A sondagem do canal ZDF publicada esta sexta-feira não dá margem para quaisquer dúvidas. Um total de 84% dos alemães defende a realização de eleições federais antecipadas e apenas 13% se opõe. A Alemanha iria a votos a 28 de setembro de 2025, mas, esta quarta-feira, a coligação que governa o país desde 2021 colapsou. A governabilidade do país tornou-se uma tarefa quase impossível e a confiança entre os antigos parceiros ficou irremediavelmente danificada. Inicialmente, o chanceler Olaf Scholz sugeriu submeter o seu governo a uma moção de confiança a 15 de janeiro (o que levaria a eleições até ao final de março), mas o líder germânico já admitiu estar disposto a discutir uma nova data.
Para a maioria dos alemães as eleições até deviam ter lugar antes de março: 54% dos inquiridos da sondagem da ZDF defende essa opção, enquanto 30% concordam em esperar até lá. Os alemães parecem reconhecer as dificuldades para governar o país que terá à frente uma coligação formada agora apenas entre o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, sigla em alemão, e pertencente à família dos socialistas europeus) e os Verdes, aliança que perdeu na quarta-feira o apoio do Partido Liberal Democrático (FDP, sigla em alemão).
Não são apenas as difíceis condições para governar o país que motivam o desejo dos alemães irem a votos. É também o seu desejo de mudança de ciclo político. Uma sondagem publicada dias antes da crise política pelo canal estatal ARD mostra que 85% dos alemães estão insatisfeitos com a atuação do governo liderado por Olaf Scholz. Os eleitores já tinham dado, aliás, dado um cartão amarelo ao SPD, aos Verdes e ao FDP nas eleições europeias em meados de junho: todos estes partidos obtiveram péssimos resultados, sendo que os sociais-democratas sofreram uma humilhação (14%) e foram superados pelo partido de extrema-direita, a Alternativa para a Alemanha (AfD, sigla em alemão).
Por sua vez, o centro-direita obteve uma sólida vitória nas europeias e está bem colocado para ganhar as próximas eleições federais. Friedrich Merz, o líder da União Democrática Cristã (CDU, sigla em alemão) e que poderá tornar-se o próximo chanceler, já veio deixar duras críticas ao ato “irresponsável” de Olaf Scholz em ter proposto a moção de confiança em janeiro: “A vasta maioria do eleitorado alemão acredita que esta gestão é irresponsável”, assinalou, acusando o líder do SPD de colocar os “interesses político-partidários” acima do país.
O falhanço da coligação, que conciliava posições ideológicas distintas, complica ainda mais o futuro político de Olaf Scholz. O chanceler, que sucedeu a Angela Merkel, nunca impressionou os alemães e teve de lidar, logo no início do mandato, com as consequências do início da guerra na Ucrânia. Simultaneamente, não está a conseguir dar a volta ao contexto económico de recessão na Alemanha, um dos principais motores económicos da União Europeia (UE).
Uma coligação com vontades irreconciliáveis e o fator Trump: o que motivou a crise política?
Na Alemanha, um sistema político multipartidário, é comum a formação de coligações entre os partidos de esquerda e direita, próximos do centro político. Existe a Jamaica, assim conhecida pelas cores dos partidos que reúne: o preto do centro-direita (a CDU e a CSU, a União Social-Cristã da Baviera), o amarelo dos liberais e o verde dos Verdes. E a Semáforo, que governava a Alemanha até esta quarta-feira: junta o vermelho dos sociais-democratas, o amarelo do FDP e o verde dos Verdes.
Apesar destas alianças serem habituais, não significa que não estejam imunes a riscos. Na coligação Semáforo de Olaf Scholz, o problema residia principalmente na pasta das Finanças, ocupada pelo presidente dos liberais, Christian Lindner. Defensora da livre iniciativa, de menos impostos e de um Estado mais magro, a FDP entrou em rota de colisão com o modelo económico da SPD, um partido social-democrata que defende o Estado de bem-estar social.
Mesmo com as diferenças ideológicas, a coligação ainda durou três anos — mas não ficou livre de ressentimentos de parte a parte. Na conferência de imprensa em que anunciou ao país a demissão do ministro das Finanças, Olaf Scholz não poupou críticas ao liberal. “Ele quebrou a minha confiança demasiadas vezes. O seu egoísmo é incompreensível. Não há base de confiança para uma cooperação”, atacou o chanceler, acrescentando que Christian Lindner “está mais preocupado com a sua clientela e a sobrevivência do seu partido”.
O líder dos liberais retribuiu as críticas ao chanceler. Christian Lindner acusou Olaf Scholz de “banalizar durante muito tempo” as preocupações económicas dos alemães e de apresentar propostas “fracas, pouco ambiciosas e que não contribuem para ultrapassar a diminuição de crescimento do país”. O presidente do FDP foi ainda mais longe, frisando que a declaração do líder germânico foi “cuidadosamente preparada” para causar a “rutura da coligação”, que tinha sido “planeada de antemão”.
No meio disto tudo, os Verdes lamentaram a troca de acusações e a dissolução da coligação. O vice-chanceler e membro do partido, Robert Habeck, recordou a eleição de Donald Trump como novo Presidente norte-americano para criticar o timing da decisão “errada” do SPD e do FDP: “Absolutamente trágico que isto aconteça num dia como este [quarta-feira passada], em que a Alemanha devia mostrar unidade e capacidade de agir na Europa. Não era necessário que isto terminasse assim”. Ainda assim, os Verdes manter-se-ão coligados com os sociais-democratas.
A eleição de Donald Trump como novo Presidente poderá ter mesmo precipitado a crise política na Alemanha. O republicano é conhecido por apostar numa economia protecionista, não tendo pruridos em aplicar taxas alfandegárias mesmo a países como boas relações com Washington. Esta possibilidade está a preocupar os dirigentes germânicos, uma vez que os Estados Unidos são o principal parceiro comercial do país. Além disso, existe a possibilidade de o Presidente eleito poder terminar com o apoio militar e financeiro à Ucrânia, sendo que Berlim poderia ter de acarretar com muitos dos custos do esforço de guerra ucraniano.
Face à vitória do republicano, vários rostos do FDP já tinham alertado que a Alemanha tinha de reagir. “Após o resultado das eleições nos EUA, uma coisa é certa: a Alemanha deve voltar ao topo na economia. Tudo dependerá da nossa força económica nos próximos anos”, afirmou o líder do parlamentar dos liberais, Christian Dürr, horas depois da vitória do republicano, apelando: “A coligação deve reunir forças para um recomeço económico”. A mesma ideia foi expressa pelo ex-ministro da Justiça, Marco Buschmann: “Um novo ciclo económico na Alemanha é mais importante do que nunca”.
As novas ideias dos liberais de um “recomeço económico” não terão sido aceites por Olaf Scholz. A tensão já se vinha acumulando ao longo dos últimos três anos e as divergências para elaborar um orçamento para 2025 foram o ponto sem retorno. Os liberais defendem uma ampla redução de impostos para as empresas e a redução de metas de proteção climática que consideram demasiado ambiciosas — e salientam que a eleição de Donald Trump deve obrigar a medidas mais drásticas.
Nem Verdes, nem o SPD estavam dispostos a ceder às propostas do FDP, o partido com menos deputados no parlamento dos três da coligação. Os liberais até propuseram a Olaf Scholz a elaboração de um orçamento suplementar para 2024, manifestando abertura a um governo de gestão até à entrada em funções de um novo executivo. O chanceler alemão recusou a proposta e demitiu Christian Lindner, avariando o semáforo e perdendo a maioria que dispunha no parlamento alemão.
Para vários sociais-democratas e para os Verdes, o estímulo à economia alemã passava pela suspensão do “travão da dívida”, plasmado na Constituição germânica. A medida limita o recurso do Governo a empréstimos, que podem levar a aumento significativo da dívida pública. Os liberais opunham-se a esta medida e, após a demissão, Christian Lindner criticou o que diz ser um “ultimato” do chanceler. “Quis que eu suspendesse o travão constitucional da dívida. Não podia fazer isso. Quebraria o meu juramento”, vincou.
Centro-direita sugere eleições a 19 de janeiro — e novo governo tomava posse no mesmo dia do que Donald Trump
A moção de confiança proposta pelo SPD terá um desfecho muito provável: o chumbo. Os liberais e os partidos de direita deverão votar contra a proposta — e esse cenário é o fim do governo de Olaf Scholz. Significa igualmente a convocação de eleições antecipadas até ao final de março, não estando ainda uma data fechada. Após as recentes sondagens e os apelos da direita, o chanceler deu sinais de ter repensado o calendário e pediu um “debate sereno”, que poderá ajudar a “responder à questão de saber qual é o momento certo” para a votação de uma moção de confiança que conduza à antecipação do ato eleitoral.
No entender de Friedrich Merz , o líder da oposição, a Alemanha não se pode dar ao luxo de “ter um governo sem maioria por muitos meses”, argumentando que existem uma série de “compromissos internacionais, conferências e decisões na União Europeia que requer um governo federal alemão que seja capaz de agir”. Assim, defende o presidente da CDU, a moção de confiança deve ser votada nos próximos dias. A presidente da Alternativa para a Alemanha, Alice Weidel, sugere que a moção de confiança também deve ser votada o mais cedo possível: “Deve abrir caminho para novas eleições”.
A chegada de Donald Trump novamente à Casa Branca preocupa Friedrich Merz. O líder da CDU avançou, esta sexta-feira, com uma data para as eleições. 19 de janeiro de 2025. A acontecer, quer o novo chanceler alemão, quer o novo Presidente norte-americano tomavam posse no mesmo dia: 20 de janeiro. “Com dois meses e meio, há tempo suficiente para se preparar eleições”, sustentou o líder da CDU, lembrando o que aconteceu em França em meados deste ano, em que no Presidente francês, Emmanuel Macron, convocou eleições em quatro semanas, após o debacle que o seu partido Renascença sofreu nas eleições europeias.
Apesar da sugestão do líder da oposição, o órgão federal que gere a realização de eleições já veio alertar para os riscos de eleições demasiadamente antecipadas. Ao Der Spiegel, a instituição lembra que “é necessário poder utilizar plenamente os 60 dias a contar da dissolução do parlamento alemão” — e que esses 60 dias apanham a época festiva pelo meio. Tudo isto cria, segundo o organismo, obstáculos “imprevisíveis a todos os níveis” que poderiam prejudicar a realização de eleições.
Mesmo com eleições antecipadas, cenário é de incerteza na Alemanha
As sondagens até agora publicadas dão um cenário pós-eleitoral marcado pela incerteza. A CDU e a CSU deverão vencer as eleições com relativamente facilidade — o centro-direita alemão obterá um resultado na ordem dos 33%. Mas esse resultado não será suficiente para formar uma maioria estável no parlamento e os dois partidos terão de se coligar a outras forças partidárias.
Se o centro-direita deverá sair como uma vencedora nas eleições (sejam elas antecipadas ou não), o centro-esquerda será altamente prejudicado. O SPD de Olaf Scholz deverá obter, segundo as sondagens, um resultado na ordem dos 16%, uma queda aparatosa quando comparado com 2021 (25,7%). E é inclusivamente superado pelo Alternativa para a Alemanha. A formação política de extrema-direita terá cerca de 18% das intenções de voto — o seu melhor resultado de sempre.
Germany, Forschungsgruppe Wahlen poll:
CDU/CSU-EPP: 33% (+2)
AfD-ESN: 18%
SPD-S&D: 16%
GRÜNE-G/EFA: 12% (+1)
BSW-NI: 6% (-2)
LINKE-LEFT: 4%
FDP-RE: 3%+/- vs. 15-17 October 2024
Fieldwork: 5-7 November 2024
Sample size: 1,231➤ https://t.co/obOCVirbpF#btw25 #Bundestag… pic.twitter.com/NtGC7tTEpW
— Europe Elects (@EuropeElects) November 8, 2024
Prejudicados serão os Verdes e os liberais. Enquanto os primeiros obterão um resultado na ordem dos 12%, a FDP corre o risco de nem sequer figurar no parlamento alemão. Na Alemanha, um partido que obtenha menos de 5% dos votos em eleições não tem representação parlamentar. E as sondagens apontam para um resultado entre os 3 e os 5% para o partido liderado por Christian Lindner. O Die Linke, o mais à esquerda do hemiciclo, também deverá desaparecer, ao passo que os deputados da aliança populista de Sahra Wagenknecht deverão ser eleitos (com cerca de 6%).
Feitas as contas com as atuais sondagens, existem três cenários prováveis no pós-eleições na Alemanha: uma aliança à direita, algo inconcebível para a CDU; um bloco central; ou uma coligação entre os Verdes e o centro-direita. Convém realçar, no entanto, que a campanha eleitoral e os próximos tempos poderão mudar as tendências de voto.
Mesmo assim, perante os atuais resultados das sondagens, é compreensível que a direita deseje eleições na Alemanha o mais cedo possível. A CDU e a CSU querem retornar ao poder, enquanto a AfD sonha chegar a segunda força política no país. Em contrapartida, Olaf Scholz deverá sofrer uma derrota de proporções históricas, querendo ganhar tempo para evitar esse cenário.
Não será fácil recuperar a popularidade para Olaf Scholz, líder cuja atuação apenas 18% dos alemães aprovavam em setembro. Para essa taxa de impopularidade, contou a sua abordagem pragmática e alguma relutância em tomar decisões. Essa indecisão ficou visível com a sua gestão da coligação Semáforo. As divergências entre os três partidos tornavam-se públicas e davam a imagem de um Olaf Scholz “moderador” do que propriamente um chanceler. “Ele é demasiado reativo, mantendo o mesmo caminho durante demasiado tempo”, comentava ao Financial Times Wolfgang Schroeder, cientista político na Universidade de Kassel.
Numa altura de desafio para a Europa devido à reeleição de Donald Trump, a Alemanha parece estar sem rumo após o término da coligação que governou o país durante três anos. Economicamente, os sinais não são positivos e os problemas estendem-se ao campo político. Se os indicadores das sondagens estiverem certos, os três partidos da coligação semáforo serão fortemente castigados por isso.