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Chamaram-lhes “acordos secretos”, foram depois conhecidos alguns pontos, mas são agora finalmente conhecidos na totalidade. Os acordos de governação nos Açores (entre PSD, CDS e PPM) e de incidência parlamentar (entre PSD, CDS, PPM e Chega; e entre PSD e Iniciativa Liberal) vêm tornar mais claro como será a governação do executivo de direita liderado pelo presidente do PSD/Açores, José Manuel Bolieiro. Os três acordos — aos quais o Observador teve acesso (e que pode ler aqui, aqui e aqui) — mostram que o acordo entre PSD, CDS e PPM é para duas legislaturas, que o CDS assinou mesmo um acordo com o Chega — ao contrário do que tinha sugerido o seu presidente — e que a Iniciativa Liberal conseguiu firmar a ideia de privatizar ou extinguir empresas públicas e reduzir o número de funcionários públicos nos Açores.
No texto é possível ainda verificar que o acordo com o Chega “prevê” que haja também um entendimento com o PSD para uma revisão constitucional a nível nacional e que, no ponto da redução da subsidiodependência, é aberta a porta para que os beneficiários de RSI tenham de prestar trabalho comunitário, já que é estabelecido que devem aumentar a sua “colaboração com a comunidade em que estão inseridos”. Estas são apenas algumas das novidades que escondiam os acordos agora conhecidos.
Afinal, CDS também assinou acordo com o Chega
O presidente do CDS tinha dito há dois dias, no Largo do Caldas, que o partido que lidera não tinha feito qualquer negociação com o Chega. Francisco Rodrigues dos Santos afirmou mesmo: “O CDS celebrou um acordo para a formação de governo apenas com o PSD e com o PPM, isto que fique muito claro”. Na verdade, o CDS só assinou com aqueles partidos o acordo de governação — mas assinou, ao contrário do que sugere o seu líder, um acordo de incidência parlamentar com o Chega (e só com o Chega; com o IL, não).
Nessas declarações, o líder centrista afasta-se o máximo que pode do Chega: “Coube ao PSD conseguir viabilizar parlamentarmente o governo de aliança democrática e, como vimos, isso aconteceu através de uma manobra escapatória que o Chega encontrou para identificar nos programas do PSD medidas com as quais concorda”. No entanto, no acordo ao qual o Observador teve acesso, diz claramente: “O PSD/Açores, o CDS/PP Açores, o PPM/Açores e o Chega/Açores assinam o presente acordo de incidência parlamentar, assente nos seguintes princípios e orientação programática a incluir no Programa de Governo…”
No fim do documento, que tem a data de 6 de novembro mas foi esta sexta-feira, 13, ratificado pelo conselho regional do PSD/Açores, está o verdadeiro teste do algodão, com a assinatura de Artur Lima, líder do CDS/Açores e vice-presidente de Francisco Rodrigues dos Santos no CDS nacional.
O caso já está a correr nos críticos de Francisco Rodrigues dos Santos no CDS, que aproveitam esta falha para mais um ataque à liderança do atual presidente centrista. O primeiro a alertar para esta realidade foi o líder do Bloco de Esquerda Açores, António Lima, ao final da noite de sexta-feira, através de uma publicação no Facebook.
Já este sábado, o presidente do CDS/Açores veio reiterar o que tinha dito Francisco Rodrigues dos Santos, que o “acordo de governo foi apenas assinado com o PSD e com o PPM”, mas assume que “num espírito de lealdade institucional para com o PSD Açores, e como forma de confirmar a coesão da solução de Governo entre PSD, CDS e PPM, o CDS Açores, ao abrigo das suas competências próprias, assinou também o acordo de incidência parlamentar do PSD Açores com o CH Açores.”
RSI. Acordo com Chega e IL prevê beneficiários a trabalhar mais na comunidade
Tem sido uma batalha do Chega a nível nacional. O deputado e líder do partido, André Ventura, já entregou até um projeto de resolução na Assembleia da República em que defende que o Governo deve promover a “inclusão de trabalho obrigatório em favor da comunidade nos programas de atribuição do RSI” e também que “promova a criação de um Gabinete de Trabalho Social (GTS), que avalie as condições de cada um dos beneficiários do RSI para prestar trabalho a favor da comunidade ao longo de todo o tempo de benefício desse subsídio social.” Na mesma iniciativa, André Ventura solicita a “criação imediata de um novo gabinete de fiscalização da atribuição do RSI, garantindo que os seus beneficiários são cidadãos que efetivamente necessitam, pontualmente, de apoio público, e não cidadãos dependentes e conformados com a dependência de recursos públicos”.
Na verdade, André Ventura não conseguiu impor esta obrigatoriedade no acordo dos Açores, mas abre a porta a que os beneficiários de RSI possam ter de trabalhar na comunidade, quando diz que deve ser aumentada a “sua colaboração com a comunidade em que estão em inseridos”. Mesmo sem estar firmada esta obrigatoriedade, fica dado um primeiro passo nesse sentido.
ACORDO PSD-CDS-PPM-CH: “Os partidos signatários comprometem-se, durante a atual legislatura, a criar condições de desenvolvimento económico, promoção da inclusão social, laboral, de competências pessoais, sociais e profissionais, quebrando o ciclo de pobreza, permitindo reduzir até ao final da legislatura, através da inserção social e laboral, o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção, em idade ativa, com capacidade de trabalho, aumentando a sua colaboração com a comunidade onde estão inseridos e fiscalizando de modo eficiente a sua atribuição, considerando-se para e para o efeito a atual situação económica da região.”
Ainda que, com algumas diferenças, também o acordo com a Iniciativa Liberal (este só entre o PSD e a Iniciativa Liberal) prevê que os beneficiários de RSI tenham que fazer trabalho comunitário. A IL simplesmente acrescenta que este aumento da colaboração deve ter “o entendimento de que a concessão deste apoio deve ter um carácter temporário”.
ACORDO PSD-IL: “Os partidos signatários comprometem-se, durante a atual legislatura, a criar condições de desenvolvimento económico, promoção da inclusão social, laboral, de competências pessoais, sociais e profissionais, quebrando o ciclo de pobreza, permitindo desta forma reduzir, através da inserção social e laboral o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), em idade ativa, com capacidade de trabalho, aumentando a sua colaboração com a comunidade onde estão inseridos, no entendimento de que a concessão deste apoio deve ter um carácter temporário, devendo a sua atribuição ser fiscalizada, no cumprimento da lei.”
O que fica claro em ambos os acordos é uma maior fiscalização na atribuição destes subsídios, uma das bandeiras de André Ventura. Neste particular, é tudo mais claro e já assumido pelo PSD. No comunicado da Comissão Permanente, a direção de Rui Rio assume que o PSD nos Açores defende que é preciso “dar e aumentar rendimentos fruto do trabalho, reduzindo a necessidade de subsídios e fiscalizando melhor a sua atribuição é, seguramente, um objetivo social-democrata.”
No acordo há ainda um ponto em que o Chega conseguiu que o poder de atribuir acordos passe pela Assembleia Legislativa, onde terá um grupo parlamentar. Diz o texto do acordo que é consagrado o “alargamento das competências da comissão parlamentar de assuntos sociais à avaliação da atribuição de apoios e fundos”.
Acordo com Chega não obriga, mas “prevê” revisão constitucional a nível nacional
Nestes dias, houve dúvidas sobre se existia ou não um acordo nacional entre o PSD e o Chega, que foi sempre negado pela São Caetano à Lapa. Olhando para o acordo entre PSD-CDS-PPM-CH, não há nenhum acordo para uma revisão constitucional a nível nacional, mas isso é colocado como uma espécie de esperança ou previsão.
O acordo nos Açores diz o seguinte:
Os signatários expressam a necessidade de aprofundamento institucional da autonomia, que pressupõe nesta Legislatura a abertura de um processo de revisão constitucional, à semelhança do que se prevê que aconteça a nível nacional, objetivando-se a adaptação da Constituição em função das realidades atuais, em matérias estruturantes para o pleno e harmonioso desenvolvimento da Região.”
Ora, é verdade, como diz o PSD, que o acordo só admite a abertura de um processo de revisão constitucional para adaptar a constituição em função de realidades atuais, em matérias estruturantes para a Região Autónoma dos Açores. No entanto, é inegável que o texto refere que “se prevê que aconteça a nível nacional” um acordo similar.
Paralelamente, no acordo que fez com o Chega, fica clara uma espécie de cláusula de defesa de valores e do Estado de direito:
Os signatários reafirmam o respeito pela dignidade e valor da pessoa humana, pelos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente e na Declaração Universal dos Direitos do Homem que deve ter expressão nos princípios e orientação programática do programa de Governo.”
O acordo prevê, como tem sido assumido por Chega e PSD, uma “alteração da lei eleitoral, contemplando o número de deputados e estudando a limitação de mandatos”, mas também a ideia de criar um “círculo eleitoral próprio na eleição de deputados ao Parlamento Europeu”.
Chega amarrado para a legislatura a votar documentos estruturais
No acordo que assinou com os partidos do Governo liderado pelo PSD, o Chega compromete-se a “votar solidariamente” todos os documentos necessários para a estabilidade governativa, que são especificados: “Programa de governo; moções de confiança ou censura; plano e orçamento [regional]”.
Entre outras medidas do acordo com o Chega está a ideia de a Assembleia Legislativa exercer “uma fiscalização política mais eficaz do Governo, da Administração Pública e das empresas integradas no sector público empresarial regional”, o combate ao “subfinanciamento crónico do Serviço Regional de Saúde (exigência de médico e enfermeiro de saúde para cada açoriano)” e um novo modelo de transporte de passageiros e carga inter-ilhas.
IL conseguiu incluir no acordo privatização ou extinção de empresas públicas
O acordo com a Iniciativa Liberal prevê um forte redução do peso do Estado na região. A IL tem defendido a ideia, corroborada pelo PSD, de que há uma grande máquina regional desnecessária que foi criada apenas para alimentar “boys” e “girls” do PS nos últimos 24 anos de governação. O acordo com a IL prevê privatizações (“alienação das participações”) ou mesmo a “extinção de empresas”.
ACORDO PSD-IL: Uma nova estratégia política para o sector público empresarial regional deve assentar numa clara racionalização deste sector com a redução da sua dimensão ou expressão, nomeadamente através da alienação das participações sociais detidas ou da extinção de empresas que, pela sua natureza ou função, não devam estar integradas num setor empresarial regional.
Paralelamente, a IL também conseguiu impor uma redução de funcionários públicos através de reformas antecipadas. O acordo prevê assim a “racionalização dos serviços públicos da Adiministração Pública, que passa pela extinção de serviços inúteis, de serviços de funções sobrepostas, pela fusão ou integração de serviços, pela racionalização de efetivos, através de um programa de reformas antecipadas, que diminuindo o número de trabalhadores, permita o rejuvenescimento da Administração Pública”.
Redução dos impostos e o privado como complemento na saúde
Os impostos são para baixar até ao máximo permitido. O acordo entre o PSD e a IL é claro relativamente à política fiscal a ser adotada e já para o próximo ano:
A região baixará o IRS, IRC e IVA até ao limite do diferencial fiscal legalmente permitido. As medidas são adotadas com a entrada em vigor do OE regional para 2021“
No próprio acordo de governação a três (entre PSD, CDS e PPM) está a indicação de que na saúde deve ser admitido o “recurso a alternativas no setor social e privado — as quais não devem ser recusadas por motivos ideológicos — garantindo a universalidade e celeridade no acesso aos cuidados de saúde por parte dos açorianos”. Os acordos com Chega e IL reforçam esta ideia, mas, mesmo no acordo com os liberais é colocada a seguinte frase: “Uma política de promoção de saúde e prevenção da doença e na adequada gestão dos recursos deve começar por esgotar a capacidade de resposta do Serviço Regional de Saúde.
A IL conseguiu ainda chegar a acordo com o PSD para um “plano de simplificação e desburocratizarão na Administração Pública e na sua relação com cidadãos, com recurso às novas tecnologias”. Este simplex regional deverá entrar em vigor “6 meses após o Orçamento regional para 2021.”
Estrutura de combate à corrupção e relatório semestral
É uma das medidas mais pacíficas, mas o acordo vem especificar melhor como será a nova estrutura de combate à corrupção nos Açores. O acordo entre os partidos do Governo liderado pelo PSD e o Chega prevê a criação de uma “estrutura destinada à prevenção e combate à corrupção, que promova a integridade na esfera pública”. Paralelamente a isso, o Governo fica obrigado a apresentar um “relatório semestral” à Assembleia Legislativa “sobre a prevenção e combate à corrupção”. Além disso, é obrigatória a “audição parlamentar anual do responsável da estrutura destinada ao combate à corrupção”.
Numa forma mais genérica é ainda defendido um “novo modelo de governação”, que seja “mais próximo das pessoas, mais transparente, mais humilde”.