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Dono de um R&B muito próximo da pop, Ivandro é acima de tudo um produto do circuito do hip hop, o que o torna num exemplo raro a fazer esta trajetória
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Dono de um R&B muito próximo da pop, Ivandro é acima de tudo um produto do circuito do hip hop, o que o torna num exemplo raro a fazer esta trajetória

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Dono de um R&B muito próximo da pop, Ivandro é acima de tudo um produto do circuito do hip hop, o que o torna num exemplo raro a fazer esta trajetória

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A receita pop de Ivandro: "Foi preciso pôr a mesa e preparar a cozinha para agora servir tudo numa bandeja"

Aos 25 anos, é um dos músicos mais populares do país e fez um percurso galopante na indústria. O primeiro álbum, que inclui temas com António Zambujo ou Marisa Liz, é o culminar desta jornada.

Nos últimos anos, um nome tornou-se incontornável na música pop em Portugal: Ivandro. Single após single, foi cimentando um percurso que o levou a tornar-se no músico nacional mais ouvido no Spotify, em 2022, e um dos mais frequentes nos grandes palcos do país. Esta jornada culmina com o lançamento do seu álbum de estreia: Trovador chega esta sexta-feira, 16 de fevereiro.

Dono de um R&B muito próximo da pop, Ivandro é acima de tudo um produto do circuito do hip hop, o que o torna num exemplo raro a fazer esta trajetória. Com 21 faixas, o seu primeiro disco de longa-duração é, nas palavras do próprio, a sua “vida em melodias”. São canções de amor mas também de desgosto, de quem aceita tudo o que a vida traz para transformar esses sentimentos em versos e instrumentais honestos.

Neste álbum, não só se assume a solo como convoca uma série de convidados especiais, desde amigos que foram fulcrais na sua história, como Bispo ou Julinho KSD; até nomes improváveis de outros mundos musicais, como António Zambujo e Marisa Liz. Além disso, não esconde a ambição de trilhar uma carreira internacional, nomeadamente no Brasil, cuja influência aqui se nota pelas vozes de Agnes Nunes e Vitor Kley.

Dos “Ídolos” ao rap underground (e, depois, mainstream) da Linha de Sintra

Para contarmos a história deste Trovador, temos de recuar um pouco no tempo. Apesar de ser um álbum de estreia, há vários anos que Joaquim Ivandro Paulo se dedica à música. Foi na adolescência, no subúrbio lisboeta de Rio de Mouro, no seio de uma família oriunda de Angola, que começou a cantar versões de outros. Acompanhado por uma guitarra, ia gravando os momentos em vídeo e partilhando no YouTube.

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[o vídeo de “Trovador”:]

Aos 17 anos, em 2015, acabou por se inscrever no Ídolos. Enquanto Joaquim Paulo, conseguiu participar em alguns programas, mas seria eliminado do concurso de talentos da SIC. Eventualmente, começou a associar-se a outros jovens artistas locais, muitos do universo hip hop, que estavam completamente à margem de qualquer indústria musical e que só estavam interessados em criar temas originais.

É o caso de Tristany ou dos Instinto 26. Joaquim Paulo começou a passar mais tempo nos estúdios caseiros destes amigos, aprendendo a gravar e a misturar música. Acabaria por também fazer um pequeno estúdio no seu quarto. “O Julinho KSD gravava no meu quarto e dali teve a ascensão dele”, recorda Ivandro. “Gravou comigo o Sentimento Safari, o Vivi Good, o Hoji en Sá Ta Vivi, e isso fez-me acreditar que o meu tempo havia de chegar.”

Em simultâneo, começou a identificar-se com a sonoridade de artistas americanos contemporâneos que cruzavam o canto R&B com instrumentais hip hop — e decidiu enveredar por uma linha artística semelhante, construindo a sua identidade a partir daí. Uma das suas maiores referências foi o álbum de estreia do norte-americano Bryson Tiller, editado em 2015, cujo título resume tudo: Trapsoul. Pelo meio foi J. Paul, mas acabou por assumir o seu nome do meio, Ivandro. Oscilando entre um flow cantado melódico e outro mais rappado (que perdeu preponderância), foi fazendo experiências a solo mais a sério a partir de 2017 — ano em que voltou à televisão para participar em Got Talent Portugal.

"O Bispo estava num momento incrível, tinha acabado de lançar o NÓS2 com o Deezy e de repente tínhamos um grande som para lançar a seguir. Pensei: se não funcionar, tenho de reavaliar a minha música, porque se calhar sou mesmo eu o problema. Um ano e tal deu para lidar com todas essas emoções de querer que algo saísse no mês seguinte, mas depois percebi que as coisas levam tempo."

Um passo fulcral aconteceu quando se tornou back vocal de Bispo, rapper de Mem Martins que conhecia o irmão mais velho de Ivandro, que havia sido seu colega na escola. A partir daí, Ivandro foi-se profissionalizando, nos muitos concertos de norte a sul do país.

Acabaria por gravar com Bispo o single Essa Saia, que se tornaria um verdadeiro ponto de viragem. Mas, antes disso acontecer, teve de esperar um ano e alguns meses enquanto Bispo preparava o seu álbum e o single se alinhava estrategicamente com uma data mais pertinente.

“Sempre fui muito impulsivo, sempre quis muito lançar — na altura até diria que lançava à toa. Senti que poderia ser uma grande oportunidade, o Bispo estava num momento incrível, tinha acabado de lançar o NÓS2 com o Deezy e de repente tínhamos um grande som para lançar a seguir. Pensei: se não funcionar, tenho de reavaliar a minha música, porque se calhar sou mesmo eu o problema. Um ano e tal deu para lidar com todas essas emoções de querer que algo saísse no mês seguinte, mas depois percebi que as coisas levam tempo, ele estava a trabalhar no álbum dele — e também foi incrível ter a noção de como é que um álbum nasce, ajudou-me a perceber a questão dos timings e porque é que há músicas que demoram tanto tempo a sair.”

Quando Essa Saia foi finalmente lançado e se tornou um êxito, não demorou muito até que Ivandro começasse a pensar no seu próprio disco. Tinha lançado alguns temas, começava a ser convidado para pequenos concertos em nome próprio, era um passo natural a seguir. “Só que de repente veio a pandemia, o que me obrigou a reavaliar tudo”, explica. Decidiu que se ia manter focado na música, que iria continuar a lançar singles, até que acabou por ceder à ideia do álbum. “Chegou uma altura em que pensei: isto da pandemia parece que não vai acabar, por isso, se o objetivo é lançar um álbum, não interessa se existe uma pandemia ou não. E começámos a organizar ideias e a pensar mais seriamente no Trovador.”

“O que tento fazer sempre é ir para estúdio sem compromisso e tentar mesmo sentir, tentar perceber o que é que há por dizer"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ao mesmo tempo, Ivandro sentia em casa, da parte dos pais, uma pressão para terminar o curso universitário. Estava a estudar Tecnologias da Música na Escola Superior de Música de Lisboa e, de repente, já não havia concertos que servissem como desculpa para não se conseguir focar nas cadeiras — que também tinham tudo a ver com música, ainda que com uma componente mais teórica.

“Cheguei a casa e disse-lhes: tenho a certeza de que aquilo que quero fazer é mesmo a música. Apesar de não haver concertos, achava que era mais fácil pegar nas coisas que já tinha do que as largar para me focar nos estudos e mais tarde voltar onde já estava. Podia não haver concertos, mas eu já tinha entrado no radar das pessoas. E isso se calhar é mais difícil do que estudar para um exame e passar. Era essa a minha perspetiva. Então decidi congelar a matrícula e foquei-me a 100% na música, como se fosse mesmo um trabalho.”

Desde então que, sempre que pode, passa os dias no estúdio ou a tentar criar música em casa. E foi também nesse período que começou a idealizar o álbum que se tornaria Trovador.

Um disco de vitórias, amores e desgostos

Fruto dos dias passados em casa, mergulhado nos seus próprios pensamentos, várias canções mais introspetivas começaram a despontar naquela altura. “Surgiram temas como o Chakras, porque eu olhava para dentro para organizar as ideias. No meio de tantas batalhas, queria encontrar aquelas que realmente me traziam algo de positivo para colocar no disco.”

Mais do que histórias alegres ou melancólicas, Ivandro queria espelhar as suas vivências e sentimentos de forma transparente. “O que tento fazer sempre é ir para estúdio sem compromisso e tentar mesmo sentir, tentar perceber o que é que há por dizer, o que é que está aqui dentro guardado que ainda não saiu. Uma história de amor nem sempre é um mar de rosas, também tem as suas discussões, as suas partes más, e senti-me na obrigação de também pôr isso no álbum. Assim como o Lua, o Moça ou o Chamadas são sons em que tento falar disso de uma maneira mais positiva, há outros em que tinha de falar de uma maneira mais dura e crua”, explica.

"O 'Equilíbrio' acabou por ser uma cena que eu estava a produzir mais para o pop rock, e mandei ao Slow: ‘achas que estou a ir bem, o que é que mudavas? Dá-me a tua perspetiva.’ E ele devolve-me o som com um verso dele! Fiquei louco.”

Mais do que em conversas, Ivandro sente que é na música que tem o tempo de reflexão necessário para se conseguir exprimir como realmente desejava. “Muitas vezes chegamos a casa e ficamos a pensar: se eu tivesse dito aquilo, talvez as coisas tivessem sido diferentes. E sinto que a música me deu oportunidade de ter esses momentos sozinho comigo próprio.”

Embora seja um longo álbum, muitas outras canções acabaram por ficar de fora. “Algumas até são com artistas que admiro, foi difícil tirá-las mas olhando para o álbum, fazia todo o sentido. Porque até poderiam funcionar muito bem, mas iam destoar. Não encaixaram ali. O que levou mais tempo foi encontrar os sons que faziam sentido.”

Estava em busca de um “equilíbrio”, que é o título de outra canção do álbum, composta a meias com Slow J. Foi construída em pleno confinamento, por videochamada. “Depois de termos colaborado na Imagina, tinha começado a estar no estúdio com ele e fizemos outras músicas. Começámos a trabalhar tanto no meu álbum como no dele e fazíamos por videochamada, íamos trocando ideias e sons. O Equilíbrio acabou por ser uma cena que eu estava a produzir mais para o pop rock, e mandei ao Slow: ‘achas que estou a ir bem, o que é que mudavas? Dá-me a tua perspetiva.’ E ele devolve-me o som com um verso dele! Fiquei louco.”

[o vídeo de “Barco”, de Ivandro com Bispo:]

Os seus colaboradores mais próximos, como Bispo, Julinho KSD e os seus Instinto 26, também estão todos no álbum. “Faz todo o sentido porque fazem parte da minha história. Sinto que agora sou um trovador e que eles também fizeram parte disso. Estar a ouvir a música que eles gravavam e aprender com isso, mesmo a forma de eles estarem em estúdio… Trabalhar nos temas deles ajudou-me imenso a crescer. É como se o álbum fosse mesmo este caminho, este tempo todo que eu demorei a encontrar o que é o Ivandro.”

Por outro lado, colaborou com nomes mais improváveis de forma bastante natural. Conheceu Marisa Liz num trabalho para uma campanha publicitária, e foi num momento espontâneo de estúdio com o guitarrista e produtor FrankieOnTheGuitar — um elemento essencial no álbum de Ivandro — que tudo aconteceu. “Tínhamos acabado a sessão de estúdio, estávamos a conversar, o Frankie começa a tocar uma guitarra, eu começo a cantar, ela responde-me e assim nasceu aquele som.”

[“Chamadas”, com Van Zee:]

Com António Zambujo, um almoço tornou-se numa sessão de estúdio prolífica, que rapidamente deu frutos, num tema inspirado pela bossa nova. Ivandro trabalhou ainda com o rapper britânico M Huncho, que estava a colaborar, mais uma vez, com FrankieOnTheGuitar, e de repente entrou num tema bastante fora do seu registo para deixar a sua marca no primeiro álbum de Ivandro.

“Estou praticamente todos os dias no estúdio. A sessão estava a acontecer, o M Huncho tem a cena da máscara, depois ficou à vontade connosco e tirou-a, e eu perguntei-lhe se ele queria ouvir a minha música. Ele curtiu muito e depois mostrei-lhe a Give God Praises, para perceber se ele achava uma música fixe para se encaixar e ele curtiu. Escreveu logo na hora, os versos dele saíram super rápido.”

Pikika e Van Zee também estão no disco. Para Ivandro, trabalhar com tantos músicos — e muitos deles bastante diferentes — vem da experiência de gravar artistas, o que fez com que ganhasse versatilidade e uma forte capacidade de adaptação. “É o meu primeiro álbum, a minha apresentação, e o facto de passar por vários sabores mostra o meu crescimento. Porque ainda não tenho uma praia completamente definida.”

“Há uns anos dizia estas coisas, na altura dos 'Ídolos', e as pessoas olhavam para mim e diziam: bro, de que é que estás a falar? Hoje em dia já faz mais sentido. Mas devemos sempre apontar mais longe. Porque é esse 'feeling' que alimenta. Não que tenha de provar algo a alguém, mas sinto que encontrei algo que ninguém está a ver."

Com instrumentais assinados em conjunto com nomes como Nort, Syd -V- ou D’Ay, Ivandro privilegiou os momentos íntimos de criação em estúdio, fruto de ligações pessoais. Mas não deixou de recorrer às ferramentas da globalização digital quando sentia que algumas das canções pediam algo mais.

“Houve músicas em que a produção estava excelente, mas tivemos mesmo de procurar pessoas porque sentíamos que faltava alguma coisa. E fomos encontrar produtores da Nigéria ou do Gana, com 150 subscritores no YouTube, mas que produzem incrivelmente e tinham coisas ótimas.” Foi este espírito perfecionista, com uma grande atenção ao detalhe, que levou a que o álbum demorasse alguns anos a estar totalmente concluído. “Foi preciso pôr a mesa e preparar a cozinha para agora servir tudo numa bandeja”, explica o chef desta alegoria.

A ambição de uma carreira internacional

Aos 25 anos, com mais de 900 mil ouvintes mensais no Spotify, uma agenda recheada de concertos e uma lista de colaborações cada vez mais impressionante, Ivandro vive hoje o sonho que o pequeno Joaquim Paulo tinha há menos de uma década.

“Há uns anos dizia estas coisas, na altura dos Ídolos, e as pessoas olhavam para mim e diziam: bro, de que é que estás a falar? Hoje em dia já faz mais sentido. Mas devemos sempre apontar mais longe. Porque é esse feeling que alimenta. Não que tenha de provar algo a alguém, mas sinto que encontrei algo que ninguém está a ver. Olhem, vejam, isto realmente dá. E sempre acreditei que isto dava, por ter vivido as coisas que vivi. Fiquei sempre a pensar que não haveria razão nenhuma para as coisas não funcionarem para mim.”

"Gostava imenso de ter uma presença grande no Brasil, acho que é o sonho de muitos artistas em Portugal”, confessa Ivandro

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ainda não se sente completamente estabelecido, até porque diz que ainda há muito por fazer. Por um lado, deseja que o álbum seja realmente escutado como um só — numa altura em que o público consome menos discos e os singles, bem como as playlists, têm cada vez mais preponderância. Por outro, tem hoje assumidas ambições internacionais. Já esteve duas vezes no Brasil e planeia atuar por lá e fazer cada mais colaborações, depois de neste disco ter trabalhado com Vitor Kley e Agnes Nunes.

“Acho mesmo que a música portuguesa não precisa de cantar em inglês para crescer. Não quer dizer que amanhã não o vá fazer, mas o meu objetivo era que a minha música conforme ela é, mantendo-se original e real, indo para estúdio sem a preocupação do que é que vai sair, mas mais a pensar no que é que sinto, conseguisse transcender essa barreira que parece que existe. Gostava imenso de ter uma presença grande no Brasil, acho que é o sonho de muitos artistas em Portugal”, diz.

Quando esteve no Brasil, reuniu com artistas, agentes da indústria local e radialistas. “Sinto que cá em Portugal levou mais tempo até alguém me pedir uma foto na rua. Por isso, há potencial. Olho para o meu caminho, desde o início e até agora, por mais difícil que possa parecer, estamos efetivamente mais perto. Aos 17 anos, eu estava nos Ídolos e já falava disto. De que queria, um dia, brilhar ao nível internacional. E hoje sem dúvida que estou mais perto. Por isso, estamos a caminhar na direção certa. É continuar a investigar e a perceber o que é que faz a música passar essa barreira. Sou um sonhador, às vezes fico mesmo a sonhar acordado. Gosto de saber para onde estou a apontar. Como digo no som: vou levar-te à Lua. Se for mesmo esse o objetivo, então é o objetivo, mesmo que pareça uma loucura.”

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