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Maureen Tucker, John Cale, Sterling Morrison e Lou Reed: os revolucionários, arrojados e influentes Velvet Underground
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Maureen Tucker, John Cale, Sterling Morrison e Lou Reed: os revolucionários, arrojados e influentes Velvet Underground

Nat Finkelstein

Maureen Tucker, John Cale, Sterling Morrison e Lou Reed: os revolucionários, arrojados e influentes Velvet Underground

Nat Finkelstein

A viagem de Todd Haynes através do caos e da poesia dos Velvet Underground

Num novo documentário da Apple TV+, Todd Haynes recupera, através de um notável trabalho de arquivo, não só a história de uma banda fundamental mas também de uma Nova Iorque em ebulição.

Como fazer um documentário sobre uma banda que acabou há meio século, não deixou muitos registos de imagem e tem alguns dos seus maiores protagonistas mortos? Mais complicado ainda: como fazer um documentário sobre os Velvet Underground, o grupo mais mítico da história do rock?

Os Velvet gravaram poucos discos, foram um verdadeiro fracasso comercial enquanto existiram, mas deixaram um longo rasto de influência que ainda hoje se faz notar. Brian Eno afirmou, no início dos anos 80, que todos os que compraram The Velvet Underground & Nico, editado em 1967, acabaram por formar uma banda e ninguém o desmentiu até hoje, antes pelo contrário. O seu legado foi marcando sucessivas gerações de músicos, fazendo-se notar em bandas como Sonic Youth, Jesus and Mary Chain, Strokes ou LCD Soundsystem. De resto, basta ver quantas versões e compilações de tributo existem por aí. A mais recente, I’ll Be You Mirror, tem nomes como St Vincent, Iggy Pop, Michael Stipe ou Matt Berninger dos National, entre outros.

[o trailer do documentário “The Velvet Underground”, disponível na Apple TV+ a partir desta sexta feira:]

A história do grupo, o papel de Andy Warhol, as discórdias e os excessos, a música dos Velvet Underground, tudo isto já faz parte da cultura pop. Muitas vezes apenas têm direito a nota de rodapé ao som de “Sunday Morning” ou “Femme Fatale”, a sua face mais doce, mas também são alvo de estudos mais aprofundados e apaixonados, com dissecação de discos e músicos e vénias à complexa escuridão de canções como “Venus In Furs”, “Sister Ray” ou “Heroin”. Em todo o caso, os Velvet Underground não são um enigma total e Todd Haynes não tinha uma tarefa fácil quando decidiu fazer este documentário.

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Esta é uma época em que os documentários sobre músicos tendem a mostrar a intimidade do processo criativo e da vida quotidiana, aproximando-se quase do reality show. É verdade que ser omnipresente como o Big Brother não é bem o estilo do realizador, que sempre mostrou um talento especial para a construção dramática. Teria sido eventualmente mais fácil para Haynes optar por uma espécie de musical, na linha do que fez em “Velvet Goldmine”, em que contou livremente a história de Bowie na era Ziggy Stardust (e onde Lou Reed até é referência na figura de Curt Wild interpretada por Ewan McGregor), ou em “Não Estou Aí”, onde desconstruiu Bob Dylan em seis atores.

A maior parte dos filmes e fotos mostradas, em especial as belíssimas filmagens estáticas de Reed e Cale que enchem os primeiros minutos, bem como as imagens de concertos na Factory, são provenientes do espólio de Andy Warhol e outros artistas da cena experimental da época, mas os fãs também ajudaram a encontrar material.

Existiam dificuldades óbvias, nomeadamente Lou Reed, Nico e Andy Warhol, três figuras centrais, já terem falecido, tal como Sterling Morrison, guitarrista original da banda, e muitas outras testemunhas da história. Mas os Velvet Underground nunca foram uma banda convencional, por isso Todd Haynes sentiu-se à vontade para divergir. Recorre ao truque habitual de filmar pessoas a falar, mas é moderado no formato, está longe de confundir-se com o Canal História, como por vezes acontece. Tem obviamente entrevistas com John Cale e Maureen Tucker, os únicos elementos dos Velvet Underground ainda vivos, e com alguns amigos da época, como o compositor La Monte Young ou Mary Woronov, uma das estrelas da Factory, a irmã de Lou Reed, Mary Reed Weiner, e fãs como o músico Jonathan Richman ou o realizador Roger Waters, mas usa-as de forma contida, como componente gráfica do puzzle geral, quase sempre com o ecrã cortado.

O resto do espaço, às vezes o ecrã todo, é preenchido com espantosas imagens de arquivo. A maior parte dos filmes e fotos mostradas, em especial as belíssimas filmagens estáticas de Reed e Cale que enchem os primeiros minutos, bem como as imagens de concertos na Factory, são provenientes do espólio de Andy Warhol e outros artistas da cena experimental da época, mas os fãs também ajudaram a encontrar material. Houve um grande e notável trabalho de investigação que desencantou as imagens fascinantes e raras que Todd Haynes usa de forma bastante eficiente para preencher alguns dos vazios e colorir o sentimento da época. É nessas imagens e sons de arquivo e na forma como são usadas ao longo da história, que o filme de Todd Haynes brilha de facto.

Sem nunca perder o fio cronológico, o documentário centra-se no processo artístico e no contexto em que ocorreu e concretiza-se como uma obra experimental

Sobre os Velvet Underground propriamente ditos, não é feita nenhuma revelação, talvez alguns esclarecimentos factuais, que valem sobretudo pelo interesse de serem depoimentos na primeira pessoa, mas nada que reescreva a história. “The Velvet Underground” fala de uma banda, mas é um documentário de música bastante diferente do habitual e é isso que o torna interessante, hipnotizante até, em alguns momentos.

O filme segue uma linha cronológica, mas não conta os detalhes todos, podendo confundir quem não conheça minimamente a história. Também não entra em discursos exacerbados de mitificação, ou procura polémicas. Nem sequer tem videoclips. Sem nunca perder o fio cronológico, centra-se no processo artístico e no contexto em que ocorreu e concretiza-se como uma obra experimental, que usa colagens de som e imagem para, de algum modo, tentar ser fiel ao espírito criativo dos tempos que deram origem aos Velvet Underground.

A formação pode parecer estranha para um grupo de garage rock, tendo em conta as origens intelectuais da maior parte dos intervenientes, mas espelha o que se passava nos anos 60, com o rock'n'roll e a música pop a enfeitiçar toda a gente, incluindo os músicos do circuito mais experimental.

Na verdade, a ideia de fazer um documentário sobre a banda que Lou Reed e John Cale formaram em 1965 e a que rapidamente se juntaram Sterling Morrison e Mo Tucker, não foi de Todd Haynes. Surgiu após a morte de Lou Reed, em 2013, quando a Universal Music abordou Laurie Anderson, viúva de Reed, sobre essa possibilidade e ela deu aprovação para que fosse Todd Haynes. Esta é a primeira incursão no género do realizador americano.

Em conferência de imprensa no Festival de Cannes deste ano, onde o filme foi apresentado, Haynes afirmou que quis contar a história do encontro improvável destas pessoas no contexto cultural da Nova Iorque dos anos 60 e assim mostrar os Velvet Underground como parte de uma cena avantgarde maior. É isso que faz. Coloca os Velvet Underground no centro da efervescência artística da época e conta a sua história como parte de uma dinâmica criativa mais ampla, mostrando as poucas imagens suas que existem e muitas outras do que acontecia à sua volta.

Lou Reed, o músico de rock’n’roll, poeta e escritor de canções, ousado e temperamental que liderou os Velvet Underground

Também por causa do peso das imagens de arquivo, Andy Warhol e a Factory têm grande e justificado protagonismo no filme, mas a história começa antes, vem do encontro entre dois homens muito diferentes. John Cale, galês com formação musical clássica e prática improvisada, discípulo de John Cage e La Monte Young, convivia com a cena artística mais intelectual de Nova Iorque. Lou Reed, músico de rock’n’roll, poeta e escritor de canções, ousado e temperamental, tinha atração pelo abismo, drogas e marginalidade. Antes de serem Velvet Underground, Cale e Reed encontraram-se nos Primitives, banda em que também tocavam o músico e artista multimédia Tony Conrad e o compositor e escultor Walter de Maria, ambos amigos de Cale.

A formação pode parecer estranha para um grupo de garage rock, tendo em conta as origens intelectuais da maior parte dos intervenientes, mas espelha o que se passava nos anos 60, com o rock’n’roll e a música pop a enfeitiçar toda a gente, incluindo os músicos do circuito mais experimental. No embrião Primitives começa o diálogo criativo único, e de equilíbrio instável, entre John Cale e Lou Reed, algo que Todd Haynes explora ao longo do filme, mostrando como alimentou os Velvet Underground na sua melhor fase, no fundo, até Lou Reed ter decidido despedir John Cale depois do segundo álbum, White Light/White Heat, em 1968.

Os Velvet Underground, na altura três homens e uma miúda andrógina a tocar bateria, todos vestidos de cabedal preto, ruidosos e dissonantes, com canções sobre drogas e sexo, eram perfeitos para representar Nova Iorque como antítese dos hippies que dominavam a Califórnia e a imagem da América.

O documentário é mais intenso até esse momento de cisão, perdendo depois algum fôlego e deixando emergir o desencanto, um pouco como aconteceu com a música dos próprios Velvet. Antes de Cale, Reed já tinha despedido Andy Warhol, apesar de ter sido o apadrinhamento dele a garantir a atenção da comunidade artística e um contrato discográfico. Mas foi Warhol que chamou os Velvet Underground que, antes da Factory, já tinham dado alguns concertos e conseguido uma certa reputação iconoclasta: “era tudo trabalho”, afirma John Cale.

Em 1965, Warhol queria alargar a influência da sua “fábrica de artes” em Nova Iorque, e ter uma banda. Os Velvet Underground, na altura três homens e uma miúda andrógina a tocar bateria, todos vestidos de cabedal preto, ruidosos e dissonantes, com canções sobre drogas e sexo, eram perfeitos para representar Nova Iorque como antítese dos hippies que dominavam a Califórnia e a imagem da América. Isso agradava a Warhol. No filme, vemo-lo a apresentar os Velvet como a “maior discoteca do mundo”, parte do “Exploding Plastic Inevitable”, um espectáculo de luz, som e imagem, que chegou a andar em digressão (sem grande sucesso) mas que serviu para levar a música dos Velvet, e a arte e atitude da Factory, para fora de Nova Iorque.

Todd Haynes pode não ter feito o documentário definitivo sobre os Velvet Underground, mas soube enquadrá-los num cenário artístico maior e tirou grande proveito visual disso

Também ouvimos depoimentos sobre a insistência de Warhol para terem uma cantora loura, que contrastasse com o ar sombrio do resto da banda. É assim que Nico, a ice queen alemã, que já tinha carreira como modelo e atriz (poucos anos antes tinha brilhado em “La Dolce Vitta” de Fellini), entra na história, pela mão de Warhol. Nico não tinha uma voz vulgar ou afinada, mas era incrivelmente carismática e a junção de todas as partes teve efeitos mágicos. Chega a ser estranho perceber como a imposição externa de uma cantora, por questões meramente visuais, a uma banda transgressora, resultou de forma tão extraordinária. The Velvet Undeground & Nico está cheio de saturação e ruído mas é imaculado na sua essência, uma das obras mais importantes da história da música, editada originalmente numa capa assinada por Warhol em que a banana podia ser descascada. A ideia era literalmente vender o disco pela capa.

Todd Haynes pode não ter feito o documentário definitivo sobre os Velvet Underground, mas soube enquadrá-los num cenário artístico maior e tirou grande proveito visual disso. Mais do que a história de uma banda que revolucionou o rock e soube ser, como diz Cale, “elegante e brutal”, o documentário de Todd Haynes é uma espécie de arquivo organizado de imagens de uma época em que a arte estava empenhada em expandir as suas possibilidades. E os 7 minutos de ficha técnica com que termina vão ajudar muitas pesquisas.

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