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O chanceler, que sucedeu a Angela Merkel, nunca impressionou os alemães

dpa/picture alliance via Getty I

O chanceler, que sucedeu a Angela Merkel, nunca impressionou os alemães

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Alemães querem ir a votos, mas Scholz prefere esperar. Chanceler tenta evitar derrota quase inevitável?

Alemanha vive tempos de incerteza após fim da coligação que governou o país. Maioria dos alemães pedem eleições antecipadas o mais cedo possível. Scholz quer esperar por moção de confiança em janeiro.

A sondagem do canal ZDF publicada esta sexta-feira não dá margem para quaisquer dúvidas. Um total de 84% dos alemães defende a realização de eleições federais antecipadas e apenas 13% se opõe. A Alemanha iria a votos a 28 de setembro de 2025, mas, esta quarta-feira, a coligação que governa o país desde 2021 colapsou. A governabilidade do país tornou-se uma tarefa quase impossível e a confiança entre os antigos parceiros ficou irremediavelmente danificada. Inicialmente, o chanceler Olaf Scholz sugeriu submeter o seu governo a uma moção de confiança a 15 de janeiro (o que levaria a eleições até ao final de março), mas o líder germânico já admitiu estar disposto a discutir uma nova data.

Para a maioria dos alemães as eleições até deviam ter lugar antes de março: 54% dos inquiridos da sondagem da ZDF defende essa opção, enquanto 30% concordam em esperar até lá. Os alemães parecem reconhecer as dificuldades para governar o país que terá à frente uma coligação formada agora apenas entre o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, sigla em alemão, e pertencente à família dos socialistas europeus) e os Verdes, aliança que perdeu na quarta-feira o apoio do Partido Liberal Democrático (FDP, sigla em alemão).

Não são apenas as difíceis condições para governar o país que motivam o desejo dos alemães irem a votos. É também o seu desejo de mudança de ciclo político. Uma sondagem publicada dias antes da crise política pelo canal estatal ARD mostra que 85% dos alemães estão insatisfeitos com a atuação do governo liderado por Olaf Scholz. Os eleitores já tinham dado, aliás, dado um cartão amarelo ao SPD, aos Verdes e ao FDP nas eleições europeias em meados de junho: todos estes partidos obtiveram péssimos resultados, sendo que os sociais-democratas sofreram uma humilhação (14%) e foram superados pelo partido de extrema-direita, a Alternativa para a Alemanha (AfD, sigla em alemão).

Por sua vez, o centro-direita obteve uma sólida vitória nas europeias e está bem colocado para ganhar as próximas eleições federais. Friedrich Merz, o líder da União Democrática Cristã (CDU, sigla em alemão) e que poderá tornar-se o próximo chanceler, já veio deixar duras críticas ao ato “irresponsável” de Olaf Scholz em ter proposto a moção de confiança em janeiro: “A vasta maioria do eleitorado alemão acredita que esta gestão é irresponsável”, assinalou, acusando o líder do SPD de colocar os “interesses político-partidários” acima do país.

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O falhanço da coligação, que conciliava posições ideológicas distintas, complica ainda mais o futuro político de Olaf Scholz. O chanceler, que sucedeu a Angela Merkel, nunca impressionou os alemães e teve de lidar, logo no início do mandato, com as consequências do início da guerra na Ucrânia. Simultaneamente, não está a conseguir dar a volta ao contexto económico de recessão na Alemanha, um dos principais motores económicos da União Europeia (UE).

Uma coligação com vontades irreconciliáveis e o fator Trump: o que motivou a crise política?

Na Alemanha, um sistema político multipartidário, é comum a formação de coligações entre os partidos de esquerda e direita, próximos do centro político. Existe a Jamaica, assim conhecida pelas cores dos partidos que reúne: o preto do centro-direita (a CDU e a CSU, a União Social-Cristã da Baviera), o amarelo dos liberais e o verde dos Verdes. E a Semáforo, que governava a Alemanha até esta quarta-feira: junta o vermelho dos sociais-democratas, o amarelo do FDP e o verde dos Verdes.

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Líderes alemães da coligação Semáforo

AFP via Getty Images

Apesar destas alianças serem habituais, não significa que não estejam imunes a riscos. Na coligação Semáforo de Olaf Scholz, o problema residia principalmente na pasta das Finanças, ocupada pelo presidente dos liberais, Christian Lindner. Defensora da livre iniciativa, de menos impostos e de um Estado mais magro, a FDP entrou em rota de colisão com o modelo económico da SPD, um partido social-democrata que defende o Estado de bem-estar social.

Mesmo com as diferenças ideológicas, a coligação ainda durou três anos — mas não ficou livre de ressentimentos de parte a parte. Na conferência de imprensa em que anunciou ao país a demissão do ministro das Finanças, Olaf Scholz não poupou críticas ao liberal. “Ele quebrou a minha confiança demasiadas vezes. O seu egoísmo é incompreensível. Não há base de confiança para uma cooperação”, atacou o chanceler, acrescentando que Christian Lindner “está mais preocupado com a sua clientela e a sobrevivência do seu partido”.

O líder dos liberais retribuiu as críticas ao chanceler. Christian Lindner acusou Olaf Scholz de “banalizar durante muito tempo” as preocupações económicas dos alemães e de apresentar propostas “fracas, pouco ambiciosas e que não contribuem para ultrapassar a diminuição de crescimento do país”. O presidente do FDP foi ainda mais longe, frisando que a declaração do líder germânico foi “cuidadosamente preparada” para causar a “rutura da coligação”, que tinha sido “planeada de antemão”.

"Ele quebrou a minha confiança demasiadas vezes. O seu egoísmo é incompreensível. Não há base de confiança para uma cooperação"
Olaf Scholz sobre Christian Lindner, ministro das Finanças demitido e líder do Partido Liberal Democrático (FDP)

No meio disto tudo, os Verdes lamentaram a troca de acusações e a dissolução da coligação. O vice-chanceler e membro do partido, Robert Habeck, recordou a eleição de Donald Trump como novo Presidente norte-americano para criticar o timing da decisão “errada” do SPD e do FDP: “Absolutamente trágico que isto aconteça num dia como este [quarta-feira passada], em que a Alemanha devia mostrar unidade e capacidade de agir na Europa. Não era necessário que isto terminasse assim”. Ainda assim, os Verdes manter-se-ão coligados com os sociais-democratas.

A eleição de Donald Trump como novo Presidente poderá ter mesmo precipitado a crise política na Alemanha. O republicano é conhecido por apostar numa economia protecionista, não tendo pruridos em aplicar taxas alfandegárias mesmo a países como boas relações com Washington. Esta possibilidade está a preocupar os dirigentes germânicos, uma vez que os Estados Unidos são o principal parceiro comercial do país. Além disso, existe a possibilidade de o Presidente eleito poder terminar com o apoio militar e financeiro à Ucrânia, sendo que Berlim poderia ter de acarretar com muitos dos custos do esforço de guerra ucraniano.

Face à vitória do republicano, vários rostos do FDP já tinham alertado que a Alemanha tinha de reagir. “Após o resultado das eleições nos EUA, uma coisa é certa: a Alemanha deve voltar ao topo na economia. Tudo dependerá da nossa força económica nos próximos anos”, afirmou o líder do parlamentar dos liberais, Christian Dürr, horas depois da vitória do republicano, apelando: “A coligação deve reunir forças para um recomeço económico”. A mesma ideia foi expressa pelo ex-ministro da Justiça, Marco Buschmann: “Um novo ciclo económico na Alemanha é mais importante do que nunca”.

As novas ideias dos liberais de um “recomeço económico” não terão sido aceites por Olaf Scholz. A tensão já se vinha acumulando ao longo dos últimos três anos e as divergências para elaborar um orçamento para 2025 foram o ponto sem retorno. Os liberais defendem uma ampla redução de impostos para as empresas e a redução de metas de proteção climática que consideram demasiado ambiciosas — e salientam que a eleição de Donald Trump deve obrigar a medidas mais drásticas.

Nem Verdes, nem o SPD estavam dispostos a ceder às propostas do FDP, o partido com menos deputados no parlamento dos três da coligação. Os liberais até propuseram a Olaf Scholz a elaboração de um orçamento suplementar para 2024, manifestando abertura a um governo de gestão até à entrada em funções de um novo executivo. O chanceler alemão recusou a proposta e demitiu Christian Lindner, avariando o semáforo e perdendo a maioria que dispunha no parlamento alemão.

Para vários sociais-democratas e para os Verdes, o estímulo à economia alemã passava pela suspensão do “travão da dívida”, plasmado na Constituição germânica. A medida limita o recurso do Governo a empréstimos, que podem levar a aumento significativo da dívida pública. Os liberais opunham-se a esta medida e, após a demissão, Christian Lindner criticou o que diz ser um “ultimato” do chanceler. “Quis que eu suspendesse o travão constitucional da dívida. Não podia fazer isso. Quebraria o meu juramento”, vincou.

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Olaf Scholz e Christian Lindner entraram em rota de colisão nas negociações para o orçamento

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Centro-direita sugere eleições a 19 de janeiro — e novo governo tomava posse no mesmo dia do que Donald Trump

A moção de confiança proposta pelo SPD terá um desfecho muito provável: o chumbo. Os liberais e os partidos de direita deverão votar contra a proposta — e esse cenário é o fim do governo de Olaf Scholz. Significa igualmente a convocação de eleições antecipadas até ao final de março, não estando ainda uma data fechada. Após as recentes sondagens e os apelos da direita, o chanceler deu sinais de ter repensado o calendário e pediu um “debate sereno”, que poderá ajudar a “responder à questão de saber qual é o momento certo” para a votação de uma moção de confiança que conduza à antecipação do ato eleitoral.

No entender de Friedrich Merz , o líder da oposição, a Alemanha não se pode dar ao luxo de “ter um governo sem maioria por muitos meses”, argumentando que existem uma série de “compromissos internacionais, conferências e decisões na União Europeia que requer um governo federal alemão que seja capaz de agir”. Assim, defende o presidente da CDU, a moção de confiança deve ser votada nos próximos dias. A presidente da Alternativa para a Alemanha, Alice Weidel, sugere que a moção de confiança também deve ser votada o mais cedo possível: “Deve abrir caminho para novas eleições”.

A chegada de Donald Trump novamente à Casa Branca preocupa Friedrich Merz. O líder da CDU avançou, esta sexta-feira, com uma data para as eleições. 19 de janeiro de 2025. A acontecer, quer o novo chanceler alemão, quer o novo Presidente norte-americano tomavam posse no mesmo dia: 20 de janeiro. “Com dois meses e meio, há tempo suficiente para se preparar eleições”, sustentou o líder da CDU, lembrando o que aconteceu em França em meados deste ano, em que no Presidente francês, Emmanuel Macron, convocou eleições em quatro semanas, após o debacle que o seu partido Renascença sofreu nas eleições europeias.

epa09647103 Friedrich Merz, newly elected head of the Germany CDU Party, attends as a guest on the ARD program 'Farbe bekennen' (Show your colors), in Berlin, Germany, 17 December 2021.  EPA/JENS KRICK / FLASHPIC / POOL

Friedrich Merz, o líder da União Democrática Cristã (CDU), pede eleições a 19 de janeiro de 2025

JENS KRICK / FLASHPIC / POOL/EPA

Apesar da sugestão do líder da oposição, o órgão federal que gere a realização de eleições já veio alertar para os riscos de eleições demasiadamente antecipadas. Ao Der Spiegel, a instituição lembra que “é necessário poder utilizar plenamente os 60 dias a contar da dissolução do parlamento alemão” — e que esses 60 dias apanham a época festiva pelo meio. Tudo isto cria, segundo o organismo, obstáculos “imprevisíveis a todos os níveis” que poderiam prejudicar a realização de eleições.

Mesmo com eleições antecipadas, cenário é de incerteza na Alemanha

As sondagens até agora publicadas dão um cenário pós-eleitoral marcado pela incerteza. A CDU e a CSU deverão vencer as eleições com relativamente facilidade — o centro-direita alemão obterá um resultado na ordem dos 33%. Mas esse resultado não será suficiente para formar uma maioria estável no parlamento e os dois partidos terão de se coligar a outras forças partidárias.

Se o centro-direita deverá sair como uma vencedora nas eleições (sejam elas antecipadas ou não), o centro-esquerda será altamente prejudicado. O SPD de Olaf Scholz deverá obter, segundo as sondagens, um resultado na ordem dos 16%, uma queda aparatosa quando comparado com 2021 (25,7%). E é inclusivamente superado pelo Alternativa para a Alemanha. A formação política de extrema-direita terá cerca de 18% das intenções de voto — o seu melhor resultado de sempre.

Prejudicados serão os Verdes e os liberais. Enquanto os primeiros obterão um resultado na ordem dos 12%, a FDP corre o risco de nem sequer figurar no parlamento alemão. Na Alemanha, um partido que obtenha menos de 5% dos votos em eleições não tem representação parlamentar. E as sondagens apontam para um resultado entre os 3 e os 5% para o partido liderado por Christian Lindner. O Die Linke, o mais à esquerda do hemiciclo, também deverá desaparecer, ao passo que os deputados da aliança populista de Sahra Wagenknecht deverão ser eleitos (com cerca de 6%).

Feitas as contas com as atuais sondagens, existem três cenários prováveis no pós-eleições na Alemanha: uma aliança à direita, algo inconcebível para a CDU; um bloco central; ou uma coligação entre os Verdes e o centro-direita. Convém realçar, no entanto, que a campanha eleitoral e os próximos tempos poderão mudar as tendências de voto.

Mesmo assim, perante os atuais resultados das sondagens, é compreensível que a direita deseje eleições na Alemanha o mais cedo possível. A CDU e a CSU querem retornar ao poder, enquanto a AfD sonha chegar a segunda força política no país. Em contrapartida, Olaf Scholz deverá sofrer uma derrota de proporções históricas, querendo ganhar tempo para evitar esse cenário.

epa11623460 German Chancellor Olaf Scholz looks on during the cabinet meeting at the chancellery in Berlin, Germany, 25 September 2024. In its 114th meeting, the cabinet is about to hear a report of the Federal Government Commissioner for East Germany 2024 'East and West. Free, united and imperfect'.  EPA/CLEMENS BILAN

Olaf Scholz deverá sofrer uma derrota de proporções históricas, querendo ganhar tempo para evitar esse cenário

CLEMENS BILAN/EPA

Não será fácil recuperar a popularidade para Olaf Scholz, líder cuja atuação apenas 18% dos alemães aprovavam em setembro. Para essa taxa de impopularidade, contou a sua abordagem pragmática e alguma relutância em tomar decisões. Essa indecisão ficou visível com a sua gestão da coligação Semáforo. As divergências entre os três partidos tornavam-se públicas e davam a imagem de um Olaf Scholz “moderador” do que propriamente um chanceler. “Ele é demasiado reativo, mantendo o mesmo caminho durante demasiado tempo”, comentava ao Financial Times Wolfgang Schroeder, cientista político na Universidade de Kassel.

Numa altura de desafio para a Europa devido à reeleição de Donald Trump, a Alemanha parece estar sem rumo após o término da coligação que governou o país durante três anos. Economicamente, os sinais não são positivos e os problemas estendem-se ao campo político. Se os indicadores das sondagens estiverem certos, os três partidos da coligação semáforo serão fortemente castigados por isso.

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