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Jens Schlueter/Getty Images

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Alemanha. A direita anti-imigração tornou-se normal

O partido de direita anti-imigração AfD está a usar a vitória de Trump como trunfo para as eleições de 2017. Reportagem junto dos militantes que querem expulsar os imigrantes e derrotar Merkel.

Reportagem em Nuremberga

Diz a tradição bávara que a plebe se deve reunir em mesas estreitas e compridas, apetrechadas com grandes canecas de cerveja. É assim no Oktoberfest e é assim nos encontros políticos. Às 19h00 de uma terça-feira, os apoiantes locais do Alternative für Deutschland (AfD – Alternativa para a Alemanha) já estão alinhados para ouvirem os dirigentes do partido nas traseiras de um bar de pavilhão gimnodesportivo em Langwasser, nos arredores de Nuremberga, norte da Baviera. São cerca de 30 pessoas: há casais de meia-idade, um par de jovens aprumadinhos, uma mãe solteira de origem russa, um senhor com um bigode sindicalista e um predomínio de cabelos grisalhos. Não há cabeças rapadas nem seguranças de discoteca, suásticas ou biqueiras de aço – a era da extrema-direita panzer acabou. Esta é a nova extrema-direita populista: a dos reformados, dos conservadores desiludidos, dos anti-globalistas e dos isolacionistas. A extrema-direita dos vizinhos do lado.

Destacam-se três cartazes azuis, todos do contra: contra os extremismos, contra o caos no acolhimento de refugiados e contra o tratado comercial com os Estados Unidos. Wolfgang Dorner, quadro regional, toma a palavra: “Donald Trump tinha contra si a comunicação social e as sondagens. Diziam que, se ganhasse, os mercados iam cair, ia haver agitação social, que era o fim do mundo”. E continua: “Como vêem, nada aconteceu. Eles só queriam lançar o medo, como fazem aqui connosco. Mas as vitórias de Trump e do Brexit mostraram que não temos de ter medo”.

Reunião com os apoiantes locais do Alternative für Deutschland (AfD), em Langwasser, nos arredores de Nuremberga

Tiago Carrasco

Uma hora e três jarras de cerveja depois, já todos tinham assimilado a linha dura da ideologia do AfD: o Estado, nas suas vertentes legislativa, executiva e judicial, é o inimigo, soberbo, corrupto e impugnável, liderado por um Satanás encarnado por Angela Merkel; os impostos são mal empregues em mega-projectos — como a estação de comboios Stuttgart 21 e o novo aeroporto de Berlim — e no resgate de bancos de países irresponsáveis do sul da Europa; para não falar do que é gasto no acolhimento de refugiados a quem é oferecido o que os alemães têm de comprar. Tudo isto legitimado por uma imprensa impostora comandada pela elite.

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“O nosso presidente da Câmara é a favor do acolhimento de ‘refugiados’ mas no bairro dele não tem lá nenhum”, acusa Dorner. “Já lhe pedimos os endereços das residências dos ‘refugiados’ e ele respondeu-nos que não as entregava por motivos de segurança”. O uso de aspas no emprego da palavra refugiados não é inocente. É assim que a palavra aparece em todos os powerpoints de Dorner — “flüchtlinge” — porque o AfD não acredita que os 890 mil estrangeiros que entraram na Alemanha em 2015 tenham fugido da guerra. Para eles, é só mais uma mentira dos media. E assim que a conversa se centra nesse tema, os ânimos exaltam-se: “Temos de metê-los todos num comboio e mandá-los para a terra deles”, grita um homem de rabo de cavalo, sentado junto à porta. Misturar comboios e minorias numa só frase provoca calafrios ao alemão mais conservador. A sala fica em silêncio por breves segundos.

A líder do AfD, Frauke Petry, chegou mesmo a defender o uso de armas de fogo nas fronteiras como último recurso contra a entrada de refugiados. Beatrix von Storch, líder parlamentar, reforçou, dizendo que mulheres e crianças não deviam ser poupadas.

Martin Sichert, de 36 anos, homem alto e largo de bochechas rosadas, é o único funcionário do AfD na cidade e o organizador da reunião. Foi, até 2012, membro do partido liberal FDP, mas aderiu ao partido logo em 2013, ano da sua fundação. “Estava desiludido com a falta de coerência dos dirigentes liberais e com o seu apoio ao resgate de bancos falidos na zona euro”, diz Sichert. “Mas a gota de água foi quando marcaram uma posição anti-nuclear depois do acidente de Fukushima.” Pouco depois, o consultor na administração pública tinha um partido à sua medida: anti-euro, pró-nuclear e negacionista em relação às alterações climáticas. “A crise dos refugiados foi apenas o derradeiro impulsionador do crescimento do AfD. O clima de descontentamento é anterior. Vem de todos aqueles que se sentem enganados por promessas eleitorais não cumpridas, que não lêem nos jornais os problemas que sentem diariamente e que, sendo conservadores, deixaram de ter voz no consenso governativo anti-democrático que se instalou na Alemanha”.

No entanto, foi a chegada maciça de estrangeiros à Alemanha que levou ao fortalecimento do AfD. Em março, o partido registou 24% dos votos nas eleições da Alta Saxónia, 15% na região ocidental de Baden-Württemberg e ainda obteve um resultado inédito na cidade de Berlim, chegando aos 14,1%. Em todos os sufrágios, Merkel caiu. E, de repente, a Alemanha, onde há meia dúzia de anos era incómodo exibir uma bandeira nacional, cantar o hino ou enaltecer símbolos patrióticos, passou a contar com um partido nacionalista.

Alguns dos seus líderes não se inibiram de proferir frases de teor racista contra os muçulmanos recém-chegados. A líder do AfD, Frauke Petry, chegou mesmo a defender o uso de armas de fogo nas fronteiras como último recurso contra a entrada de refugiados. Beatrix von Storch, líder parlamentar, reforçou, dizendo que mulheres e crianças não deviam ser poupadas. Todos eles defendem a proibição de minaretes e do uso de burcas — e afirmam que o Islão não tem lugar no país.

Líder do AfD, Frauke Petry, num comício

Nigel Treblin/Getty Images

Coincidência ou não, o número de ataques racistas galopou: em 2013, foram 69, ao passo que em 2015 foram mais de 1000. Este ano, já se registaram quase 900, entre fogo posto a asilos, tentativas de homicídio, agressões físicas e verbais. “Esses ataques não têm nada a ver com os discursos dos líderes do AfD”, diz Martin Sichert. “Pelo contrário, nós estamos aqui para evitar o radicalismo, para levar a que a frustração das pessoas se manifeste através do voto e não da força. Quando a economia colapsar, os alemães vão culpar os refugiados e voltaremos a ter uma sociedade como a dos anos 30. Nós queremos antecipar-nos a isso, manter a paz social e evitar uma guerra civil”.

Abriu a caça ao refugiado

Há pouco mais de uma semana, também em Langwasser, uma reunião de voluntários e activistas na defesa de refugiados foi invadida por um bando que agrediu os participantes e vandalizou a sala. O incidente teve pouca cobertura mediática. “Este casos tornaram-se tão banais que já ninguém lhes presta a devida atenção”, denuncia Cathrien Hauenstein, de 39 anos, chefe dos voluntários na NGO cristã CVJM, de Nuremberga. São como as bombas em Bagdade — o seu estampido já não fere os tímpanos de quem não as sente na pele. “No entanto, há refugiados e voluntários que começam a ter receio de frequentar zonas mais ligadas à extrema-direita, principalmente na Alemanha de Leste.”

Numa das salas da instituição, duas dezenas de refugiados têm aulas de alemão. A maioria diz nunca ter sido vítima de racismo e está muito satisfeita com a vida na Alemanha. Mohammed Javadpour, não. O iraniano, de 30 anos, diz ter ficado chocado quando um colega da universidade o insultou assim que ele lhe disse que tinha chegado ao país pela rota dos Balcãs. “Chamou-me criminoso e disse que devia voltar pelo mesmo caminho”, conta. “Também já fui insultado por uma senhora no autocarro só porque estava a ocupar um lugar. Havia mais gente sentada, mas ela gritou só comigo. Porquê? Só porque tenho o cabelo preto?”.

Em Langwasser os refugiados aprendem alemão numa das instituições de apoio aos que fogem da guerra

Tiago Carrasco

Fatma Laifi, síria de Homs, assustou-se quando dois rapazes a perseguiram para lhe arrancarem o lenço da cabeça: “Fizeram gestos para tirar o lenço e depois vieram a correr atrás de mim. Acho que foi só para me meterem medo. Conseguiram”. Na zona leste da Alemanha, o clima é mais tenso. O médico líbio Mohammed Farkash afirma que “começa a ser perigoso sair sozinho de casa depois do anoitecer”. Nenhum deles foi ferido. Outros não podem dizer o mesmo.

Os ataques sucedem-se em catadupa. Só este mês: 1 de novembro, dois refugiados sírios foram perseguidos por cerca de 40 neo-nazis, em Bautzen, na Saxónia; 2 de novembro, um grupo de dois alemães e três refugiados foram ameaçados com armas no centro da mesma cidade; 4 de novembro, três adolescentes afegãos feridos devido a agressões por parte de 30 neo-nazis em Heidenau, perto de Dresden; 6 de novembro, Jürgen Kasek, líder do Partido Verde na Saxónia, foi atacado num comboio por um grupo de hooligans do Lokomotiv Leipzig; 13 de novembro, uma loja síria incendiada e pintada com cruzes suásticas, em Magdeburgo. A lista é extensa. E, em meses anteriores, contempla tentativas de homicídio: por 61 vezes, fações racistas incendiaram casas de refugiados, levando dezenas ao hospital por inalação de fumo. Em dez situações, foram utilizados engenhos explosivos.

“Os dirigentes políticos da extrema-direita populista não incentivam directamente à violência mas influenciam os ânimos – em conferências, nas praças e, acima de tudo, na internet. Ao fazerem isso, criam um ambiente propício a que extremistas violentos ponham em prática a sua retórica”.
Melannie Amman, jornalista do Der Spiegel

A Alemanha oferece um vasto leque de filiações racistas para os partidários da extrema-direita que considerem o AfD como parte do sistema. E há quem o faça. Há os anti-islamistas do PEGIDA (Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente), com as suas manifestações em Dresden todas as segundas-feiras; o partido neo-nazi NPD, também no Leste; ou os Reichsbürger (Cidadãos do Império), que se recusam a pagar impostos e a ter registo de identidade, pois acreditam que a República Federal Alemã não existe e está anexada pelas potências ocidentais, defendendo um regresso às fronteiras do III Reich, de 1937.

Parece loucura? Sim, mas há mais de mil membros identificados e a polícia já anunciou que está preocupada com o crescimento do grupo desde que, no passado mês de outubro, um dos seus militantes matou um polícia e feriu três na pacata cidade de Georgensmünd, na Baviera, quando as autoridades quiseram apreender-lhe 30 armas de fogo. Desde então, a polícia identificou nas suas próprias fileiras uma dezena de presumíveis elementos desta facção ultra-radical.

E até o Ku Klux Klan, ícone da supremacia branca criado nos EUA, tem quatro ramificações e 62 crimes cometidos desde 2001 na Alemanha. A notícia foi comunicada pelo governo, após terem sido encontrados numa floresta, em maio, símbolos nazis e uma grande cruz carbonizada.

O país questiona se os líderes políticos da extrema-direita contribuem ou não para um incremento da violência racial. Numa entrevista realizada em Março, Frauke Petry disse-me que o AfD não queria o voto de radicais criminosos. Mas nunca se distanciou do PEGIDA, cujo líder, Lutz Bachmann, está a ser investigado por incitamento ao ódio e racismo, se deixou fotografar mascarado de Hitler e definiu os refugiados como “gado” e “escumalha”.

Manifestação do PEGIDA - Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente

Tiago Carrasco

“Nos últimos dois anos, o PEGIDA foi um movimento muito importante. Se há um protesto de 20 mil pessoas nas ruas não podemos dizer que são todos radicais. Isso é errado”, diz Felix Menzel, fundador e editor da revista Blaue Narzisse e o mais destacado líder intelectual do movimento populista. “Vejo uma ligação entre as políticas erradas de migração executadas pelo nosso governo e os crimes racistas. Na Alemanha, não é possível falar livremente dos erros do governo. Não há possibilidade de obter mudança na política. Então, alguns idiotas pensam que conseguem mudar alguma coisa através da violência. Não é bom, mas é assim no mundo inteiro.”

Melannie Amman, jornalista do Der Spiegel, tem outra opinião: “Os dirigentes políticos da extrema-direita não incentivam directamente à violência mas influenciam os ânimos – em conferências, nas praças e, acima de tudo, na internet. Ao fazerem isso, criam um ambiente propício a que extremistas violentos ponham em prática a sua retórica”. Um bom exemplo é o autor do recente ataque com faca à candidata à Câmara de Colónia, Henriette Reker: um conhecido neo-nazi há mais de 30 anos que jamais tinha sido acusado de violência. “Tinha de fazê-lo”, disse à polícia, alegando como motivo a atitude permissiva de Reker quanto à entrada de refugiados, “os estrangeiros estão a roubar os nossos empregos”. “Entre a extrema-direita, o atentado foi celebrado como um acto de legítima defesa”, diz Amman. Mais de dois terços dos agressores detidos por crimes raciais não tinham qualquer cadastro antes de 2014.

Uma política de encruzilhadas

Dizer a um apoiante do AfD que Angela Merkel tem em Portugal uma imagem austera e conservadora, fá-lo franzir as sobrancelhas. Contar-lhe que, no pico da intervenção da troika, ela chegou a ser retratada em manifestações com um bigode à Hitler provoca gargalhadas. Para eles, Merkel, que anunciou neste domingo que se recandidatará pela quarta-vez ao cargo de chanceler, nas eleições de setembro de 2017 , é de esquerda. Uma mulher liberal, fã do multiculturalismo e amiga dos países falidos da Europa meridional, que abriu as fronteiras aos muçulmanos, integrou ministros gay, implementou políticas sociais como a licença paternal, aboliu o serviço militar obrigatório e lançou a Alemanha nas energias renováveis.

“A geração de 1968 ganhou a guerra cultural na Alemanha e os conservadores viram as suas convicções serem progressivamente abandonadas”, diz Dara Hassanzadeh, 42 anos, jornalista da estação televisiva ZDF. “De repente, estavam a viver num mundo cosmopolita, com casamentos homossexuais e interraciais e até no estádio de futebol, quando faziam uma piada racista, tinham outro adepto a criticá-lo. Estavam derrotados e queriam contra-atacar. Agora têm essa possibilidade.”

Felix Menzel diz que o aparecimento do AfD era inevitável: “Por causa da nossa história, não tínhamos um partido de direita relevante desde 1945. Até a CDU derrapou mais e mais para a esquerda. Abriu-se um espaço enorme para o aparecimento de um novo partido e agora temos uma alternativa, o AfD, que defende os valores conservadores: é contra a imigração em massa, contra o euro e contra um poder excessivo de Bruxelas”. No entanto, o ideólogo dos populistas não acredita que o partido possa vencer as eleições em 2017: “Conto com um resultado entre os 15% e os 20%”.

Jürgen Elsässer, editor da revista anti-sistema Compact pertenceu a grupos comunistas e escreveu para publicações de esquerda como o Freitag ou o Junge Welt. Hoje podemos vê-lo nas conferências “Freedom”, da extrema-direita populista, em que jovens skinheads e pais acompanhados pelos seus filhos pagam 99 euros para ouvirem os seus ideólogos discursar.

Os alemães liberais temem que Menzel esteja tão errado como as sondagens que anunciaram a derrota do Brexit e de Donald Trump. A vitória do milionário norte-americano disseminou o pânico entre os detractores da nova extrema-direita, que receiam que uma vitória eleitoral dos populistas austríacos e da francesa Frente Nacional de Marine Le Pen, possa projectar Frauke Petry para a corrida pela chancelaria. “Sim, infelizmente é possível”, diz Jeff Wood, artista e escritor norte-americano a residir em Berlim, que tem passado as últimas semanas a receber condolências de amigos alemães pela eleição do seu novo presidente.

“Na Alemanha há uma regulação mais extensiva da propaganda e do financiamento da campanha. Mas a imigração é um assunto sério aqui, e não vai desaparecer. Apesar de achar que há menos possibilidades na Europa, claro que também pode acontecer. E se o contágio continuar a aumentar internacionalmente, então tudo pode acontecer. O movimento internacional é mais alarmante que o de um país isolado”.

A heterogeneidade do tecido eleitoral da extrema-direita dificulta a campanha dos seus opositores. Os apoiantes de Petry estão silenciosamente dispersos pela sociedade: são antigos abstencionistas, conservadores zangados, empresários, professores, polícias, intelectuais anti-globalização. “Pode ser o teu colega do lado no trabalho, o dono do restaurante a que vais sempre comer ou o polícia que te pára na estrada”, diz Hassanzadeh. “E muitos deles não te vão dizer nada, porque não é bem aceite em vários meios defender estas opiniões”.

O retrato de Angela Merkel com um hijab é uma imagem muito usada nas concentrações de apoiastes da AfD

Tiago Carrasco

Até há admiradores de Putin e antigos partidários de esquerda. Jürgen Elsässer, editor da revista anti-sistema Compact, pertenceu a grupos comunistas e escreveu para publicações de esquerda como o Freitag ou o Junge Welt. Hoje podemos vê-lo nas conferências “Freedom”, da extrema-direita, em que jovens skinheads e pais acompanhados pelos seus filhos pagam 99 euros para ouvirem os seus ideólogos discursar. Na última, Elsässer fez uso do pós-verdade, ou seja, factos deturpados que se tornam reais quando exaustivamente partilhados nas redes sociais: “Os caixas dos supermercados andam a ser ameaçados com machetes e as nossas meninas são forçadas pelas professoras a vestirem-se como muçulmanas”. Termina sempre com o mote: “Defendam-se!”. E a audiência aplaude.

Um estudo do Otto Brenner Stiftung, uma organização ligada aos sindicatos, indica que os apoiantes da extrema-direita já não se identificam com o rótulo de direita. “A divisão entre a esquerda e a direita tradicionais já não existe”, conclui a publicação. “Os actores estão progressivamente a afastar-se dessa esquematização política”. Wolfgang Storz, o autor do estudo, fala de um “cruzamento”, uma expressão usada na República de Weimar quando intelectuais conservadores como Arthur Müller van der Bruck fizeram o exercício de conciliar os ideais do nacionalismo e do socialismo. As intenções eram meramente políticas. O resultado foi Auschwitz.

Um alfinete no sofá

Nuremberga está habituada a estar nos cruzamentos da História. Foi lá que o nazismo edificou o seu centro espiritual e ideológico, que Hitler anunciou a perseguição aos judeus, fez os seus discursos mais temíveis e mandou construir o megalómano recinto de desfiles do partido, com um Palácio de Congressos maior que o Coliseu de Roma. Mas foi também Nuremberga que recebeu os julgamentos das maiores figuras do nacional-socialismo, o símbolo máximo da reconstrução do pós-guerra e a semente da justiça internacional.

A larga maioria dos habitantes da cidade sabe que uma das saídas do cruzamento dá para um beco escuro. Por isso, optam pela outra — a da ajuda aos refugiados. Num dia normal de semana, há oito locais onde prestar assistência, em várias coordenadas, a qualquer hora. São muitas dezenas de ONG’s, institutos governamentais, centros culturais e cafés com milhares de funcionários e voluntários: uns cozinham para os refugiados, outros dão-lhes aulas de alemão, oferecem apoio jurídico.

“Existe um lado negativo, mas há muito mais gente a trabalhar ativamente com os refugiados do que a atacá-los. Pena que os media já não cubram essas actividades desde que o AfD entrou em cena. Nós estamos ao lado deles desde que os neo-nazis incendiaram o primeiro abrigo para refugiados, aqui perto, em Vorra. Nunca conseguiram contaminar a maioria da população”.
Christian Meier, activista e voluntário da Bayerisch Flüchtlingsrat (Gabinete Bávaro de Apoio aos Refugiados)

“A sociedade está comprometida com esta missão e só assim o país conseguiu acolher quase um milhão de pessoas sem abalos significativos”, diz Cathrien Hauenstein. “A única forma de enfrentar o crescimento da extrema-direita é pegar nos cidadãos desiludidos e amedrontados com os estrangeiros e trazê-los para aqui. Eu já o fiz e tive bons resultados. Percebi que muitas dessas pessoas reagem com hostilidade porque nunca falaram com um muçulmano”.

Medo e egoísmo são duas das causas apontadas por Dara Hassanzadeh para o ímpeto xenófobo da extrema-direita e do populismo. “Por um lado, essa característica tão comum nos alemães que é o medo do declínio, de perder a riqueza, que é o que os faz ser tão pontuais, tão trabalhadores. Por outro, a relutância em partilhar. Mesmo uma pessoa muito rica não quer abrir mão do que tem para distribuir pelos demais”, diz. “Na verdade, acho que a mudança pedida pela extrema-direita deve-se ao susto que as transformações impostas pela globalização lhes provocam. Eles querem uma mudança, sim, mas uma mudança que faça o mundo parar, que os faça continuar a ser ricos sem terem de enfrentar o outro, uma mudança que deixe tudo como antes”.

Chistian Meier, de 28 anos, não está demasiadamente preocupado com o crescimento da extrema-direita. Costuma juntar-se com outros activistas de esquerda para fazer contra-manifestações nos locais de protesto do PEGIDA e do AfD. “Com excepção para Dresden, costumamos ser muito mais que eles. Em muitas cidades, fazemos tanto barulho que as vozes deles nem se ouvem”, diz o activista e voluntário da Bayerisch Flüchtlingsrat (Gabinete Bávaro de Apoio aos Refugiados).

“Existe um lado negativo, mas há muito mais gente a trabalhar ativamente com os refugiados do que a atacá-los. Pena que os media já não cubram essas actividades desde que o AfD entrou em cena. Nós estamos ao lado deles desde que os neo-nazis incendiaram o primeiro abrigo para refugiados, aqui perto, em Vorra. Nunca conseguiram contaminar a maioria da população”.

Apesar das preocupações, Dara tem orgulho na sociedade civil alemã. “O momento em que os populares em Munique, sem incentivo político, foram receber os refugiados à estação com aplausos, foi dos momentos mais bonitos da história recente deste país”, diz. Mas isso foi há um ano e agora é a extrema-direita que ganha terreno. “Os esquerdistas estavam deitados à sombra da sua vitória cultural, a fazer vida de hipster, mas agora o AfD meteu-lhes um alfinete do sofá. E, com a picada, têm de se levantar. Se o vizinho colar um autocolante racista no vidro, o silêncio não serve. É preciso ir lá falar com ele, dizer-lhe que não pode ser e explicar-lhe porque está enganado”.

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