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A ironia, o humor e a tristeza. Bem-vindos à arte de Ragnar Kjartansson: "O caminho do conforto é demasiado perigoso"

Entrevista com um dos mais cativantes e enigmáticos artistas contemporâneos, o islandês cuja obra está pela primeira vez em Portugal, no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra.

Encontramo-lo num pequeno oratório, rodeado de figuras religiosas em alto relevo degradadas pelo tempo e desfiguradas – sinais do abandono que o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra, tem protagonizado ao longo de praticamente duas décadas. De calças brancas às riscas, um casaco vermelho, chapéu, óculos de massa e sandálias, Ragnar Kjartansson ensaia uns acordes numa pequena guitarra. Faz parte de uma performance que irá mostrar pela primeira vez no solo show que traz a Portugal, onde apresenta mais de uma dezena de peças suas.

Antes disso – deve dizer-se – esteve apenas em Lisboa e no Porto, como turista, onde descobriu os famosos rebuçados portugueses Dr. Bayard. Foi deles que retirou o título desta exposição, “não sofra mais”, cunhando esse célebre slogan conhecido em terras lusas. Aí deu-se, explica, um paralelismo inusitado com os temas que têm mapeado a sua obra. O artista islandês, nascido em 1976, em Reiquiavique, cidade onde vive e trabalha, tem desenvolvido um trabalho que deambula entre vários médium, criando instalações de vídeo, performances, desenhos e pinturas que se baseiam em inúmeras referências históricas e culturais.

A sua obra é marcada por uma certa ironia, sendo influenciada pela comédia e tragédia do teatro clássico, e marcadamente sentimental no sentido em que aborda a condição humana no que esta tem de melhor e pior. No lado mais alegre e festivo, há um olhar sobre o que há de mais banal no quotidiano, ao passo que, no que há de sombrio, subsiste uma relação com a tristeza, o luto e o sofrimento. Elementos que fazem afinal parte da vida de cada pessoa, explica ao Observador Carlos Antunes, diretor da Anozero — Bienal de Coimbra, iniciativa criada em 2015 e que, nos anos intercalares organiza um solo show de um artista “de renome internacional”.

Sobre "The Visitors": "É muito popular e as pessoas adoram. Não consigo explicar. Algo místico aconteceu e ficou popular. Foi uma felicidade abençoada, mas não era isso que estava a tentar fazer"

Este ano, e já depois de ter visto a sua obra em Madrid, bem como em Veneza, decidiu convidar Ragnar Kjartansson que, desde logo, aceitou o repto pela relação que podia estabelecer entre as suas obras e o edifício histórico, em vias de se tornar num hotel. A exposição coincide com a comemoração dos 10 anos de inscrição da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia, na Lista do Património Mundial reconhecido pela UNESCO. Esta classificação deu, aliás, origem à bienal, que propõe uma reflexão sobre o confronto entre arte contemporânea e património, explorando os respetivos riscos e as múltiplas possibilidades.

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Voltando a Ragnar Kjartansson: ainda a ultimar os detalhes de montagem da exposição, o artista fala ao Observador de um percurso que tem sido de ascensão. A sua obra, nomeadamente a peça “The Visitors”, presente nesta mostra (um vídeo de 64 minutos, feito de repetições, com músicos islandeses em performance numa mansão no estado de Nova Iorque, símbolo de juventude, recuperação de uma vida perdida, de irreverência), tinha alcançado fama mundial em 2019 ao ser aclamada pelo jornal britânico The Guardian como a melhor obra de arte do século XXI até à data. Mas não se deixa deslumbrar. Gosta de criar em locais inusitados e manter propostas arrojadas, como aquela que fez à banda norte-americana The National para que estes apresentassem numa performance ao vivo e ao longo de seis horas a sua canção “Sorrow” em repetição. Realça como a melhor obra de arte pode começar numa simples piada e de como o falhanço faz parte do que é ser um artista contemporâneo. A tristeza que nos rodeia no dia-a-dia, explica, pode ser “porta de entrada para termos mais empatia perante os outros e para a forma como as pessoas se relacionam.”

“No Expectations” – citando o título de uma canção dos Rolling Stones – é uma máxima que assume sem problema. Pode haver quem se surpreenda com as suas obras, mas também quem as ache aborrecidas. Fica contente com ambas. O importante é manter a mente aberta e claro, não sofrer mais.

[a obra “The Visitors”, de Ragnar Kjartansson:]

Como foi conhecer este mosteiro e de que forma estabeleceu uma ligação entre o edifício e as suas obras?
Tal como a maior parte dos artistas, sou obcecado pelo espaço em que se expõe e o facto de ter a oportunidade de expor num edifício como este, marcado pela arquitetura barroca, ao mesmo tempo que tem um lado industrial e de abandono, é desafiante. Este balanço entre a igreja e o convento, que depois foi também ocupado por militares, faz com que o mosteiro esteja repleto de um sentimento religioso, mas também militar, o que no fim de contas faz com que a possibilidade de fazer arte nele seja muito inspiradora, ainda que pesada.

Pesada em que sentido?
De uma forma emocional.

Mas há uma ligação espiritual que se conecta às suas obras?
Não sei bem explicar. Sempre gostei da ideia de que os artistas transportam um lado secular e não religioso. Na verdade, não acredito nessa ideia de espiritualidade. Uma vez trabalhei numa exposição com a Marina Abramović e conheci o Ulay [artista alemão com quem Abramović teve uma longa relação pessoal e de trabalho colaborativo] e ele estava a falar como precisamente, no início da carreira, se interessava por conhecer todos os tipos de cultura e absorver esse lado espiritual e cerimonial de cada contexto. Mas esta secularidade de que falo acaba por se constituir como parte cerimonial do que faço. Fui criado junto do meio teatral e próximo da igreja, por isso acabo por tentar deixar esse aspeto de lado, mesmo num edifício como este.

O trabalho ocupa apenas o espaço e só a partir disso é que se podem criar formas de interpretação?
Acredito que o edifício traz essa ignição para as obras. Elas ocupam as salas, mas é o local que acaba por lhes atribuir outros significados. Não tem de ser necessariamente uma coisa espiritual. É mais simbólico do que isso. Neste caso pode ser uma ignição para os temas como a culpa, o medo, mas também aqueles elementos ocidentais e cristãos que, aí sim, podemos dizer que estão presentes no meu trabalho. Mas estão de forma humorística ou irónica. Acaba por ser hilariante fazer uma exposição no local como este porque as obras carregam uma visão irónica sobre esse tipo de paradigmas que são muitas vezes religiosos.

Coloco fatos e adapto cenários, mas não creio que esteja a mudar de personagem. Não são máscaras. Sei que pode parecer, mas não é uma abordagem artificial. Em Portugal, existiu o poeta Fernando Pessoa, e parece que tudo à sua volta gira em torno da questão da identidade. Quem são realmente aqueles heterónimos? Identifico-me com isso porque não faço ideia de quem sou.

Foi na sua visita a Lisboa que conheceu o slogan da Dr. Bayard que serve de título a esta exposição. Como é que acontece esse diálogo com uma língua que desconhece?
Muito do meu trabalho surge devido a experiências que tenho na minha vida privada. Estava com a minha mulher em Lisboa, ela também é artista, e muitas vezes é ela que me diz coisas que acabam por ser o começo de uma nova obra minha. Quando estava a viajar por Portugal, estava num humor obnóxio e maldisposto, então ela foi a uma loja, viu os rebuçados, e trouxe um pacote. Deu-me um, mostrou-me a frase e disse “sabes o que diz? Não sofras mais!” Começou assim [risos]… quando começámos a falar da exposição aqui e de fazer algo neste edifício, lembrei-me quase imediatamente desta frase em português e achei que se ligava bem com o que queria fazer.

E a verdade é que a exposição foi crescendo, mesmo em número de obras que aqui vão mostrar.
Sim, pelo edifício, mas sobretudo pelas pessoas envolvidas. São uma organização inspiradora, de pessoas simpáticas e até mesmo pelo nome da bienal Anozero. Sendo a minha primeira vez a expor em Portugal, achei que tinha de ser um momento de começo importante também para mim, como diz o nome da bienal. Por outro lado, adoro a ideia de trabalhar em locais inusitados, que são ocupados por práticas artísticas. Na Islândia, por exemplo, trabalho num espaço chamado Kling & Bang, que é gerido por artistas e abertos a todo o tipo de propostas. Gosto da liberdade que podemos ganhar com os espaços onde se expõe.

No panorama da arte contemporânea, acaba por nem sempre haver a oportunidade de fazer este tipo de exposições em locais que carregam essa liberdade e com a possibilidade de conhecer as pessoas à volta.
Sem dúvida. É uma experiência fantástica. É uma oportunidade rara e mesmo o sentimento desta bienal… tem qualquer coisa de muito inspirador. Não foi só trazer as obras e colocá-las. Houve um pensamento conjunto e colaborativo, o que, infelizmente, nem sempre acontece num panorama muitas vezes excessivamente formal e institucionalizado.

Veio do teatro: a sua mãe é atriz, o seu pai é dramaturgo. É indissociável que esse lado performático esteja presente no seu corpo de trabalho. Mas onde é que termina esse lado teatral e começa uma face mais ligada à vida quotidiana e à realidade?
Não sei se é pelo facto de ter crescido nesse meio, mas a verdade é que nunca olhei para o teatro como uma performance. Coloco fatos e adapto cenários, mas não creio que esteja a mudar de personagem. Não são máscaras. Sei que pode parecer, mas não é uma abordagem artificial. Em Portugal, existiu o poeta Fernando Pessoa, e parece que tudo à sua volta gira em torno da questão da identidade. Quem são realmente aqueles heterónimos? Identifico-me com isso porque não faço ideia de quem sou. Mas estou confortável com isso.

"God", 2007, Duração: 30 minutos

Pessoa tem um poema onde fala do poeta como um fingidor.
Mas é honesto, mas não é artificial. No meu trabalho sou eu a representar-me a mim mesmo. Mas não deixa de ser cómico… lembro-me de ir fazer entrevistas e tirar o cachecol e o chapéu, mas na vida real sou ainda mais flamboyant, mas parece que naquele contexto estou a tentar ser mais normal. Gosto de ser como sou, não é uma coisa performática, nem gosto de ser ou fazer parecer-me com algo que as pessoas apreciem.

Iminentemente reflexivo, não sendo exclusivamente privado ou familiar, a sua abordagem artística estabelece-se na relação com os outros. O que espera que um espetador da sua obra retire destas paisagens contemplativas e destas instalações?
Quando me questionam sobre isso, gosto sempre de pensar na canção dos Rolling Stones, “No Expectations”. Não tenho qualquer tipo de expectativa. Há pessoas que gostam e que ficam surpresas e há pessoas que acham as obras aborrecidos. Eu concordo com ambas! [risos]

A repetição está muitas vezes presente no seu trabalho. Há quem considere que isso pode tornar uma obra aborrecida, mas também é uma forma de eternizar aquele sentimento e a mensagem que transmite.
Absolutamente. E agora imagine-se mostrar este tipo de peças em loop e repetição num espaço como este, um mosteiro, que já tem décadas de história também ela repetitiva. Na verdade, acho que estou apenas a repetir as cerimónias que aqui tiveram lugar também, mas noutra abordagem.

Vivemos num tempo repetitivo, em que mesmo na esfera política parece que tudo se repete.
Completamente. Na realidade, somos seres muito simples. A humanidade não consegue superar isso. Hoje em dia, com recurso à tecnologia, podemos fazer qualquer coisa, as possibilidades são infinitas, mas mesmo com a nossa imaginação acabamos por cair nos mesmos clichés e passamos o tempo a ver os mesmos vídeos. Somos uma espécie elegante, mas temos os nossos limites.

O seu trabalho acaba por estar muito próximo do universo do cinema do realizador Ingmar Bergman. Concorda?
Concordo e fico muito feliz por ouvir isso.

Nos filmes de Bergman, há alegria e tristeza, como lados que convivem naturalmente.
É de facto verdade. Ele inspira-me muito por isso. Lembro-me quando era jovem de ver os seus filmes e achava aborrecido, mas depois cresci e acabei por perceber como ele entendia perfeitamente essa lógica da vida comum.

Devemos estar conscientes da tristeza na vida. É uma porta de entrada para termos mais empatia perante os outros e para a forma como as pessoas se relacionam. Recordo-me sempre de uma coisa que o meu pai me disse num Natal, já embriagado… disse "Ragnar, vou-te dizer a coisa mais importante que vais ouvir na tua vida: é bonito e triste ser-se humano".

Tem algum filme preferido?
Sim, diria que o preferido é mesmo o “Cenas da Vida Conjugal” [1973]. É, sem dúvida, um dos melhores filmes alguma vez feitos na história do cinema.

Na obra do Ragnar, a alegria e o riso convivem com a melancolia, a tristeza ou a perda. Num trabalho que aqui apresenta repete, como crooner que canta a mesma frase à frente de uma banda, de como a tristeza vai vencer a alegria. Diria que é um pessimista?
É a vida. Ainda há dias falava com um amigo que perdeu o seu filho adolescente. Como é que se continua a conversa depois de um acontecimento destes? Existe sempre esta tristeza constante à nossa volta. Ainda assim, acredito que hoje vivemos de forma menos triste do que no passado. Uma família no passado tinha dez filhos e apenas dois sobreviviam. Basta ver isso para perceber como o estado mental dominante era de tristeza.

Hoje é pior ou melhor?
Não acredito que seja pior. Claro que há tristeza. Temos vidas mais complexas, mas no passado éramos totalmente impotentes face às condições de vida. Vejamos o que era para as mulheres a vida no passado, era ainda mais complicada. Por isso é que costumo dizer que sou um afortunado por viver na modernidade. Em muitos aspetos é muito melhor, mas claro, sem expectativas!

Devemos abraçar essa tristeza existencial de uma forma mais construtiva?
Construtiva e positiva. Devemos estar conscientes da tristeza na vida. É uma porta de entrada para termos mais empatia perante os outros e para a forma como as pessoas se relacionam. Recordo-me sempre de uma coisa que o meu pai me disse num Natal, já embriagado… disse “Ragnar, vou-te dizer a coisa mais importante que vais ouvir na tua vida: é bonito e triste ser-se humano”. Também devo dizer que ele andava a ensaiar muitas peças de Tchékhov; não sei se é citação, mas parece que o meu pai estava de alguma forma a reescrever uma peça do dramaturgo russo.

Há ou não um paradoxo perante essa tristeza do quotidiano e a forma como a publicidade nos invade com mensagens motivacionais e de auto-ajuda?
Sim, é paradoxal. Mas não deixo de gostar dessa simplicidade, em frases como “não sofra mais”, porque não é aquela treta de que “o mundo está cheio de oportunidades”… não é motivacional. Nesse tipo de frases ou de livros encontro sim uma melancolia perversa. Vamos a um aeroporto e encontramos aquelas livrarias cheias de livros motivacionais e isso é deprimente. Mas neste caso, de uma frase como esta, há uma simplicidade na mensagem que acaba por ser importante não menosprezarmos. Pode reconfortar-nos, no fim de contas.

Não queria deixar de lhe perguntar: sei que ainda hoje mantém projetos musicais e vem da Islândia, um país onde se produziram obras essenciais ainda hoje, da Björk aos Sigur Rós, passando pelo Olafur Arnalds. A música é indissociável da sua criação como artista?
Sim, ainda continuo a fazer música com amigos e mantenho pequenos projetos. Há muita colaboração e diálogo entre aquilo que é o panorama musical e o panorama das artes. Esse diálogo é entusiasmante. No meu trabalho continua a ser uma ignição. Muitas vezes fico obcecado com uma música e é isso que me leva à construção de uma ideia. Durante anos tive bandas e queria ser músico, mas depois percebi que tinha muito mais liberdade nas artes visuais.

Ragnar Kjartansson e The National, "A Lot of Sorrow", 2013-2014. Seis horas com a banda americana a interpretar a canção "Sorrow"

Tom Powel Imaging Inc.

Porquê?
Nas artes visuais pode fazer-se qualquer coisa.

Mas a música acaba por ser uma linguagem universal e, por vezes, menos complexa que uma obra de arte contemporânea, na sua interpretação.
Sim, mas isso é interessante. Na música a canção tem de ser boa. Não há qualquer tipo de piedade. Na arte visual, uma obra pode ser uma treta… para muitos, é suposto ser uma treta! Na música, se não correr bem, a possibilidade de sucesso é enterrada logo ali. Na arte contemporânea o falhanço acaba por ser um elemento que faz parte do processo. A música é, de certa forma, uma arte da perfeição. A canção tem de ser catchy ou então vai ser apenas mais uma no meio do caos.

Estou curioso para saber o que disseram os The National em relação à proposta de cantarem a sua canção “Sorrow” ao longo de seis horas para a sua obra “A lot of sorrow”?
Eles disseram logo que era uma boa ideia. Tive algum cuidado na abordagem inicial, até porque venho de um país com muitas bandas boas que podiam achar a escolha pretensiosa, mas fazia imenso sentido aquela colaboração e com aquela música em concreto.

Não faz distinção nos diferentes meios que utiliza. Quer explicar o porquê de ter essa abordagem?
Sempre entendi a arte como algo que deve ser autónomo de classificação. Uma das coisas que me aborrece é quando se fala de arte apenas num contexto de mercado de arte. Eu fui inspirado pelo movimento Fluxus e pela arte feminista, bem presente no fim do século passado, e que era iminentemente sobre liberdade. Acredito que esta é a única forma de se fazer arte visual. Não é sobre por uma legenda ou sobre escolher um género ou um material.

É multirreferencial. O seu processo de criação começa nas imagens?
Por vezes sim. Pode ser um filme ou uma frase de um filme. Normalmente são clichés… nunca sabemos o que pode ajudar a criar uma obra de arte. O processo é muito aberto. De repente surge. Tal como neste mosteiro, foi uma conjugação de elementos. Por exemplo, vou apresentar uma obra que gravei estes dia aqui em que canto uma canção blues do cantor George Jones. A canção chama-se “Take Me” e fiquei interessado em ver como resultaria gravar essa canção em loop com uma guitarra num pequeno oratório que aqui existe.

Os blues acabam por ser o género que mais carrega esse lado penoso e sentimental da vida.
Sem dúvida e até mesmo pela letra. Estamos num mosteiro católico e a letra diz “Take me, take me to your darkest room/ Close every window and bolt every door”. Quando comecei a cantar aqui fiquei arrepiado, porque fazia imenso sentido com a aura deste local.

Não sinto pressão. Estou feliz com o que fiz – quase como dizer "been there, done that" – mas indo outra vez à Björk, basta ver como ela nunca se importou com isso. Continua a criar, talvez até derivando para um campo mais experimental. Sinto que vou fazer o mesmo caminho.

Ao vermos estas obras, surge facilmente um riso, mas no mundo parece que estamos à beira de um esgotamento psicológico. O seu trabalho carrega essa seriedade?
Bem, eu não sei de que forma é que se deve interpretar. Posso pensar em culpa e em tristeza, mas depois tudo isso pode ser visto de outra forma. A Björk disse uma vez numa entrevista que quando começa uma canção ou um álbum, normalmente começa como uma piada, mas que depois tira-se esse lado de piada e transforma-se numa obra séria. Eu gosto dessa metáfora. Posso esculpir uma pedra mármore por piada, mas de repetente, se tirar esse lado da equação, transforma-se numa obra de arte em processo de criação. A piada pode ser a forma de sermos naturalmente criativos. Acredito nisso.

Quando fez a peça “The Visitors”, que pode ser vista aqui, acreditava que iria ser tão bem recebida? Foi aclamada pelo The Guardian como a melhor obra de arte do século XXI até à data.
Quando acabámos, senti que podia ter algum efeito surpreendente. É uma peça estranha. Mesmo como artista visual não é costume fazer-se uma obra assim. É muito popular e as pessoas adoram. Não consigo explicar. Algo místico aconteceu e ficou popular. Foi uma felicidade abençoada, mas não era isso que estava a tentar fazer.

Não quer ser um artista mainstream?
Não, de todo.

Quer manter a atitude mais punk?
Sim, e existe definitivamente essa atitude no que faço. Voltando à Björk, acredito que ela nunca quis criar um trabalho popular ou mainstream, mas aconteceu.

Em português existe a palavra saudade, que se relaciona com lago maior do que nostalgia, é sentir uma enorme falta de alguma coisa, que algum tempo ou de alguém, tem a ver com um lado melancólico da vida. Falaram-lhe disso?
Quase assim que cheguei! Mas a verdade é que vim aqui primeiro como um turista, gostei do país, da comida, do Fernando Pessoa, mas isso não teve um peso simbólico. Foi sobretudo conhecer estas pessoas que me motivou a fazer esta exposição e não tanto esse lado simbólico de ter que produzir algo que dissesse respeito a essa forma identitária que existe em Portugal.

Quando se produzem obras tão bem-sucedidas, há receios sobre o que fazer a seguir?
Não sinto pressão. Estou feliz com o que fiz – quase como dizer “been there, done that” – mas indo outra vez à Björk, basta ver como ela nunca se importou com isso. Continua a criar, talvez até derivando para um campo mais experimental. Sinto que vou fazer o mesmo caminho.

"Me and My Mother 2020", 2020, Duração: 10′38”

Mesmo que possa ser mal-entendido?
Sem dúvida, até acho que vou gostar ainda mais disso quando acontecer. É triste pensar que uma carreira artística tem de ter uma curva ascendente, de ascensão capitalista. Acho muito importante voltar às raízes, aos locais mais inusitados e fazer propostas diferentes, mesmo que não sejam bem-sucedidas em termos comerciais ou junta da crítica.

Mas está farto do circuito que existe na arte contemporânea?
Não estou farto. Os museus são importantes na mesma, mas sou realmente sortudo por poder fazer o meu trabalho em diferentes locais e contextos – há sempre algo de novo e entusiasmante a acontecer. Para mim, há qualquer coisa de especial em poder estar próximo de quem está a fazer arte e a experimentar, mesmo que isso as conduza a uma certa loucura. Não quero ser “hot” nem milionário. Quero continuar a ser curioso e a experimentar. É isso que me interessa na vida artística, ainda que a vida de circuito por vezes seja interessante. Beber champanhe e comer em bons restaurantes também faz parte, não me queixo, mas também não me posso esquecer de onde venho.

Diz que gosta da modernidade, embora esta seja depressiva. Há que mudar a nossa forma de estar no mundo?
Gosto da modernidade, mas é subtil a forma como nos tornamos mais simples à medida que criamos tecnologia cada vez mais sofisticada. Criámos a internet, mas agora só estamos interessados em vídeos de gatos e cães e nas polémicas que se tornam virais. Diria que o problema é que nos tornamos menos abertos à pluralidade.

Há solução?
Não há realmente soluções, mas acho que devemos manter um espírito aberto e estar atentos. O caminho do conforto na vida, à medida que envelhecemos, é demasiado perigoso. Basicamente devia treinar esse espírito aberto e inclusivo como se fossemos ao ginásio. De outra forma é fácil tornarmo-nos racistas e misóginos. A Cardi B numa entrevista disse que as pessoas iam votar no Donald Trump porque votam com o coração e não com a mente. No coração, as pessoas são racistas, mas, pelo menos no meu caso, isso relembra-me que devia pensar com a minha mente e não de outra forma.

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