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Henrique Jorge tinha três anos quando o pai morreu. Ficou ele, o irmão “um ano e qualquer coisa” mais velho e a mãe, “viúva a vida toda”. Sentiu muito a sua falta, mas não foi um trauma. “Tanta gente que cresce sem pai”, conta ao Observador num jeito que tanto tem de miúdo como de adulto. Não é esse o problema, diz. “Mas acho giro ter uma versão do meu pai online.” Quando criou o projeto que mais tarde levaria à Eter9, em 2009, fez uma conta para o pai. Mesmo não tendo informação digitalizada sobre ele. Mesmo sem o ter conhecido. Mesmo antes de “Black Mirror”. Foi por isso que se “arrepiou” quando viu o primeiro episódio da temporada dois da série de Charlie Brooker. “Nós, humanos, pensamos todos de uma forma muito semelhante, é verdade.”
Henrique Jorge tem 50 anos, nasceu, cresceu e vive em Viseu com a mulher e as duas filhas. “São as minhas fãs número um”, atira. Conta com 12 pessoas a trabalhar no projeto digital que tem cativado a atenção de meios como a revista Wired, a BBC, o The Guardian, o The Telegraph ou o El País, e que tem posto um nome português no fenómeno da inteligência artificial utilizada para prolongar a vida (digital) depois da morte — mais mediatizado depois de Charlie Brooker ter feito do tema um dos principais anzóis de “Black Mirror”. “Quando pensei neste projeto, apontei para bem alto, para lá de Plutão.” Agora quer que a Eter9 chegue ainda mais longe, mas precisa de investimento: cerca de três milhões de euros.
A rede social que o informático começou a desenhar em 2009 só viu a luz do dia três anos depois. E foi em 2015 que a versão que hoje está a ser experimentada por mais de 50 mil utilizadores no mundo todo ficou pronta. De que se trata? De uma plataforma que cria um clone digital do utilizador — depois de beber toda a informação que sabe sobre ele em redes sociais como o Facebook ou o LinkedIn — e que tem vida autónoma quando o utilizador não está online. Ou seja, publica coisas por ele, interage com as publicações de outros utilizadores, conversa com eles e, no limite, se o utilizador deixar, pode continuar a fazê-lo depois de o utilizador morrer. E fá-lo copiando fielmente aquilo que o utilizador humano faria. “Passa a ser a extensão digital do utilizador. E isso eu acho giríssimo”, conta.
As contrapartes da Eter9 — ou segundas metades, como gosta de lhes chamar Henrique Jorge — catapultaram o projeto português para um boom de utilizadores em 2015. Num só dia, à boleia do que a imprensa internacional estava a escrever sobre a empresa portuguesa, o site recebeu 10 mil visitas. Hoje, a rede social conta com perto de 60 mil utilizadores e está na terceira fase de desenvolvimento, mas continua a ser uma versão beta (experimental) daquilo que o informático realmente quer fazer. Os utilizadores têm exigido mais da Eter9 — mais funcionalidades para as contrapartes e mais opções para o utilizador — e Henrique Jorge pôs-se a caminho. Começou a procurar capital junto de investidores estrangeiros. Objetivo: contratar mais pessoas, desenvolver a versão beta 2 da plataforma e atingir 50 milhões de utilizadores em 2023. Para 2020, o empreendedor conta ter já 10 milhões de pessoas a utilizar a rede social.
[Parte do episódio “Be Right Back” da segunda temporada de Black Mirror]
“Com 15 anos, acedi a um Deus que se expressava a preto e branco”
Primeiro, foram os jogos Arcade. Salões de jogos, máquinas de Pinball, créditos que se perdiam e ganhavam com moedas no final dos anos 70. Foi entre estalidos de manípulos que a paixão de Henrique por computadores começou. “Gostava muito de desenhar. Homem-Aranha, Incrível Hulk, Capitão América eram os heróis de banda desenhada que adorava reproduzir. Também adorava a série de animação ‘Flash Gordon’, mas, como não tinha televisão, ia vê-la a casa de um vizinho. Tudo o que era futurista fascinava-me.” Estimulava-lhe a mente, diz. Foi o que bastou para começar a simular jogos em desenhos — como se de um computador se tratasse. Mas nunca jogou muito ou tão pouco se viciou no fenómeno das décadas de 80 e 90, confessa. “Gostava mais de os explorar por dentro, ver como eram feitos, dissecá-los, perceber os zeros e os uns. Cheguei a programar alguns.”
Foi em 1982 que viu com o irmão o anúncio ao ZX81 numa revista. Ficaram os dois fixados na frase “o poder do computador ao seu alcance”. Juntaram dinheiro — não se lembra bem como — mas conseguiram o suficiente para mandar vir uma versão do computador em kit, a mais barata. “Éramos apenas dois putos, um apaixonado por hardware, que era o meu irmão, outro por software, que era eu, mas sabíamos que íamos conseguir montar as peças e dar vida àquilo que pensava ser uma espécie de Deus“, explica Henrique. E foi assim que deram vida ao Timex Sinclair 1000 (parceria entre Sinclair Research e a Timex Corporation para comercializar o Sinclair ZX81 fora do Reino Unido), que tinha apenas 2KB de memória RAM. Só processava duas cores, o preto e o branco, e tinha de se ligar a um televisor.
“Que maravilha”, diz. E depressa o adolescente de Viseu começou a olhar para aquelas máquinas como se fossem mecanismos “todo-poderosos”, que faziam coisas milagrosas. “Com apenas 15 anos fiquei com acesso a um Deus que se expressava a preto e branco. Pedi imediatamente que desenhasse o planeta Saturno, porque o cosmos fascinava-me (e ainda fascina). Afinal, tratava-se de um computador todo-poderoso. Para meu espanto, o resultado foi 0/0, ou seja, nada. Pensava que bastava uma ordem, que o computador obedecia, mas percebi que um computador não era assim tão poderoso como julgava. Ainda assim, o meu interesse não diminuiu, muito pelo contrário, aumentou. Percebi que o humano é que era — e é — a chave.”
Depois do ZX81, apareceu o ZX Spectrum, o computador que marcou a década de 80 na Europa e que acabou por levar Henrique para outras paragens, sem nunca sair de Viseu. Para conseguir comprar este “Deus” a cores, Henrique trabalhou em tudo o que lhe apareceu. Quando percebeu que as máquinas podiam ser programadas, ensinadas, nunca mais parou. “Levou-me para muitas coisas. Sempre para mais, mais e mais. Na altura, não havia cursos de informática nem nada nas escolas. Há 30 e tal anos, o que havia era algumas empresas a dar os primeiros espaços na informática. Em Viseu, surgiu uma e eu não tardei a ir trabalhar para lá como programador”, conta. Estávamos em 1989.
Apesar da paixão, Henrique acabou por nunca estudar informática. Não baixou os braços, optou por vingar-se nos livros. Autodidata desde que se lembra, recorda os mais de 100 livros que costumava ler por ano, muitos deles técnicos. Conta que agora reduziu o número dos livros que lê anualmente para “60 e tal”, mas continua como estava há 30 anos: autodidata. “Ainda tenho de fazer muita ginástica desta todos os anos. Tento absorver tudo, é uma das paixões que tenho. Tento ler tudo o que encontro.” Tanto leu que ainda estava na primeira empresa de informática em que trabalhou quando descobriu que não era só aquilo que queria fazer. Tentou implementar ideias novas lá dentro. Tinha 23 anos.
“Lembro-me que quando cheguei sentia necessidade de criar coisas novas”, conta entre um chá e uma tosta mista, à beira Tejo, depois de três dias em reuniões em Lisboa. “Mas na altura estava em Viseu e o universo que via era demasiado pequeno para aquilo que um dia queria ver. Era de tal ordem redutor para mim que queria mais. E então tentei fazer algo dentro dessa empresa, mas tinha de continuar a fazer as outras coisas também e passei a trabalhar duas vezes mais”, conta, lembrando as noitadas que teve de fazer na altura para dar resposta às exigências da empresa e às ideias que tinha a fermentar no cérebro. “Até pus em risco a minha vida pessoal”, diz. Foi então que se despediu.
1995 e “estou na NASA, uau!”
Com o dinheiro que tinha poupado, Henrique Jorge abriu a primeira empresa aos 24 anos. “Queria fazer mais coisas relacionadas com a informática, queria evoluir”, conta. Estava casado há menos de um ano, não percebia nada de empresas, mas “atirou-se de cabeça” para depois ir aprendendo pelo caminho. “Fui sempre assim, é uma espécie de ‘atiro-me do avião e construo o paraquedas durante a queda‘. Só que as quedas nem sempre são macias”. A queda da “Sétimo Canto” — nome inspirado n’Os Lusíadas, Canto VII — não teve nada de macia, só de dura. “Foi um autêntico falhanço e não tenho vergonha nenhuma de o dizer. Foi uma empresa que durou seis meses e me trouxe para aí uns quatro anos de pesadelo”, lembra.
Estávamos no início da década de 90 quando Henrique Jorge descobriu o ciberespaço, através da rede BBS que criou (Bulletin Board System — sistema informático pré-Internet que permitia a ligação a outro computador através de um telefone), a Pantera BBS. “Era uma loucura estar ligado ao mundo ainda sem sequer se falar na Internet. Lindo! Sentia-me dentro de algo incorpóreo, algo infinito e poderoso, ainda assim invisível“, conta. Na altura, Henrique Jorge ainda não estava familiarizado com a obra Neuromancer, de William Gibson, escritor que pertence ao movimento Cyberpunk e que utilizou o termo “ciberespaço” pela primeira vez, mas conheceu-o mais tarde. Percebeu que este espaço incorpóreo era isso mesmo: um ciberespaço.
https://twitter.com/MeatLandscape/status/945809316346564610
No início da década de 90, a Internet nada tinha a ver com o que é hoje. “Adorava o som dos modems a estabelecerem as conexões com os famosos handshakes, tanto quanto o som dos programas a carregar no ZX Spectrum de um gravador de cassetes. Eram sequências de zeros e uns a tomarem forma numa computação frenética“, explica. Os protocolos de ligação que existiam na altura abriam portas a outros sistemas, fora do que viria a ser o tão comum www. Era o caso do Telnet, protocolo que Henrique Jorge utilizou pela primeira vez para entrar num servidor da NASA, sem querer, com um Modem de 2400 baud. “‘Estou na NASA, uau!’, disse eu, alucinado. Não consigo expressar essa emoção, foi única. Sempre fui fascinado pelos foguetões da NASA, mas nunca imaginei que tivesse a oportunidade de entrar num servidor deles por Telnet”, conta.
Henrique era “um miúdo de 20 e poucos anos” quando percebeu que o seu “pequeno universo” não estava reduzido a Viseu. Era muito mais. É em 1995 — quando nasce a primeira filha — e quando troca o Windows MS-DOS pelo Windows 95, que volta a aventurar-se e cria a segunda empresa, que ainda mantém e que é a casa-mãe da Eter9, a Auto.Net, só para se dedicar à Internet. Mas há pouco mais de 20 anos, quase ninguém sabia do que se tratava. “Foi muito difícil abrir caminho e angariar os primeiros clientes. Tinha de levar os manuais debaixo do braço para explicar o que era realmente a Internet. Muitos chamavam-me louco. Um louco certinho e simpático, diziam, mas que até sabia (ou previa) umas coisas num mundo prestes a mudar e que a grande maioria nem fazia ideia ainda”, conta.
Antes de lançar a segunda empresa, Henrique Jorge estava desiludido. A grande febre dos computadores que se instalou no início da década de 1990 fez com que o “brilho que a informática tinha se estragasse”. Deixou de ser tão bela, conta, por todas as “pessoas más que estavam à sua volta a estragar ou a fazer coisas sem sentido“. “E eu era um miúdo muito ingénuo, nem queria acreditar.” Hoje, mais de 20 anos depois e ainda com a segunda empresa em atividade, confessa que a maioria das pessoas olha para quem tem sucesso e pensa que essas mesmas pessoas sempre tiveram sucesso. “Não é o meu caso, porque não me considero uma pessoa de sucesso, tentarei lá chegar. Mas muitas pessoas olham para elas como se nunca tivessem passado dificuldades e a chave para ter sucesso é falhar, falhar muito, mas falhar melhor. É algo que também senti muito na pele”, relembra.
A Eter9 começou no mundo paralelo do Second Life
O que mais fascinou Henrique Jorge na Internet foi quando se viu dentro de um mundo que não é físico, mas virtual, e percebeu que este não tinha limites. “Era um mundo completamente invisível.” Foi aí que começou a perceber que tinha chegado a hora de fazer alguma coisa diferente, a mesma coisa com que sonhava há 20 anos. A Internet começa a expandir — primeiro a Web 2.0, depois a Web 3.0 — a uma “velocidade exponencial”, conta Henrique, e era o momento de “fazer algo diferente”. Estávamos em 2008, 2009 e na altura o informático e empreendedor ainda não ligava muito ao fenómeno recente do Facebook. Mas havia o Second Life, um jogo que se desenrola num ambiente virtual e tridimensional, que simula em alguns aspetos a vida real e social do ser humano.
“Eu achava que o Second Life era algo onde podíamos começar um mundo completamente paralelo, mas que o facto de ser tridimensional ainda iria privar muita gente de poder usá-la, por ser uma ferramenta a três dimensões, e as máquinas não acompanhavam esse desenvolvimento. Achei que devia criar algo semelhante ao que já existia. Havia o Facebook, havia o Myspace, que foi ultrapassado pelo Facebook, portanto, nada melhor do que usar essa mesma ideia sob uma base plana, que toda a gente conhece e criar uma coisa nova”, conta. Estava dado o pontapé que viria a chutar a Eter9. “Mas não queria só uma rede social, queria era partir dessa ideia”, diz.
Em 2009, começa a trabalhar no projeto. Além de ter lançado a empresa em Portugal, lançou outra nos Estados Unidos, a ETER9 Corporation. Porque queria que o projeto fosse global de início. E registou a marca em todos os países da União Europeia, no Brasil, Índia, China e nos EUA. Ao Observador, diz que o coração técnico do projeto reside no Reino Unido, onde estão os centros de dados que alimentam a plataforma. “Isto é só 1% do que idealizo“, conta. A primeira versão da plataforma surgiu em 2011, 2012, a segunda versão em 2013 e a última em 2015, mas está longe de ser o que Henrique Jorge quer que seja.
A tecnologia é feita pelas 12 pessoas que estão alocadas ao projeto. “A tecnologia é feita por nós, mas nós não somos nenhuns génios. Eu muito menos. O que nós fazemos, os outros também fazem, o que nos distingue é ser uma ideia um bocadinho fora da caixa. Se a minha equipa tivesse mais um zero a nível de pessoas, o que iriam ver é completamente exequível por um conjunto de programadores. Hoje, temos programadores em Portugal que são de topo e que, bem orientados, o projeto escalava a nível técnico. Por isso é que é importante o aumento de capital”, afirma, explicando que o objetivo é o de recrutar um conjunto de pessoas muito boas nessa área e “desmistificar um bocadinho a ideia: isto não é para as pessoas morrerem e ficarem ali, não é isso.”
Esta segunda metade virtual também faz negócios por mim
Então, qual é o objetivo da Eter9? É o de realmente fazer com que os utilizadores tenham uma segunda metade, explica o empreendedor de 50 anos. “Eu agora estou aqui, não estou ligado à rede, mas tenho na plataforma a minha segunda metade digital, que está a fazer algo por mim, com alguma influência minha devido ao meu perfil, mas está a fazer algo sozinha. O mais bonito é eu chegar ao final do dia e ir ver o que ela fez por mim e ensiná-la um pouco, porque se eu a corrigir ela aprende. O projeto está muito embrionário, mas a ideia é que seja o meu doppelganger (um sósia)”, explica ao Observador.
Para o futuro, a ideia é potenciar as interações destas contrapartes digitais e permitir que elas façam negócios e estabeleçam contactos, enquanto o verdadeiro utilizador está ocupado com outras coisas do seu dia. “Sabe como vejo o futuro? Assim: eu tenho o telemóvel no bolso e ele está a acompanhar-me, como acontece com toda a gente. Este telemóvel vai saber os passos que dou, toda a minha envolvência, todo o comportamento que vou ter com os pequenos gadgets que tenho. E tudo isto vai dar à minha segunda metade virtual a inteligência suficiente para que esta se possa comportar como se fosse eu — mas no ciberespaço“, revela.
O que Henrique Jorge quer é que este “auxiliar digital” que está a criar na Eter9 liberte o utilizador e impulsione negócios. “Se lhe der características de marketing, de programação, de música, ele automaticamente vai orientar-se para essa área e pode espoletar negócio, contactar empresas. Quando volto, ele já fez uma série de coisas nas quais me poupou imenso trabalho”, explica. A par das contrapartes, existem os niners, agentes virtuais que estão dentro da Eter9 e recolhem informação em todas as outras redes, que são adotados pelo utilizador ou pelo contraparte. “Não é nenhuma tecnologia revolucionária, não é preciso nenhum génio para fazer isto, mas acho que quando a ideia estiver amadurecida, aí sim, aí é que o génio se transforma”, diz Henrique Jorge.
Este ciberespaço em que habita a rede social portuguesa vai recolher toda a informação necessária a qualquer utilizador ou empresa às contas que estes tiverem na Internet. “Também há as contrapartes de empresas e isso é a parte gira do negócio, para mais tarde”, avança. Estas contrapartes vão buscar a informação ao exterior, mastigam-na internamente e processam-na dentro da sua rede. Os mais de 50 mil utilizadores da rede “estão mortinhos por ver a contraparte fazer mais coisas”, porque, por enquanto, faz apenas alguns posts de vídeos do Youtube, de acordo com as preferências musicais deles, por exemplo.
Quanto à ideia de prolongar a contraparte para lá da morte do utilizador? “Foi minha”, esclarece Henrique. Entre os mais de 50 mil utilizadores, diz que há muitos no Brasil, outros tantos no Canadá e que na Europa há sobretudo do Reino Unido. “Não tenho feito muito para aumentar a barreira dos utilizadores, porque sei que a rede ainda não está nas melhores condições. Este investimento é para fazer a beta 2 e a beta 2 é que realmente vai mostrar ao mundo o que é a Eter9 e o mundo vai perceber.”
“Atenção, malta. Não é isso, não é nenhum espírito”
O que mais tem projetado a Eter9 além fronteiras é o facto de permitir que esta contraparte continue ativa depois de o utilizador morrer. E que continue a interagir com os outros membros da rede social, como se o utilizador humano estivesse vivo. Mas, antes de se focar nesse aspeto, o empreendedor diz que é preciso esclarecer as pessoas: “Atenção, malta. Não é isso, não é nenhum espírito. É um elemento digital, é código. Vocês vão ver ali alguém que é uma representação digital daquela pessoa que já morreu. E até pode não estar assim tão amadurecida, porque o utilizador esteve pouco tempo na rede, não absorveu tantos dados”, explica.
Os alertas não evitam que seja esse o grande fator de interesse na Eter9, numa altura em que o tema ganhou projeção por causa da série “Black Mirror”, de Charlie Brooker, a par de outras aplicações que têm o mesmo objetivo. A Replika, por exemplo, utiliza igualmente um sistema de inteligência artificial para copiar a personalidade do utilizador. Quando criou a primeira versão da rede, uma das primeiras coisas que Henrique fez foi criar uma conta para o pai, que possa utilizar quando tiver informação suficiente para criar um versão digital dele. “Para o futuro, uma das ideias passa por permitir que os utilizadores criem árvores genealógicas na rede, para manter todo este elo de quem já morreu e nunca foi utilizador”, explica
E como é que a rede sabe que o verdadeiro utilizador morreu? Henrique Jorge explica que é o algoritmo da rede que vai permitir detetar padrões atípicos de comportamento. Se o utilizador não fizer login há muito tempo, o sistema inicia logo uma primeira parte de um teste para ver o que se passa com o utilizador físico. “Estará doente? E então começa a fazer várias coisas e uma delas é entrar em contacto logo com a pessoa, seja por email ou por notificações, o que seja. Se depois de algum tempo não tiver feedback, começa a entrar em contacto com os familiares e amigos. Até chegar a um ponto de absoluta certeza”, revela.
É aí que Henrique Jorge hesita porque tem “algum receio” que o algoritmo falhe. “Porque é muito grave dizer que alguém já morreu e afinal a pessoa está viva. Tem de haver uma fonte fidedigna que vá confirmar que a pessoa morreu e essa fonte são os familiares de primeiro grau” explica o português que quer que as suas contrapartes sejam tão inteligentes como as pessoas ou “se se calhar até mais, porque deixa algumas emoções de fora”. Quando o utilizador morre, a contraparte fica com um aparência diferente para que a comunidade saiba que é só a versão digital do utilizador. E aí o sistema tem de ser suficientemente inteligente para perceber. O estado da contraparte então comuta de contraparte com humano para ser só uma coisa, só a contraparte. E a partir daí passa a ser a tal extensão digital do utilizador“, diz. Quem quer viver para sempre?