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Podem chamar-me “influencer”
“Não se diz bloggers?”, pergunta Henry Holland no meio da conversa com Gillian Or. O designer de moda, fundador da marca House of Holland, está no palco dedicado à moda, no último dia de conferências da Web Summit, e fica mais ou menos surpreso com a correção que a jornalista do Refinery 29 lhe faz: “É melhor chamar-lhes influencers”. “OK!”, reage Holland, continuando a conversa. Não é difícil perceber a troca de nomes. Ambos se referem a quem se associa a produtos e marcas, influenciando as escolhas e o consumo do seu público — em rigor, não precisam de ter um blogue; basta uma conta de Instagram ou de Snapchat. É preciso é terem seguidores.
Os influencers do mundo digital são o elefante no meio da sala que todos veem, mas de que se fala com todo o cuidado para não errar. Na Web Summit, entre os painéis dedicados à indústria da moda, não há nenhum especificamente sobre esta recente atividade, mas na maioria há uma ou outra pergunta que procura descortinar o que trazem os influencers ao circuito, por que se tornaram essenciais, qual o seu lugar.
“Os meus seguidores são uma bênção e se trabalhar com alguém com quem não me identifico, eles vão aperceber-se, por isso recuso cerca de 80 por cento das propostas que recebo. Trabalho com marcas com que me identifico, acabo por trabalhar com aquelas que já iria usar na minha vida de qualquer maneira”, explicou Doina Ciobanu, do The Golden Diamonds, no painel sobre a importância das redes sociais. A única blogger a participar nas conferências de Lisboa tem 22 anos e diz ter começado a escrever na internet como forma de se libertar do ambiente opressivo em que vivia na Moldávia, onde “as viagens para fora do país eram controladas e havia propaganda política”. Só quando chegou a Londres, em 2010, percebeu que tinha um negócio nas mãos.
Mas nem toda a indústria ligada à moda percebe que negócio é este, ou sabe pelo menos como lidar com ele e encaixá-lo nas velhas rotinas. Depois da revista Vogue se ter associado mais do que uma vez a super influencers mundiais (entre as capas nacionais com bloggers, há a portuguesa de janeiro), Sally Singer, editora da edição online norte-americana, revelou o seu desconforto em relação a estas figuras. “Uma nota às bloggers a quem pagam para vestir uma roupa diferente de hora a hora”, escreveu no texto que passa revista à Semana da Moda de Milão, “por favor parem. Arranjem outro negócio. Estão a vaticinar a morte do estilo.” A redação da revista mostrou-se concordante com o grito paternalista de Singer. “Em vez de uma verdadeira celebração do estilo, parece que o que interessa é o exagero, as figuras ridículas, as poses e contorcerem-se nos seus lugares enquanto olham para as redes sociais”, escreveu Alessandra Codinha, editora de moda da revista. O ambiente ficou estranho.
Vamos a contas
Não é apenas o lugar com melhor vista para a passerelle que está a ser conquistado. Ao mesmo tempo que a publicidade na imprensa de todo o mundo sofre uma crise, os influencers fazem lucros milionários. No início do mês, o britânico Telegraph lembrou que para estes profissionais do mundo digital, vestir-se no dia a dia é uma transação, com as grandes marcas a terem orçamentos dedicados a pagar-lhes looks ou posts em blogues e no Instagram. O jornal afirma que há marcas a reservar mil milhões de dólares do orçamento anual a posts de Instagram, sem revelar fontes ou nomes. Diz ainda que um valor corrente para um influencer com cerca de 50 mil seguidores é de mil libras por post (cerca de 1.160 euros), valor que escala para 58 mil libras (mais de 67 mil euros) quando se atinge um milhão e meio de seguidores. A adicionar a isto há os contratos publicitários e as colaborações com marcas.
Em Portugal os números são outros e é difícil encontrar alguém que responda à pergunta “quanto vale em média um post?”. O Observador contactou vários bloggers e só Roberto Esteves, do Quiosque do Ken, respondeu a esta pergunta. Ganha entre 750 e mil euros por post, sendo uma percentagem deste valor entregue ao Sapo, que aloja o blogue. A esta quantia acrescenta-se o da publicidade dos banners associado ao número de visualizações – as de Roberto Esteves estão entre as 13 e 18 mil diárias. O influencer, que é também consultor na área da comunicação e marketing, compara estes números com os das páginas de publicidade em publicações imprensas: “Gasta-se entre 1.500 e cinco mil euros para imprimir um conteúdo que tem de ser produzido pela marca.”
“A publicidade digital permite uma comunicação muito mais dinâmica e com possibilidade de atualização da direção ou tom da mensagem a qualquer minuto. Além disso, no digital a campanha é feita na primeira pessoa e no seu próprio espaço, tornando-a mais one-to-one”, diz ao Observador Inês Mendes da Silva, diretora geral da Notable, a agência de comunicação responsável por projetos como o Daily Cristina, da apresentadora Cristina Ferreira, ou o mais recente Hyndia.tv, da atriz Rita Pereira. Inês Mendes da Silva lembra que cada vez mais os consumidores pesquisam online informação sobre produtos e as respostas podem chegar-lhes assim na primeira pessoa.
Muitas vezes nem sequer existe um pagamento monetário, mas antes uma troca de produtos. No caso de haver um envolvimento contínuo com a marca, o que Roberto Esteves prefere, os produtos acabam por entrar na rotina diária e as publicações nas redes sociais passam a ser espontâneas. “É o segredo do sucesso, nunca ninguém me diz ‘tens de fazer não sei quantos posts’. Claro que há mínimos olímpicos, é uma relação comercial”, diz o autor do Quiosque do Ken desde 2012.
Quem me dera um Alexander Wang
Pôr estas vozes novas a falar de marcas exclusivas e elitistas acabou por construir uma ponte entre este mundo hermético e o público – é um dos pontos positivos das bloggers que Sally Singer ataca, considera Joana Barrios, autora do blogue Trashédia. Pouco depois do texto da Vogue norte-americana, a também atriz escreveu um post com o título “O Bife” em que reflete sobre a distância que instituições como a Vogue gostariam de manter, mas também como todo o staff que está à volta de um blogger pode ridicularizá-lo.
“Acho que o período interessante das bloggers acontece quando alguém insignificante se torna influente. Tem piada conseguir acompanhar esse percurso que está ao alcance de qualquer pessoa, tem graça perceber como é que se chega lá, através do teu estilo. No caso de pessoas como a Chiara Ferragni ou a Olivia Palermo, são pessoas que já estão na cúpula. A Chiara tinha imensa graça quando começou a ascender à cúpula”, diz ao Observador, acrescentando que sente falta da excitação de alguém que escreve logo a seguir a ter aquela peça Alexander Wang. “É claro que as marcas ganham com isto porque começam a ser colocadas em pessoas verosímeis, mas as coisas verdadeiramente exclusivas nunca chegam aos blogues. Essas experiências hiper-premium, eu acho, não são documentadas nos blogues porque, quer da parte da marca, quer da parte da blogger — que se coloca sempre do lado do consumidor — há uma certa vergonha, consciência ou até pudor em mostrar às pessoas”, diz a blogger e atriz.
De volta à Web Summit, no painel sobre jornalismo de moda a pergunta sobre os influencers aparece a meio e Christene Barberich, do Refinery 29, reage com urgência: “Finalmente! Posso ser eu a começar? É que tenho uma opinião muito clara em relação a isto.”
Durante estes 20 minutos de conversa sob o chapéu do jornalismo começa por falar-se de “contar histórias” e de qual o melhor meio para o fazer numa época em que é possível encontrar uma voz própria não só num texto impresso ou online, mas também numa conta de Instagram, de Snapchat ou num canal de YouTube. Mas rapidamente se discutem marcas e como as revistas podem ajudar a passar as suas mensagens, como podem associar-se a elas, como podem inspirar as compras dos leitores — algo que para as grandes influencers não tem segredos. Para uma das fundadoras do Refinery 29 não há razão para o julgamento das bloggers. “Se olharmos para alguém como a Susanna Lau, do Style Bubble, ela tem um conhecimento profundo e muito respeitável da indústria da moda, é tão curiosa e conhecedora… e usa os designers em que realmente acredita. A autoridade dela neste mundo em que todos nós trabalhamos é tão importante para mim como a de alguém da maior revista de moda que anda aqui há 120 anos.”
A culpa é dos “millennials”
O conhecimento especializado não é, no entanto, a grande razão apontada para o sucesso, o público alargado e a rentabilidade dos influencers. De profissionais do marketing às marcas, não esquecendo os próprios bloggers e influencers, todos convergem para uma e a mais importante razão: a proximidade familiar com os seguidores. “Veem-me como uma amiga porque as bloggers têm uma relação de anos com as leitoras, sabem de mim, da minha vida,” conta ao Observador Mónica Lice, numa conversa telefónica. Tem o blogue Mini Saia desde 2006 e quando tentou dar-lhe rentabilidade, em 2008, propôs a algumas marcas fazer posts patrocinados. “Algumas não tinham ideia do que era um blogue, eram precisas reuniões. Hoje é diferente, as marcas já têm planos de parcerias elaborados.”
Em Portugal, a escala é naturalmente outra, diz Marta Duarte, da equipa de comunicação da agência Showpress. Mas os modelos replicam-se, andando a par do processo de trabalho internacional. “À partida, a utilização desses influencers será ideal quando falamos para um público mais jovem, mas também para marcas que queiram trabalhar uma relação mais emocional com os seus consumidores, que queiram uma relação mais humana. Marcas muito alavancadas por valores como tradição às vezes procuram modernizar-se um pouco através dos influencers. A recomendação deles funciona como a de um amigo”, explica Marta Duarte.
Tal como numa relação de amizade não há uma obrigação e o leitor não se sente necessariamente influenciado. “As personalidades digitais impactam os seus seguidores de forma orgânica, porque o ato de segui-las é livre – só as segue quem se identifica, à partida”, diz Inês Mendes da Silva.
Maria Raga, diretora da rede social de compras Depop, liga esta ideia de intimidade à genuinidade do influencer e da sua relação com as marcas. “Eles têm de gostar do produto”, afirma. E os bloggers concordam. Do lado das marcas, vale mais escolher com eficácia um blogger pelo seu público, do que pelo número de seguidores. “Aquilo que acho que se está a tonar mais interessante é observar pessoas que têm visibilidade numa determinada comunidade. Por exemplo, um DJ ou um artista plástico podem ser excelentes influencers, desde que a relação entre os valores da marca e a sua audiência seja coerente. Não faz sentido contar apenas cliques”, continua Marta Duarte, que afirma que a tendência está em trabalhar com mais influencers que representem públicos menores mas especializados. Do palco em Lisboa, Ciobanu aconselha: “Conheçam o vosso público! O meu são mulheres dos 25 aos 34 e esperam que eu lhes fale de luxo e moda.”
O segundo fator indispensável para Maria Raga é a continuidade das relações entre uma marca e uma blogger: “Se só se vê uma coisa uma vez não pega e é visto como uma falsidade.” É isto que diz também a experiência do português Roberto Esteves, que gosta de se manter associado a uma marca no mínimo três meses, também porque, lembra, ao estar associado a determinadas marcas perde a oportunidade de se associar a outras.
Para Joana Barrios este é o momento em que “há mais pessoas a poder brincar e a poder comunicar com a moda. Ainda por cima tens um número de seguidores que não vai deixar de te seguir porque aquilo de que eles gostam é da tua personalidade, não é do teu estilo editorial. No caso da Vogue, acho que o verdadeiro momento de ameaça é eles já não terem o exclusivo das peças, já ninguém recebe nas redacções a mala X ou Y.”
O que separa as duas gerações que se encontram assim na fila da frente dos desfiles das principais semanas da moda mundiais é, por outro lado, a maneira como olham para um ecrã: se Sally Singer não sabe definir um lugar para estas figuras emanadas do digital, para os influencers ao seu lado o digital é transparente. “Os millennials são nativos digitais, é essa a experiência que têm do mundo: não questionam a utilidade da tecnologia ou o seu poder”, diz Benjamin Males durante a Web Summit, lembrando que para as gerações mais recentes esta é quase uma não-questão. O fundador da Studio XO, que cria peças de roupa com tecnologia incorporada, elege o Youtube como uma das plataformas de divulgação mais importantes hoje em dia, porque “a geração Z já não vê televisão”.
As marcas procuram os consumidores onde eles estão. “É uma comunicação instantânea e muito humana”, resume Maria Raga: se a marca quer ser fortemente reconhecida procura vozes no YouTube ou no Instagram (que ganha cada vez mais terreno ao Snapchat com as “instastories”); se quer informar com clareza, usa o Twitter; o Facebook usa-se cada vez menos e apenas para banners pagos, por exemplo.
Já não há celebridades como antigamente
“Sempre foi assim. Quando se sentava um ator na fila da frente era porque atraía consumidores. Já não estamos a falar de celebridades, estamos a falar de influencers, mas estas duas esferas intersetam-se”, explica Henry Holland durante o painel da Web Summit em que refletiu sobre o futuro dos desfiles. A proximidade do público com as celebridades não esmoreceu com a entrada em cena de influencers nascidos na internet. Em maio, Lady Gaga tornou-se conselheira da Studio XO, formalizando uma relação antiga com a marca. “O fãs mandavam-nos fotografias dela a usar determinada peça, dizendo que queriam aquela peça especificamente. Eram muito diretos”, diz Benjamin Males.
Em Portugal, a passagem de celebridades para o mundo digital através de blogues ou canais de YouTube é uma tendência que cresce. O primeiro caso de sucesso foi o Daily Cristina, nascido em 2013 e que, segundo a Notable, no primeiro mês de vida totalizou cinco milhões de visualizações. “Existia esta necessidade de o público ter um espaço web de ‘contacto’ com aqueles que admira”, justifica Inês Mendes da Silva, que entrou na equipa de Cristina Ferreira logo no início. No processo de construção do conceito “entendeu-se que não só um blogue serviria de espaço de aproximação dos fãs ao trabalho e à vida das ‘estrelas’ que admiram, como também uma oportunidade comercial a explorar”, explica a diretora da agência de comunicação e agenciamento numa entrevista por e-mail.
No caso das figuras públicas ou dos influencers que criam os seus públicos de raiz no meio digital, a tendência é a da redução do texto e supremacia da imagem. “Tem a ver com a forma rápida como se consome internet hoje em dia. Prova disso é assistirmos a plataformas como o Instagram em constante atualização, anunciando recentemente que, para além da simples partilha de fotos, já permite boomerang, mentions e links”, analisa Inês Mendes e Silva.
Algumas das super-influencers de hoje, como Leandra Medine ou Tavi Gavinson, já escreveram textos quase ensaísticos sobre roupa, moda e cultura popular, “agora já quase não escrevem”, diz Joana Barrios. “Há um abandono qualquer deste pensamento sobre a moda, parece que o interesse esmoreceu e isso é que eu acho mesmo estranho.”
Ao ritmo a que os textos se deixaram substituir pelas fotografias, a produção necessária para um post tornou-se cada vez mais profissionalizada. Roberto Esteves tem uma equipa a trabalhar consigo que lhe permite ter vídeo e fotografia de qualidade, conta. A isso somam-se os maquilhadores e cabeleireiros ou até mesmo os stylists. Mas a personalidade não muda, garantem os bloggers. Continuam a ser o amigo que recebe dúvidas dos leitores sobre o que vestir num casamento ou como inserir aquela peça tendência no dia-a-dia.
No palco da Web Summit, Doina Ciobanu conta que muitos seguidores lhe mandam mensagens preocupadas sempre que passa algum tempo sem publicar um post no blogue ou no Instagram. Esses posts podem vir de qualquer parte do mundo, de um resort nas Seicheles ou das imediações da Torre Eiffel durante a Semana da Moda de Paris; haverá uma mala de viagem Louis Vuitton e uns sapatos Alberta Ferretti. O mundo do luxo inacessível à maioria dos seus 159 mil seguidores não quebra este sentimento de proximidade e honestidade. “Para os millennials é inadmissível ser arrogante ou snob. Se têm essa reação de alguma marca simplesmente viram as costas e compram noutro sítio, fazem outra coisa”, conclui Doina.