Há pessoas que quando metem uma coisa na cabeça, não arredam pé. Pode ser uma viagem de sonho, um carro topo de gama, uma casa com três quartos, imagine-se a loucura. Ou então, “simplesmente” conseguir ter um troço de 100 quilómetros de uma autoestrada em Portugal para que um estúdio norte-americano coloque lá os seus automóveis topo de gama a explodir de um lado para o outro a fim de conseguir as imagens que precisa para completar um filme de orçamento monstruoso. Sofia Noronha, fundadora e produtora da Sagesse Productions, empresa criada há dois anos e que ficou responsável pela produção da mais recente saga do “Velocidade Furiosa” em Portugal, é uma dessas pessoas. E conseguiu a autoestrada.
Em conversa com o Observador, Sofia Noronha dá, tanto quanto pode, pistas sobre todo o processo complexo que envolveu várias instituições — desde convencer o governo português dos benefícios e investimentos financeiros envolvidos às concessionárias e autarquias, para garantir que um dos maiores estúdios de cinema do mundo, a Universal Pictures, tinha aquilo que queria, em diferentes pontos do país. “A missão foi a de encontrar o que eles queriam, o que, por vezes, podia ser uma agulha num palheiro. Querem um décor muito especifico e lá conseguimos, ou por sorte ou porque o tínhamos. O facto desta autoestrada ter semelhanças com uma de Montenegro, com níveis diferentes, túneis, aquedutos, foi um misto de sorte e confiança”, conta. E quando toda a gente lhe dizia que não seria possível, incluindo membros da sua equipa que já trabalharam noutras grandes produções, Sofia Noronha só tinha uma resposta: “não” não é uma resposta possível. E não foi.
Com apenas 30 anos, Sofia Noronha já conta na carteira com esta produção, “a maior de sempre em Portugal”, e “House of The Dragon” (HBO), série cuja rodagem passou por Portugal no ano passado. Mas não só. Andou por Londres, Madrid e Los Angeles a “observar” tudo e mais alguma coisa, no teatro e na ficção, tendo depois regressado em 2016, onde aprendeu com nomes como Leonor Vieira ou Pandora Cunha Telles. Neste momento, e depois de tanto tempo a ser apelidada de “miúda”, são os tubarões de Hollywood que andam atrás dela.
[o trailer da série “House of the Dragon” [HBO], rodada parcialmente em Portugal:]
Tem agora a certeza e a confiança que mais projetos desta envergadura estão a caminho. O mais difícil será convencer o executivo de António Costa — ou os outros que se seguirão nos próximos anos — de que o momento deve ser bem aproveitado. Porque se acontecer como aconteceu com o incentivo fiscal (o famoso cash rebate do PIC Portugal), em que o dinheiro para 2022 já estava esgotado em maio, a porta de Hollywood pode mesmo fechar-se. Há, no entanto, esperança, andar para a frente, amanhã será melhor. “Se o incentivo funcionar depois das férias como nós estamos à espera, apesar de ser uma vergonha porque passaram nove meses, fico com a esperança de que o governo entenda o impacto que isto tem no país. Se não for esse o caso, não vale a pena trazer mais produções porque não vão querer vir. Hollywood é mesmo pequeno, tudo se sabe logo. Para o bem e para o mal. No minuto em que isto não corra bem, aí temos as portas fechadas”, finaliza.
Como é que correram ou estão a correr as gravações do “Velocidade Furiosa”?
Em primeiro lugar, tenho de dizer que esta foi uma experiência muito exigente e positiva. Colocou Portugal numa posição privilegiada em Hollywood e nas produções internacionais porque conseguirmos agarrar uma produção deste tamanho não é para qualquer país, em tão pouco tempo. Reagimos à última hora, conseguimos exatamente o que eles queriam e adaptámo-nos à indústria internacional. Saímos muito bem.
Porque é que aceitaram filmar em Portugal? Não filmaram em Espanha?
Não. Tinham de se sentir seguros com a produção local. E, sem ser convencida, ter já trabalhado em várias séries da Netflix e ter feito o “House of Dragon” deu-me muito background para trabalhar com um estúdio norte-americano. Depois, o facto de termos a visão de que tudo é possível, dos portugueses terem esta cultura de ir para a frente, ajudou-muito a conseguir o impossível.
O que era o impossível?
A autoestrada A24.
Mas ainda não vi esta pergunta respondida em lado nenhum desde que se soube que a Universal ia plantar a sua produção em Portugal. E vou-me repetir: porquê?
Eles já, por várias vezes, tentaram vir para Portugal. Quando digo eles, falo da saga “Velocidade Furiosa”. E não vieram por várias razões, como os incentivos fiscais. Desta vez resultou. Foi também porque Portugal está finalmente no mapa, estamos a fazer produções e quando há boas referências, a indústria, por ser pequena, sabe logo. Como já tínhamos feito alguns projetos, não só a minha empresa, mas Portugal como um todo, os estúdios ficaram mais à vontade para entregar-nos esta responsabilidade. E depois foi encontrar o que eles queriam, o que, por vezes, pode ser uma agulha num palheiro. Querem um décor muito especifico e conseguimos por sorte ou porque temos. O facto desta autoestrada ter semelhanças com uma de Montenegro, com níveis diferentes, túneis, aquedutos. Foi sorte e confiança.
Foi fácil conseguir a auto-estrada?
Não, nada mesmo. Mas como tivemos uma concessionária a apoiar, com os seus CEOs que têm visão e percebem o impacto que isto vai ter para a zona, isso mudou tudo. Se só encontrássemos pessoas que não pensassem fora da caixa, nunca conseguiríamos a licença para a autoestrada.
O que é que implica garantir uma operação destas? Estamos a falar de “parar” uma autoestrada para rodar um filme. Deduzo que, por muito dinheiro que esteja envolvido, não pode ser uma decisão fácil de tomar.
Uns 100 quilómetros. Implica muita logística e organização. Fomos uma espécie de frota militar com gente do circo. Somos artistas, andamos de um lado para o outro de mochila às costas, mas depois a organização é tanta que é como se fosse uma frota militar. Cada um sabe o que tem de fazer.
Este contacto com a Universal começa em setembro do ano passado. Mas a produção só começa no início do ano. Foram vítimas do famoso “excesso de burocracia” português? Houve reuniões com o governo português, com os vários ministérios e umas eleições legislativas pelo meio…
Sinto que, por um lado, o governo português é acessível. Conseguimos lá chegar. Mas nem sempre é compreensível. Falta empatia. Ou seja, queríamos trazer um projeto com muita publicidade para Portugal, um filme que é visto por milhões de pessoas, é dos filmes que mais vezes passa no cinema, não seria uma publicidade simples, o nome de Portugal poderia estar em milhares de salas. E, por vezes, é preciso ver a big picture, perceber como poderá ser economicamente benéfico para o país. Nem sequer estou a falar de Portugal aparecer para os turistas. Estou a falar do investimento direto que é feito. O que tentámos fazer foi mostrar esse impacto, nos hotéis, nos restaurantes, com as equipas portuguesas, falar de números de forma prática. Por exemplo, o IVA que gastamos em Portugal não é dedutível, o que não acontece em Espanha, onde é devolvido. Tudo o que uma produção destas tem, não é devolvido pelo IVA. Ou seja, o investimento é brutal. Agora, imagine todos os impostos, todas as pessoas que foram contratadas… Com estas contas conseguimos mostrar ao governo que isto não foram só umas filmagens. Foi colocar Portugal no mapa internacional e investir no país.
Convencer o governo atrasou a produção?
Demora o seu tempo. Há todo um caminho que é preciso percorrer, falar com muita gente e ter o “não” como garantido. É preciso insistir porque há sempre uma porta. Se ela é óbvia… temos de ser nós a procurá-la.
E deduzo que tinha de relatar tudo isto à Universal, não?
Sim.
Chegou a estar em cima da mesa o projeto não acontecer?
Sim, houve essa hipótese, claro. Até ao último dia não sabíamos se isto ia acontecer. E esse é o stress do nosso trabalho. É a inconstância de não saber se nos vão dar a autorização ou não. E às vezes é porque alguém se lembrou de dizer que não. Dou um exemplo de outro décor onde filmámos: houve reuniões e reuniões durante dois meses, era preciso fazer obras grandes e, um dia antes, quando já estava tudo organizado, só faltava mesmo assinar as licenças, a secretária de Estado deu-nos uma nega. Foi preciso voltar ao ataque, fazer telefonemas e insistir. A garantia que temos é que é preciso cumprir um prazo. Na minha cabeça é: isto vai acontecer. Nem sequer tinha a hipótese contrária. Metade da minha equipa não acreditava em mim. E estamos a falar de pessoas que já trabalharam em “Guerra dos Tronos”, no “Homem Aranha” ou no “The Terminator”. Disseram-me que era louca. Mas a única forma de continuar era esta: vai acontecer.
Mas depois as filmagens correram bem?
Espetacularmente.
Com explosões à mistura e tudo. Como é que se assegura que a A24 ficaria intacta?
Tínhamos equipas 24 horas a trabalhar para termos a certeza que deixávamos tudo como estava. Estamos a falar de uma autoestrada, os carros andam a alta velocidade, é preciso segurança acima de tudo. Na nossa indústria e com estes standards internacionais, esse aspeto fica no topo da prioridade. É preciso ter a certeza que toda a gente sabe o que se está a fazer, quando e porquê.
Leram-se muitas notícias sobre a “Velocidade Furiosa”. O que é que foi cá filmado mesmo? Os atores estiveram cá?
Filmámos o terceiro ato todo. Tivemos atores, sim, a grande parte das cenas de ação foi com duplos. Mas também não posso falar muito da produção.
Certo. E que valores é que estão envolvidos? E que estimativa faz desse tal impacto de que falou?
São milhões e milhões de euros.
Nunca houve uma produção estrangeira tão grande em Portugal?
Não. Mas atenção, não são os 300 milhões de euros de que se fala no filme, porque esse bolo engloba tudo.
Da última vez que falámos, mostrou ter algum receio se este problema do financiamento do PIC [de estar parado], o apoio português de incentivos fiscais, não fosse resolvido. Disse até que caso não se resolvesse, as portas de Hollywood poderiam estar fechadas para Portugal. Ao mesmo tempo, diz-me que a produção correu muito bem e que a Universal está satisfeita. Estamos aqui num limbo complicado.
Por um lado, estamos com ótima fama, como disse, e só vamos tender a crescer. Por outro, estamos numa incerteza sem respostas objetivas sobre o incentivo fiscal. Mas, pelas reuniões que tivemos, houve uma certeza que nos deram para esta produção: o dinheiro vai chegar. Quer seja do orçamento do próximo ano ou quer façam um acréscimo para 2022. A primeira opção, não me ajuda, porque quer dizer que não posso ir buscar mais produções. Porque se vou buscar o dinheiro de 2023, no próximo ano já não terei cá outros projetos. Ou seja, acabamos por estar num ciclo vicioso. Portanto, colocando mais dinheiro ficam cobertas todas as próximas produções. Se o incentivo funcionar depois das férias como estamos à espera, apesar de ser uma vergonha porque passaram nove meses, fico com a esperança de que o governo entenda o impacto que isto tem no país. Se não for esse o caso, não vale a pena trazer mais produções porque não vão querer vir. Hollywood é mesmo pequeno, tudo se sabe logo. Para o bem e para o mal. No minuto em que isto não corra bem, aí temos as portas fechadas. E não é só conseguir as licenças, os incentivos fiscais estão no mundo inteiro. México tem, Colômbia tem, porque sabem a importância do impacto.
Portanto, se o governo português agora dissesse que não é possível fazer chegar o dinheiro, seria o fim da linha.
Sim. Nem valia a pena continuar.
E aí o que é que se faz?
É preciso encontrar estratégias se quisermos voltar a investir. Portugal pode dizer que não quer esta indústria. Mas se olharmos para os nossos vizinhos, os espanhóis, vemos o primeiro-ministro de Espanha a fazer visitas a todos os CEOs dos estúdios e convida-os a falar ao país sobre os benefícios.
Isso não aconteceu cá.
Claro que não. Espanha está a anos luz. Ainda agora aumentaram o CAP [cash rebate, como existe em Portugal] por projeto. Cá é de 4 milhões, lá é de 10 milhões de euros no máximo por projeto. No Reino Unido é ilimitado. Quanto mais se gasta, mais se recebe.
Chegou a vir cá alguém da Universal?
Sim, para perceberem o que se estava a passar com o incentivo fiscal. E, para já, não aconteceu nada. Disseram que iam resolver e estamos à espera.
É algo bizarro ter um CEO de um grande estúdio norte-americano em Portugal e não conseguir obter respostas do governo.
Sim.
Mas não pode bastar a um estúdio ser muito conhecido para que o Estado tenha de escancarar as suas portas…
É um pouco isso que me respondem. Que não têm de se encontrar comigo só porque estamos a falar do CEO da Universal. Mas o problema é ao contrário, como disse. É não perceberem o porquê destas produções serem tão importantes globalmente. A televisão chega a todos cada vez mais. Estamos a ver tudo em ecrãs mínimos. Qualquer assunto que se coloque nesse meio chega a qualquer pessoa. É um impacto que não dá para medir.
Em relação ao “House of the Dragon”, como é que foi possível? Como estabeleceram contacto?
Tivemos mais apoio de Espanha. A minha teoria é que os espanhóis aprenderam a receber os ingleses e depois várias produções já conseguem ser mais independentes. Nós também precisamos dos espanhóis para daqui uns anos sermos só portugueses nas produções. É preciso essa humildade para saber crescer. Ainda não estamos no mesmo patamar porque só agora é que começamos.
A HBO também ficou satisfeita?
Sim, muito. Em termos logísticos, com a forma como lidámos com a dificuldade em filmar no topo de um castelo, por exemplo. Ou os incentivos fiscais terem corrido muito bem o ano passado. A HBO também ficou satisfeita com a mão de obra.
O “correr muito bem” quer dizer que vêm aí mais produções?
Estamos numa boa situação. Para filmar cá e em Espanha.
O setor da cultura, onde se insere o cinema e a televisão, está sempre muito dividido em Portugal. As plataformas de streaming abriram o olho para o país, há incentivos fiscais, diretivas europeias, crónicas acusações de sub-financiamento dos organismos públicos. Para onde é que a nossa bússola deve apontar a partir de agora?
Acho que, abrindo as portas, estamos a dar espaço a novas formas de trabalhar e de executar que podem ser aplicadas à nossa identidade. Porque a identidade já a temos e ninguém a vai roubar. Olhando para o passando, o problema foi nunca termos sabido utilizar a propaganda dessa identidade. Não sabemos vender essas histórias. Somos dos países mais antigos com histórias incríveis para contar, mas depois ficamos parados na ideia de que tudo tem de ser feito aqui, de uma determinada forma, com os mesmos. Se abrirmos as tais portas, trazemos outras gerações, trazemos outras visões e melhoramos o que temos. É preciso flexibilidade e paciência para perceber onde é que temos de estar quietos e onde é que temos de avançar. Quando se fala de produções nacionais,não devíamos ter medo do que vem aí. Uma coisa são plataformas internacionais que vêm para cá filmar o melhor que é nosso. Mas atenção: não é nosso, o mundo é de todos. Esta ideia de que “Portugal é nosso” é errada. Se vemos filmes rodados no mundo inteiro, porque é que aqui tem de ser algo exclusivo? Assim damos mundo a Portugal. E assim caminhamos para um lugar onde podemos fazer as nossas próprias produções. Por exemplo, no caso do “Velocidade Furiosa”, foram trabalhadas técnicas de duplos e de explosões e efeitos especiais que nunca na vida poderíamos pagar em produções portuguesas. Agora temos técnicos portugueses a saber utilizar essas ferramentas para que, mais tarde, seja possível melhorar os nossos projetos. Temos de perder o medo de deixar cair o mercado nacional.
Um aspeto importante: a “inflação” dos preços ou dos salários pagos aos técnicos portugueses, que podem fazer com que depois deixem de querer trabalhar aqui.
Tem de ver o problema ao contrário: as nossas produções vão ganhar uma qualidade maior. Assim, aumentamos as oportunidades de exportação. Já não há a questão da língua. Se é bom, vende-se em qualquer lado. Se temos técnicos que fazem produções boas, então o produto pode vender no mundo inteiro, não há fronteiras. Não há dinheiro para produções portuguesas porque as produções são más, com guiões maus e porque não se paga bem às pessoas. Aqui, os escritores, têm dos papéis mais mal pagos. Nos Estados Unidos da América e é das profissões mais importantes. Como é que estamos à espera de ter um bom resultado se começamos mal? A narrativa já é má. O problema está em nós não compensarmos quem devíamos compensar. E ter medo do que é nosso. Quanto mais abrimos, mais tudo volta para nós.
Sente que está a nadar no lago dos tubarões?
Quando cheguei a Portugal em 2016, vinda de Londres, fui vista como uma miúda. Ninguém quis saber. Mantive-me sempre na minha, a observar. Sempre a observar. Esse é o truque. Só abri a Sagesse em 2020. Nunca pensei que era melhor do que ninguém por ter feito o projeto X ou Y. Isso fez-me melhor tecnicamente, mas não me fez melhor pessoa. Lembro-me de chegar cá e nunca sentir rivalidade. Pensei: o que é que estas pessoas me podem oferecer? Porque trabalhei com vários dentro da área. De todos os chefes que fui tendo, e com muitos sofri, retive algo das suas qualidades. Trabalhei em teatros, estive em restauração, dei jornais, já trabalhei em tudo. Foi trabalhar, trabalhar, trabalhar. Preserverança e humildade. Tento que isto não seja só uma forma de fazer dinheiro.
Por onde tinha andado antes de ficar por cá em 2016?
Comecei na Escola de Teatro de Cascais com o Carlos Avilez. Depois fui para Londres, para um curso de teatro, que me deu uma parte mais ligada à comunicação. Queria ser atriz. Fiz depois a minha companhia de teatro que me deu muito background, por ter de fazer tudo. Tive de me desenrascar, procurar contactos, tive de me mexer. É como ir ao supermercado, porque os produtos estão lá, é preciso é saber o que se vai cozinhar para fazer algo especial. Londres deu-me esse andamento, estive lá sete anos. Fui aos 17. Sempre que tive uma oportunidade, agarrei-a e saí. Em 2016, ainda vivi em Madrid e foi difícil porque estava mesmo só a aprender como assistente numa série da Netflix. Foi duro, porque estou habituada a fazer coisas. Só estava à ouvir, foi uma loucura, porque queria ser proativo.
Ainda passou pelos EUA, certo? A fazer o quê?
Expandir. Falar de Portugal. Conhecer produtoras. No fundo, fui para lá como produtora portuguesa. Pediram-me clientes. Eles queriam publicidade, mas eu queria expandir o lado de televisão e cinema.
Antes da pandemia, era suposto ficar lá?
Sim, ia ficar em Los Angeles. Consegui o visto de artista. Não digo que a América seja o país que tem a forma certa de pensar, mas têm muitas oportunidades, olham positivamente para a vida, com certeza. Nós europeus não temos tanto isso, é mais a culpa e a vergonha. Os americanos é: if you want it, go fucking do it.
Mas a proatividade não chega.
Chega, chega. É preciso mexer, mexer, mexer, nunca desistir. Sim, é solitário, não vou mentir. Se temos ambição, perdemos muitas festas, estamos sozinhos muitas vezes, não vamos às reuniões de família. Somos o elemento que nunca está. É claro que não me arrependo de estar onde estou, são escolhas. É preciso saber abdicar.
De onde vem essa ambição?
Sou capricórnio. Se ler um pouco sobre capricórnios… sou teimosa como a minha avó. E sou a mais nova de quatro raparigas. Todas excêntricas, nasci cheia de primos. É uma forma de ver a vida. O “tenho de me te safar”.
E a parte de cinema, das séries, da produção, de onde vem?
A minha avó fazia e escrevia peças em poesia que nós tínhamos de decorar. Era um grande show, tinha de ser mesmo à séria. Logo aí fiquei fascinada com esse mundo. Depois comecei a ver filmes, fiquei obcecada e cheguei à escola de teatro. Os meus pais sempre foram liberais, disseram-nos que podíamos ser o que quiséssemos, nunca houve uma imposição de ter de ser alguém. Mas também não me pagaram para isso. Paguei a minha escola, tudo. Isso fez-me ter noção do valor das coisas. Se estou onde estou foi porque trabalhei mesmo muito. Estava na escola de teatro, das nove da manhã às sete da tarde, com aulas altamente intensas, ia a correr para o outro lado de Londres, servir cervejas, decorar papéis, dormir no chão da irmã. Lembro-me de estar a contar o dinheiro no chão para pagar a escola. Fazia turnos extra, chegava a fazer babysitting aos fins de semana. Como digo, abdiquei imenso, mas agora sinto a recompensa. As noites que fiz num bar, quando trabalhei no Nando’s, todos aqueles frangos que virei, literalmente, pagaram-me para saber o valor das coisas. Poder contratar as pessoas, como tratá-las e negociar. Se me perguntassem alguma recomendação era mesmo não desistir. Continuar.
É preciso ser-se obcecado?
Não tem a ver com obsessão. Podia estar a servir frangos ou fazer filmes, é preciso é dedicação.
Tem de ser a melhor.
Tenho de ser boa. Tenho de sentir que fiz o meu melhor. Pode não ser o suficiente, mas tenho de o sentir.
Foi o suficiente para conseguir uma autoestrada em Portugal.
Sim. Toda a gente a dizer que não e o que é importante é não aceitar essa resposta.
Porque é que deixou o sonho de ser atriz?
Foi quando comecei a produzir peças de teatro com amigas em Londres.
Algum espetáculo memorável?
Fizemos uma peça do Jean Gennet, que também já tinha feito na escola de teatro, marcou-me muito.
Tendo em conta estes dois anos da sua empresa, e já com HBO e “Velocidade Furiosa” na carteira, qual é o limite?
É ter a parte técnica destas produções e ter a liberdade criativa mais a identidade portuguesa. Espero vir a fazer produções nacionais.
Não fez?
Só um documentário e estamos a desenvolver outra série. Falo de histórias portuguesas para o mundo.
Há algum segredo para uma empresa com dois anos ter o “sim” dos tubarões dos EUA?
É o meu sorriso [ri-se].
Diga lá, a sério.
Têm de confiar em ti. Não consigo aldrabar uma Universal. Ou acreditam mesmo que eu sei do que estou a falar ou então…
São eles que contactam? Ou a Sofia é que vai atrás deles?
Sim. Atrás fui estes anos todos. Agora são eles que vêm.