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A Caixa-forte do novo Governo

A concentração do governo na sede da CGD pode gerar poupanças de mais de 100 milhões com o emagrecimento de ministérios. Resta saber se a dieta é a sério. Ensaio de Fernando Teigão dos Santos.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

“Queridos, mudei a casa… do Governo”. Podia ser esta a frase utilizada pelo primeiro-ministro no discurso de tomada de posse do XXIII Governo constitucional para comunicar aos portugueses a concentração dos ministérios no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos.

Esta mudança tem vindo a ser pensada na sombra dos gabinetes há longos meses, com apenas alguns sinais públicos de tempos a tempos. Contudo, a relevância da reforma em curso é demasiado importante para que continue a ser planeada com secretismo e sem que o país conheça as suas implicações.

Afinal de contas, estamos perante uma transformação que pode ser muito positiva para a eficiência do funcionamento governativo e para a redução de custos, caso não seja apenas com uma vã vontade de “mudar a mobília”. Basicamente, será interessante ver projetado o filme “Querida, encolhi os ministérios…”.

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O ponto de partida: ministérios por todo o lado

Se olharmos para o mapa de Lisboa enquanto tabuleiro de xadrez da estrutura governativa, notamos que existem peças dispersas por toda a cidade. Este padrão de ocupação gera três problemas: custos excessivos, falta de eficiência e dificuldades de colaboração entre equipas.
Numa frase: num contexto como o atual, que requer cada vez maior articulação política e coordenação interministerial, faz cada vez menos sentido ter cada governante isolado no seu palácio.

Mapa com a localização dos ministérios

O XXII Governo chegou ao fim da legislatura com 20 ministérios dispersos por 18 edifícios em Lisboa e arredores, onde se encontram os gabinetes de ministros, secretários de Estado e suas equipas. Estamos a falar apenas do nível governativo e de alguns serviços diretos de apoio, não estando consideradas direções-gerais, institutos públicos e outros organismos na esfera de cada ministério.

Da Praça do Comércio a Algés, do Bairro Alto às Avenidas Novas, por entre antigos palácios ou prédios mais contemporâneos, por todo o lado há sedes de membros do governo. Do ponto de vista simbólico, é evidente que este retrato da geografia governativa é coerente com o panorama do ordenamento do território em Portugal: falta de planeamento, dispersão urbana, ausência de visão integrada, tendência de deslocação do centro para a periferia, concentração junto ao litoral, desperdício de recursos, custos energéticos e ambientais elevados. Falta perceber o resto: os custos políticos e orçamentais desta (des)organização.
Os números que são apresentados neste ensaio ajudam a responder a essa interrogação e expõem a dimensão da “gordura” governativa, discutindo a relevância da concentração de ministérios numa mesma localização. Na verdade, esta é a versão revista e atualizada de um primeiro ensaio aqui publicado em 2019 e que reflete as propostas feitas no livro “Governar melhor” (Esfera dos Livros, 2017). A grande novidade é que, pelos vistos, estas propostas têm pernas para andar.

Que custos representam os edifícios ministeriais?

Fazendo as contas a partir do Orçamento de Estado 2021 (OE 2021), verificamos que o funcionamento corrente dos edifícios ministeriais custa aproximadamente 22 milhões de euros (considerando diversos tipos de despesas). Como se constata na figura 2, esse valor inclui encargos com instalações, telecomunicações, limpeza e higiene, segurança e uma espécie de renda que é paga ao Estado ao abrigo do princípio da onerosidade. Estas contas têm por base os orçamentos das secretarias-gerais, mas existem outros custos que não estão aqui integrados. Aos próprios gabinetes ministeriais são imputados custos adicionais com estas rubricas nos seus orçamentos.

Principais custos com os edifícios ministeriais

De referir ainda que a própria antiguidade de vários edifícios (históricos) gera problemas constantes em termos de manutenção, modernização, segurança e funcionalidade. Por outro lado, há ainda os riscos ignorados de algumas localizações, por exemplo face a sismos. Veja-se este caso evidente: ter importantes ministérios como Finanças ou Administração Interna à beira do rio Tejo, numa cidade com o histórico de Lisboa, pode representar um risco desnecessário. É certo que a vista é bonita e que há muitos restaurantes agradáveis ao lado, mas se calhar… mais vale prevenir do que remediar. E tirar o ministério dali para fora.

A dispersão territorial dos ministérios tem ainda vários custos ligados às necessidades de mobilidade dos governantes. Por exemplo, cada ministério é obrigado a ter vários carros e motoristas próprios (164 alocados “apenas” aos gabinetes governativos), permanentemente disponíveis, por vezes com segurança a acompanhar o ministro, fazendo continuamente quilómetros em “circuito governativo”. As despesas em combustíveis e lubrificantes rondam 2 milhões de euros por ano, fora as despesas em aquisição, manutenção ou reparação em caso de avaria. E na frota governativa há de tudo, desde carros de alta cilindrada a citadinos elétricos.

Há ainda a considerar os custos relacionais: a dispersão geográfica é uma barreira a uma interação mais fluída e colaborativa entre equipas governativas. A qualidade do relacionamento pessoal tem influência em muitos processos e agiliza procedimentos e decisões, podendo ajudar a minimizar conflitos e problemas. Se a distância física é maior, também mais difícil se tornam os relacionamentos entre membros de gabinetes.

Estruturas governativas sobredimensionadas: o “iceberg do poder”

No final de 2021, o XXII Governo era constituído por 20 ministros (incluindo primeiro-ministro) e 50 secretários de Estado. Tornou-se o maior e mais caro da história recente de Portugal. Em tempos de crises, quando se exigia um Governo ágil, mais eficaz e contido nos gastos, tivemos um Governo “gorducho”, despesista e com dificuldades em implementar reformas. O contexto de pandemia não ajudou, mas certamente permitiu ver que, em cenário de gestão de crises, a proximidade podia ser uma vantagem.

Dimensão dos Governos constitucionais

Foi perante este reconhecimento tácito que o primeiro-ministro veio comunicar, ainda em período pré-eleitoral, que queria um “Governo mais enxuto” e que funcionasse como uma “task force”. Só faltou dizer que também seria um Governo mais barato e contido nos custos com pessoal.

Este XXII Governo funcionou com 70 governantes e suas equipas que incluíam assessores, secretárias, motoristas e outros colaboradores. No total, contabilizaram-se 1214 pessoas em funções, com um custo de 73,4 milhões de euros. Apesar de o Governo ter “engordado” desde a legislatura anterior (mais 50 pessoas e 10 milhões de euros em relação a 2019), estes valores não se afastam muito da média dos anteriores 10 anos de governação, pelo que podem ser considerados de natureza estrutural. Quase podemos dizer que estamos perante um problema “genético”.

Dimensão do XXII Governo e seus gabinetes (2021)

Mas este retrato do funcionamento governativo só fica completo se considerarmos também o papel e a dimensão das secretarias-gerais e dos gabinetes de planeamento que sustentam os ministérios. Esta é normalmente a dimensão que fica esquecida e fora dos holofotes mediáticos, tendo um peso muito elevado e onde estão mais visíveis os problemas ligados com a dispersão ministerial.

As secretarias-gerais têm como missão assegurar o apoio técnico e administrativo aos gabinetes governativos, nos domínios da gestão de recursos internos, do apoio técnico e jurídico, da contabilidade, da documentação e arquivo, da comunicação e relações públicas, da gestão patrimonial e do funcionamento informático. Cada ministério, ao funcionar isoladamente no seu “palácio”, tem necessidades administrativas que são supridas pela sua secretaria-geral, que está organizada em divisões. Existem também dois centros especializados (CE) em suporte jurídico (JURISAPP) e informático (CEGER).

Há ainda a salientar outros organismos com funções relevantes ao nível do apoio governativo, nomeadamente cinco gabinetes de planeamento ministeriais: GEPEARI (Ministério das Finanças), GEE (Ministério da Economia), GEP (Ministério da Segurança Social), GPP (Ministério da Agricultura) e GEPAC (Ministério da Cultura). De referir que, em 2021, foi ainda criado o PlanAPP – Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública, que integra a este nível do apoio à decisão mais 51 recursos humanos que já foram recrutados, tendo a proposta de OE 2022 previsto 4,6 milhões de euros para o seu funcionamento.

Estruturas de apoio ao funcionamento ministerial (2021)

Em 2021, estes organismos integraram 2683 funcionários e tiveram um orçamento de 375 milhões de euros, um valor próximo da média dos últimos 10 anos. Na maior parte dos casos, estão localizados nos edifícios ministeriais onde se encontram também os gabinetes dos membros do Governo, mas por vezes ficam em edifícios adjacentes. Há ainda os casos de seis destes organismos que ocupam o seu próprio edifício, numa zona diferente na cidade de Lisboa.

Os gabinetes de ministros e secretários de Estado são um primeiro nível de governação, mais estratégico, enquanto as secretarias-gerais e os gabinetes de planeamento estão a um segundo nível de âmbito mais técnico, logístico e administrativo. Que considerações se podem fazer em relação a esta organização funcional dos governos, incluindo serviços de apoio?

Em primeiro lugar, são evidentes a complexidade administrativa e a duplicação de serviços e procedimentos, gerando um somatório elevado de despesas, havendo pouca racionalização e partilha de recursos, em parte devido ao afastamento geográfico entre ministérios. No entanto, também existem grandes assimetrias de funcionamento e falta de uniformidade entre estruturas orgânicas (as secretarias-gerais têm configurações que variam demasiado de ministério para ministério e que por vezes têm responsabilidades e dotações orçamentais que deveriam estar noutro nível da administração). Ao longo do tempo, remodelações e mudanças organizativas pouco coerentes e consistentes foram gerando uma espécie de “babel” administrativa. E, no fim de tudo, é evidente a falta de foco no que é o apoio governativo, existindo demasiada dispersão de atividades. A “máquina” parece viver para se governar a si própria.

Podemos dizer que o governo é como um iceberg. Aquilo que está à vista é apenas a ponta, ou seja, ministros e secretários de Estado. Debaixo de água, fora da vista, está a parte maior do gelo, neste caso a estrutura de apoio que inclui secretarias-gerais e gabinetes de planeamento, com os seus custos e competências (fora dos holofotes mediáticos). Assim, se somarmos tudo, constatamos que o funcionamento governativo assenta em quase 3900 recursos humanos, localizados em 24 edifícios dispersos por toda a cidade de Lisboa e que tinham um orçamento de aproximadamente 450 milhões de euros em 2021. Este diagnóstico é estrutural e transversal a várias legislaturas.

O “iceberg” do funcionamento governativo

Independentemente dos custos, se nada for feito no sentido da modernização governativa, os ministérios convertem-se em fósseis institucionais, sem as capacidades necessárias para se adaptarem e liderarem adequadamente o país num mundo em acelerada transformação. É neste quadro que se torna fundamental encarar a reforma e racionalização do funcionamento governativo.

Mudança para a Caixa Geral do Governo

Os resultados das eleições legislativas de 2022 traduziram-se numa maioria absoluta do Partido Socialista e na continuidade de António Costa como Primeiro-Ministro, após seis anos em funções, criando um contexto para que seja decidida a concentração do governo. Contudo, o tema não foi defendido durante a campanha eleitoral e não integrou o programa do PS, independentemente de algumas generalidades referidas sobre a modernização da administração pública.

Posteriormente às eleições, começou a ser assumido publicamente que estavam em curso negociações com a Caixa Geral de Depósitos para que vários ministérios transitassem para este grande edifício, localizado junto ao Campo Pequeno, e que estaria parcialmente desocupado. Este cenário de localização estava em ponderação há vários meses, sem que houvesse vontade política para o assumir perante a opinião pública.

Entretanto, foi inscrito financiamento no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mais concretamente na Componente 19 – Reforma funcional e orgânica da Administração Pública, contemplando as seguintes ações (pág. 191):

a) Concentração dos Gabinetes do Governo e serviços comuns e partilhados num único espaço físico;

b) Reforço dos serviços com funções estratégicas, de estudo, planeamento e avaliação;

c) Especialização dos serviços da administração direta e indireta setoriais, em função das missões desenvolvidas, decorrente da partilha de serviços de suporte;

d) Flexibilização e desburocratização das interações entre áreas governativas e serviço, através da redução de cadeias de comando e criação de estruturas horizontais.

Todo este processo foi conduzido na sombra, no sigilo dos gabinetes, fora do radar do escrutínio público e longe do Parlamento. Parece que é uma mudança menor, desvalorizada como algo meramente logístico, quando as implicações são grandes e envolvem até questões-chave de soberania. Devia ser apresentado um plano aos portugueses a descrever o que se pretende fazer, com que benefícios, custos e poupanças, em que horizonte temporal, etc. Há ainda muitas dúvidas e podemos começar por levantar as seguintes questões:

  • Que ministérios serão realmente concentrados no edifício da Caixa Geral de Depósitos? Todos? Apenas alguns? Quais? Qual o racional?
  • O governo vai ser “inquilino” da CGD? Quanto vai pagar de “renda”? É uma solução provisória ou definitiva? O governo pode ser “despejado” se se “portar mal” e não obedecer ao senhorio? Há questões éticas e de transparência a considerar?
  • O governo pretende também concentrar as Secretarias-Gerais neste espaço? E os Gabinetes de Planeamento também vão para lá? Que poupanças podem ser alcançadas? Vão ser mantidos os 2700 funcionários destes organismos? Existirá uma reestruturação?
  • E em relação aos gabinetes ministeriais? Haverá mudanças na composição? Serão necessários 160 motoristas e 150 secretárias se todos estiverem no mesmo edifício? Podem ser criadas sinergias e economias de escala?
  • O que vai acontecer aos edifícios dispensados pelo governo? Serão vendidos? Alugados? Ocupados por outros serviços?
  • A residência oficial do Primeiro-Ministro vai manter-se no palacete de São Bento? Transitará para o novo edifício? Teremos uma residência “bicéfala”?
  • Foram consideradas outras localizações e edifícios?
  • Há algum plano formal, com visão de conjunto, para esta mudança? Vai ser feito e apresentado publicamente? Se sim, quando?

São muitos os aspetos a equacionar. É por isso que esta mudança, pela sua importância e implicações múltiplas, devia ser acompanhada de um plano ou de estudos preparatórios, em vez de ser apenas uma decisão a executar sem roteiro. Possivelmente o governo até tem um plano fechado no cofre, a sete chaves, mas importa dá-lo a conhecer aos portugueses.

O cenário “Caixa-forte” e uma redução de 30%

A criação de uma espécie de “polo governativo” pode ser o ponto de partida para uma reinvenção do governo, pois trará um conjunto de oportunidades para uma transformação mais profunda. Permitirá, por exemplo, fundir e reduzir a dimensão das estruturas orgânicas de apoio e respetivos quadros de pessoal. E poderão ser implementadas medidas de reorganização de processos, maior informatização, automatização e eficiência no uso de recursos (energia, água, viaturas, consumíveis), diminuindo a pegada ecológica e reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa.

Assim, face a um cenário de maior proximidade ministerial, com as equipas e os serviços a funcionar num mesmo espaço, poderia equacionar-se:

  • Estabilizar o modelo governativo em número de Ministérios e de Secretarias de Estado perfazendo 56 equipas em exercício de funções.
  • Criar ministros de coordenação para matérias de âmbito transversal e que exigem maior articulação institucional (ex. sustentabilidade, transição energética e alterações climáticas; digitalização e novas tecnologias; competitividade).
  • Restringir as nomeações e centrar a composição ao nível das funções políticas, integrando apenas (ao nível orgânico) o membro do governo, o chefe de gabinete, os adjuntos e os técnicos especialistas.
  • Disponibilizar no quadro da Secretaria-Geral os funcionários afetos a funções mais administrativas e logísticas, incluindo secretárias e motoristas (que frequentemente transitam de legislatura).
  • Fundir todas as (11) Secretarias-Gerais numa única estrutura administrativa focada sobre os aspetos operacionais e logísticos de apoio governativo.
  • Fundir os (5) Gabinetes de Planeamento com o PLANAPP, constituindo uma única estrutura focada no apoio estratégico à governação, de carácter transversal e interdisciplinar, integrando também as funções que já desempenham em matéria de relações internacionais.
  • Centralizar no Centro Jurídico (JURISAPP) as competências e os quadros técnicos desta área e que estão dispersos pelas várias Secretarias-Gerais dos ministérios.
  • Centralizar no Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER) as competências e os quadros técnicos nesta área que estão dispersos pelas várias Secretarias-Gerais dos ministérios.

Numa lógica exploratória, se considerarmos uma redução de 30% nas várias rubricas face à atualidade, o pessoal afeto às funções de apoio governativo poderia baixar em cerca de 1200 efetivos e os custos serem reduzidos em cerca de 130 milhões de euros por ano. Estes recursos humanos e financeiros poderiam ser alocados a outros setores do Estado onde haja maiores carências.

Cenário de redução de custos usando 30% como valor base

É certo que esta abordagem é relativamente simplista e não tem em consideração todos os aspetos administrativos, legais e orçamentais exigidos num caso de cenarização rigorosa. E, claro, os valores apresentados apenas incidem sobre os grandes números que, no seu conjunto, englobam recursos humanos, despesas de funcionamento e por vezes despesas de investimento muito variáveis. As Secretarias-Gerais são demasiado heterogéneas entre si para poder haver um “haircut”, como aqui é sugerido, de 30%.

No entanto, sem excessivo otimismo, os valores indicativos mostram que poderiam existir poupanças substanciais. Mesmo considerando o que será necessário pagar à CGD ou para a adoção de outra solução. E mais do que as poupanças alcançadas, o importante seria a modernização implementada na “máquina” que suporta o funcionamento governativo, essa sim uma verdadeira geringonça anacrónica dispersa por toda a cidade de Lisboa.

Melhorar o recrutamento para os gabinetes e aumentar a competência

A reforma do funcionamento governativo poderia passar por outras medidas focadas no reforço das competências para exercer as funções em causa. Ficam as seguintes propostas complementares:

  • Recrutar os melhores recursos humanos para os gabinetes governativos tendo em conta diversos critérios e face aos desafios específicos de cada posição (para além da confiança, do “parentesco” e da experiência prévia em gabinetes). Os gabinetes têm de querer ter e manter os melhores até ao fim, deixando de ser “portas rotativas”.
  • Definir perfis humanos e competências funcionais para cada uma das posições dos gabinetes, criando estruturas de equipas governativas mais capacitadas e adaptadas às funções específicas e aos desafios sectoriais da área tutelada.
  • Implementar uma política interna de transparência e de combate à corrupção, disponibilizando informação adequada e atualizada.
  • Criar um sistema de indicadores no sentido de monitorizar e avaliar o desempenho do governo, permitindo rever e melhorar o seu funcionamento.
  • Publicar o “Anuário do Governo” (no seguimento do ponto anterior), disponibilizando aos cidadãos informação clara e sucinta sobre o funcionamento governativo e os seus custos, por exemplo seguindo a prática instituída no Governo da Suécia (Swedish Government Offices Yearbook).
  • Criar o “Guia dos Gabinetes – Orientações e Boas Práticas de Funcionamento Governativo”, visando codificar, condensar e sistematizar as principais dimensões associadas ao trabalho que se desenvolve nos gabinetes, de forma simples e pedagógica. Teria a vantagem de permitir a quem está de fora do “circuito partidário” e tem vocação política familiarizar-se com o funcionamento governativo.
  • Repensar e reformar o processo legislativo e o processo comunicacional, pois são pedras-base do funcionamento governativo, que podem ser modernizados havendo grande margem para inovação e ganhos de eficiência.
  • Inovar e criar novas ferramentas tecnológicas adaptadas às funções de governação, permitindo uma melhor gestão de processos, documentos e eventos (reuniões, sessões públicas, visitas governativas, etc.).

Resiliência e gestão de crises

É cada vez mais evidente que os governos têm na gestão de crises uma das missões mais exigentes. Existem crises que são autênticas maratonas, requerendo concertação constante — como é o caso da pandemia da Covid-19, que se prolongou por toda a legislatura. Também existem crises que são “casos agudos”, urgentes, que exigem prontidão de resposta, podendo ter um desenlace breve. Existem ainda períodos de crise, por exemplo as épocas de incêndios, que obrigam a monitorização e articulação ministerial em momentos mais urgentes. Gerir crises é, no fundo, o “negócio” de um governo.

Contudo, os governos estão pouco apetrechados para fazer a gestão operacional de crises. Veja-se que, no pico da pandemia, tínhamos os ministros a reunir no Palácio Nacional da Ajuda, em salões nobres, pouco funcionais tecnologicamente, sendo um sinal de anacronismo, já para não falar da sua localização periférica e “fora de mão” para o conjunto dos governantes. Compreende-se o desafio do “afastamento social” e a necessidade de espaços amplos, mas tal também mostrou a insuficiência logística do edifício da Presidência do Conselho de Ministros (PCM).

Para além da concentração do governo em novas instalações importa também investir em condições de apoio à gestão de crises, facilitando a coordenação ministerial e a tomada de decisões. Neste espaço deveria existir um centro ou uma sala de crises, com adequadas condições tecnológicas, permitindo a visualização e a análise de tendências e informações críticas. Investir em resiliência significa melhorar as competências de antecipação, reação, coordenação e comunicação face aos impactos das crises. Basta olhar para a guerra na Ucrânia e para as diversas implicações do conflito para perceber a relevância de um acréscimo de competências em matéria de gestão de crises.

Reconfigurar a geografia do poder em Lisboa

A saída do governo de vários edifícios históricos de Lisboa abriria novas perspetivas de utilização e valorização patrimonial. Este é outro lado da questão que deveria ser tratado com planeamento e visão territorial. Desconhece-se a profundidade das intenções governativas, mas existem seis casos distintos a considerar:

Terreiro do Paço – Ministérios das Finanças, Justiça, Administração Interna, Agricultura e Coesão, bem como algumas Secretarias-Gerais; a saída permitiria a “libertação” de várias alas na área mais nobre e central da cidade, havendo que ponderar novos usos culturais e comerciais.

Palácio das Necessidades – Ministério dos Negócios Estrangeiros – é pouco plausível que o governo queira deixar o espaço que também acolhe vários serviços diplomáticos (sendo complementado pelo palácio da Cova Moura mesmo ao lado), compreendendo-se a relevância e o simbolismo, por exemplo na receção a altas dignidades. Contudo, seria muito interessante um cenário de abertura ao público deste palácio em conjunto com a regeneração da Tapada das Necessidades.

Palacetes – Horta Seca / ministério da Economia; “O Século” / ministério do Ambiente; Laranjeiras / ministério da Ciência; os dois primeiros localizam-se no Bairro Alto, o terceiro junto ao Jardim Zoológico. Qualquer um deles tem uma história relevante e poderia ser potenciado para os mais diversos fins.

Edifícios modernos – Ministério da Educação, Modernização Administrativa, Saúde, Segurança Social e Infraestruturas – a generalidade destes edifícios encontra-se na zona das Avenidas Novas, a curta distância da Caixa Geral de Depósitos (com exceção da educação junto à avenida Infante Santo e da modernização administrativa para os lados da avenida da Liberdade) e possivelmente serão mantidos.

Alas de edifícios com outros serviços públicos – Ministério da Defesa (Belém); ministério da Cultura (Palácio da Ajuda); ministério do Mar (Algés) – os edifícios manterão as funções e os serviços setoriais que acolhem, haveria apenas a libertação de alas que os gabinetes ministeriais ocupam caso se desse uma saída.

Edifício da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) — Na rua Professor Gomes Teixeira – as funções que aqui estão acolhidas neste prédio são centrais para a governação e faria sentido a sua deslocação para um novo polo; de referir que a PCM tem também sob a sua alçada o Palácio Foz, junto ao Restauradores, afeto a funções culturais.

A concentração dos gabinetes e dos serviços de apoio aos ministérios no edifício da Caixa Geral de Depósitos terá impactos na geografia do poder, passando a existir um epicentro mais forte e polarizador, deslocado para norte da cidade em relação à dispersão e às centralidades atuais. Esta mudança, dependendo da escala, irá ter reflexos naquele território junto ao Campo Pequeno, seja ao nível do trânsito, do reforço da segurança ou do preço das habitações que sofrerão uma valorização naquela zona já bastante inflacionada. Quando existirem protestos e manifestações serão aqui sentidos os principais impactos, afetando eixos viários da maior relevância.

Passaremos a ter aqui uma infraestrutura crítica da maior importância estratégica e que requererá todo um conjunto de novas abordagens em matéria de serviços de segurança e prevenção de terrorismo, já para não falar de outros aspetos relacionados com redes de comunicação e cibersegurança. Se estes aspetos forem descurados e se a mudança for encarada com a leviandade de um programa de televisão, pensando-se apenas na mobília, no jacuzzi e na cor das paredes, então poderá ser pior a “emenda do que soneto”. E, se calhar, o ministério das infraestruturas tem de se chegar à frente nas explicações sobre este processo… pois é disto que estamos a falar: infraestruturas críticas do Estado.

PREGO – Processo de Relocalização Em Curso do Governo

Esta é uma revolução silenciosa, dissimulada, escondida, preparada na sombra, de discussão indesejada sob receio de ser mal compreendida. O “PREGO” está a ser metido, espetado, martelado devagarinho para não fazer barulho na opinião pública.

Por outro lado, parece que há medo em falar de racionalização, poupanças, redução de efetivos e maior eficiência administrativa. Há um estigma na utilização desta linguagem “às direitas”. E sabemos que os cargos próximos do poder são especialmente apelativos para quadros partidários, a “entourage” não ficaria contente com uma “martelada” nos seus empregos.

Independentemente do processo, é de valorizar a intenção de concentrar os ministérios numa localização adequada. Um governo mais compacto e articulado é fundamental para servir melhor os portugueses. A relocalização pode alcançar ganhos de eficiência, especialmente ao nível dos processos governativos, que poderem ser repensados, otimizados e modernizados. Resta saber se a mudança é para levar a sério.

A administração do Estado padece de muitos dos problemas identificados na esfera governativa: duplicação de estruturas, desperdício de recursos, complexidade excessiva, opacidade, custos elevados e desempenho inferior às necessidades e expectativas dos cidadãos. Infelizmente os governos parecem mais interessados em mudar tudo à sua volta, e em reformar os mais diversos organismos da administração pública, do que em olharem para dentro e em se reformarem enquanto instituição de poder. Na verdade, a reforma do Estado devia começar pela reforma do governo.

E usando o slogan publicitário do banco em causa, que parece estar a ser adotado pelo governo, “se tem de ser e é para agora que seja na Caixa”.

Fernando Teigão dos Santos é autor do livro “Governar melhor — Como modernizar os governos para que sejam capazes de responder às necessidades dos cidadãos e aos desafios do futuro” (Esfera dos Livros, 2017)

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