dos ucranianos em relação à barragem.”

Independentemente de a barragem ser ou não um alvo, certo é que Kherson é uma joia cobiçada pelos dois lados do conflito e prevê-se um cenário complicado nas próximas semanas. Frisando que não tem “uma bola de cristal” para prever o futuro, Frank Lewidge arrisca dizer, porém, que o mais certo é irmos em breve assistir a uma dura batalha urbana, semelhante à reconquista de Lysychansk, “com os russos debaixo de ataques de precisão e combinados, algo em que os ucranianos são muito bons”. Não exclui a possibilidade de um cerco, mas considera que é mais improvável, porque daria à Rússia o tempo necessário para reforçar as suas defesas.

“Putin não quer saber do número de mortes e só precisa de tempo. Os ucranianos conseguiram aguentar Severodonetsk durante meses, porque não poderão os russos aguentar também Kherson?”
Branislav Slantchev, professor especialista em estratégia militar

Por outro lado, Slantchev acredita que o cerco é uma possibilidade real, porque “a guerrilha urbana seria muito custosa para os ucranianos também”. Certo é que do lado de Moscovo se prevê uma resistência feroz. “Não creio que eles se rendam. Kherson é demasiado importante em termos simbólicos e táticos“, acrescenta o professor, destacando que não só foi a primeira cidade conquistada pela Rússia, como está entre Odessa e a Crimeia.

A grande dúvida é, por isso, como poderá terminar a batalha de Kherson. “Putin não quer saber do número de mortes e só precisa de tempo. Os ucranianos conseguiram aguentar Severodonetsk durante meses. Porque não poderão os russos aguentar também Kherson?”, questiona Slantchev. “Não acho que Putin tenha alterado um milímetro os seus planos, ele continua a querer tomar o leste e o sul da Ucrânia. Todas as operações na área sugerem que ofensivas e reconquista de território continuam a ser equacionadas.”

Urban-Type Settlement In Kherson Oblast Liberated From Russian Forces

O cenário de guerrilha urbana pode vir a concretizar-se no centro de Kherson

Global Images Ukraine via Getty

O fornecimento de armamento do Ocidente e o timing podem favorecer os ucranianos, mas na batalha por Kherson nada é garantido. E embora tudo aponte para que esta cidade do sul da Ucrânia seja o palco da próxima grande ofensiva da guerra, no nevoeiro do conflito nem isso é certo. “No passado, os ucranianos anunciaram que iam tomar Kherson e depois de repente libertaram Kharkiv”, relembra Frank Ledwidge. “Quem diz que agora eles não estão a anunciar que estão focados em Kherson quando, na verdade, estão por exemplo a tentar reconquistar a costa do mar de Azov e cidades como Berdyansk e Mariupol? Não acho provável. Mas, nesta guerra, já nada me surpreende.”

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.