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Ruben Amorim despediu-se de Alvalade com uma goleada frente ao Manchester City e ganhou em Braga com uma grande reviravolta no último jogo
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Ruben Amorim despediu-se de Alvalade com uma goleada frente ao Manchester City e ganhou em Braga com uma grande reviravolta no último jogo

Ruben Amorim despediu-se de Alvalade com uma goleada frente ao Manchester City e ganhou em Braga com uma grande reviravolta no último jogo

Amorim, o motor de uma máquina que voltou a trabalhar por si: a metamorfose do Sporting em cinco anos (e o que se segue)

Chegou quando tudo corria mal, perguntou "E se correr bem?", atingiu o patamar de técnico mais importante da história do clube. O que era, o que é e o que pode ser o Sporting depois do adeus de Ruben.

Tudo o que podia estar a correr mal, corria ainda pior. A temporada seguinte ao que tinha sido descrito como “o maior ataque desportivo, humano e financeiro ao Sporting” trouxe vitórias nas finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga com Marcel Keizer mas o arranque de 2019/20 esfumou o pouco que se tinha construído até aí, entre um mercado errático, uma goleada diante do Benfica na Supertaça que fez mossa e as experiências sem sucesso no comando técnico. Com isso, a contestação aumentou. Frederico Varandas, primeiro líder dos leões eleito com mais votos mas menos votantes do que o segundo classificado numa corrida a seis, estava a atravessar o pior momento da sua presidência. Sem resultados, sem dinheiro, sem o apoio desejado. Ainda assim, esse cenário pesado adensou-se a todos os níveis, com um episódio limite que mudou tudo.

Quando o número 1 do conjunto de Alvalade teve de abandonar o Pavilhão João Rocha com vigilância policial já depois de outro dirigente ter visto o seu carro atingido pela fúria dos adeptos, nada voltou a ser como era. A Direção do clube decidiu rasgar os protocolos assinados com as claques, as claques tornaram-se ainda mais contestatárias aos dirigentes, os resultados continuavam sem aparecer no futebol, as Assembleias Gerais iam tendo ambientes mais tensos do que a tensão que antes existia. Questão: esse estado de espírito passou por osmose a mais associados. Mais, mais, mais. Para quem vencera com uma margem tão curta, os problemas ganhavam um peso maior do que era suposto. As críticas ganhavam outro volume, Varandas foi garantindo sempre a todos os outros elementos da Direção que a demissão nunca seria cenário em causa.

O que faria então perante um labirinto que alguns desenhavam como beco sem saída? Continuar o trabalho no sentido de melhorar a situação da parte desportiva às finanças, passar ao lado de toda a agitação vivida no plano institucional e cumprir um mandato para o qual tinha sido eleito até março de 2022. Foi dentro dessa perspetiva que, projetando uma nova troca técnica depois das passagens de Keizer, Leonel Pontes e Silas pelo banco, não olhou a meios para tentar atingir os seus fins e assumiu o pagamento da cláusula de rescisão de Ruben Amorim (dez milhões, que se viriam a tornar mais tarde em pouco mais de 14). Chegava a Alvalade um técnico que tinha feito cerca de dez jogos pelo Sp. Braga, que ganhara a Taça da Liga e que tinha um bom registo nos encontros contra os “grandes”. Poucos, quase nenhuns perceberam a decisão. Muitos, quase todos criticaram a decisão. “Se corre mal? E se corre bem?”, dizia o treinador na apresentação.

O primeiro encontro, em casa frente ao Desp. Aves, ficou marcado por duas expulsões antes do intervalo mas terminou com o regresso do Sporting aos triunfos entre uma exibição sofrível dentro de um sistema que ia começando a mudar. Apesar desse 2-0, o futebol, nas quatro linhas, foi algo quase secundário nesse dia.

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Ruben Amorim não foi propriamente visado antes da partida mas a segunda manifestação num mês a juntar cerca de 3.000 adeptos nas imediações do Multidesportivo de Alvalade, antes de fazer quase um cortejo em torno do recinto, era um espelho do momento que o Sporting vivia. Havia muitas tarjas que pediam a saída de Frederico Varandas e a marcação de eleições antecipadas, cartazes que diziam “Nós não somos claque”e provocações como “Godinho 2.0”. No recinto, com pouco mais de 25.000 espectadores num dia com bom tempo, lia-se “Vocês envergonham a nossa história” entre cachecóis com “Eu sou escumalha”, numa alusão ao nome apontado pelo líder leonino aos adeptos que tinham contestado a equipa antes de um jogo nos Açores com o Santa Clara. Se antes a central reagia aos cânticos, o silêncio que fazia agora era um sinal.

Para alguns, Varandas fizera um all-in com o resto das fichas que ainda lhe restavam para tentar inverter um cenário que parecia irreversível. Para outros, o líder leonino apenas colocara uma espécie de último prego no projeto que delineara para um Sporting pós-invasão de Alcochete. E pouco depois dessa estreia, sem tempo para que se percebesse o impacto de Ruben Amorim na equipa, a pandemia deixou o país fechado em casa durante várias semanas. O Sporting ocupava a quarta posição a 18 pontos do FC Porto e 17 do Benfica (e a quatro do Sp. Braga), tinha uma equipa com poucas mais valias, apresentava problemas no plano económico e financeiro, voltava a viver de forma mais latente um clima de guerrilha. Mais de quatro anos e meio depois, tudo mudou. Amorim pode não ter sido solução para tudo mas não falhou em quase nada.

Frederico Varandas, presidente do Sporting, entregou uma recordação a Ruben Amorim antes do encontro com o Manchester City

O primeiro mercado que mudou o paradigma e a quebra do jejum para o Novo Sporting

Quase porque, em termos práticos, os dois primeiros objetivos em termos de competições foram falhados. Na primeira temporada, que tinha ainda dez encontros por disputar antes da paragem pela pandemia, os leões não foram além do quarto lugar por terem feito apenas um ponto nas três últimas partidas (e com derrotas no Dragão e na Luz, com um empate sem golos com o V. Setúbal pelo meio) e falharam no arranque da época 2020/21 a qualificação para a fase de grupos da Liga Europa com uma goleada sofrida em Alvalade diante do modesto LASK Linz, num duelo que marcava o regresso de Amorim ao banco após ter contraído Covid-19. “Os sportinguistas sentem uma desilusão legítima”, assumiu o adjunto Emanuel Ferro após o jogo.

Onde se via uma possível crise, Ruben Amorim encontrou uma oportunidade. O técnico que durante largos meses esteve no meio de uma polémica por causa do nível de treinador que tinha, e que nos primeiros meses fez com que tivesse de ficar no banco durante os jogos e não fosse à zona de entrevistas rápidas depois dos encontros, tinha começado na ponta final de 2019/20 a desenhar um figurino tático de 3x4x3 assente numa nova identidade de jogo que promovia novos jogadores da formação como Nuno Mendes, Matheus Nunes, Eduardo Quaresma ou Tiago Tomás (e Jovane Cabral, que passou a ter uma relevância como nunca merecera na equipa). Aquilo que se podia valorizar acrescentando à equipa estava detetado, faltava construir depois a base para fazer crescer tudo o resto. Esse foi um primeiro mercado a mudar o paradigma leonino.

Foi um dos temas mais escrutinados no início dessa época: por não ter o nível IV do curso de treinadores, Ruben Amorim não surgia como treinador principal nas fichas de jogo, pelo que não podia, por exemplo, levantar-se do banco ou falar nas entrevistas rápidas a seguir aos jogos. Por várias vezes o técnico revelou em termos internos a frustração que era deixar Emanuel Ferro nas flashes interviews após os encontros. Achava que não deveria ser assim, que deveria ser ele a dar a cara sempre que surgisse um mau momento como o que aconteceu em Famalicão, na sequência do segundo empate no Campeonato que terminou com confusão no relvado e no túnel de acesso aos balneários. O dom da comunicação mostrava-se: “Estamos a viver o jogo, mais de 90 minutos, e houve um golo. Festejei o golo, nem sei o que disse, foi anulado. No túnel? Foi mais do que se viu no jogo, um Sporting muito unido. A equipa do Sporting quando vai, vão todos. Tive de ir buscá-los duas ou três vezes lá fora. Mas não se passou nada de mais”. Estava criado o lema para uma época.

Ruben Amorim fez a estreia pelo Sporting em março de 2020 no jogo que antecedeu a paragem pela pandemia, batendo o Desp. Aves em Alvalade por 2-0

Pedro Fiuza

Por forma a ter alguma (pequena) margem para contratações, tinham saído do plantel alguns dos jogadores com mais valor de mercado mas que Amorim entendia ter soluções para ocupar como Wendel, Marcos Acuña e Vietto além de Matheus Pereira. Com isso, mesmo não sendo muito, construiu-se uma nova base: João Mário e Pedro Porro chegaram por empréstimo, João Palhinha voltou a Alvalade, Gonçalo Inácio subiu para ser opção à equipa A, Adán e João Pereira assinaram a custo zero, Pedro Gonçalves, Nuno Santos e Feddal foram os únicos movimentos a envolver mais dinheiro sendo que, pelas limitações existentes, tudo ficava a ser negociado até à última e com percentagens de passes a ficarem nos clubes de origem. O saldo era positivo, a equipa ia dando resposta só com vitórias e dois empates até janeiro. Aí, chegou uma versão 2.0.

Apesar de toda a contenção de custos e das reduções com pessoal e de passivo, o primeiro semestre da SAD iria encerrar com 6,9 milhões de euros de prejuízo tendo em conta uma contração no volume de negócios de 32% ainda com estádios fechados e demais condicionantes. Era nesse contexto que surgia mais uma vez a necessidade de ir ao mercado à procura de um avançado. O clube apresentava várias opções, Amorim queria apenas Paulinho ou mais nenhum. O cenário era simples: com a conquista do título, o jogador do Sp. Braga era um investimento; sem ela, iria transformar-se num custo demasiado pesado. As negociações começaram, os valores estavam demasiado altos, pelo meio o Sporting continuava a ganhar a conquistou a Taça da Liga. No mesmo dia em que iria defrontar o Benfica em Alvalade, Paulinho assinou mesmo, ficando na altura como a contratação mais cara de sempre (16 milhões por 70% do passe entre outras alíneas).

O Sporting conseguiria mesmo quebrar o jejum de 19 anos sem ganhar o Campeonato, o maior de sempre do clube e que superou os 18 anos até 2000, com a particularidade de fazer a festa com um triunfo pela margem mínima frente ao Boavista em Alvalade com um golo de… Paulinho. Foi uma campanha para a história, com apenas uma derrota na Luz e com o título ganho (4-3) e milhares e milhares de pessoas a saírem à rua numa altura em que o País vivia ainda todos os condicionamentos da pandemia. “A época 2020/2021 constitui a primeira edificação de um Novo Sporting. O Novo Sporting a que demos início em setembro de 2018 e que, dia a dia, jogo a jogo, ano após ano, se destaca em três vetores: sustentabilidade, competitividade e honestidade”, destacava Frederico Varandas no fecho de um exercício que coincidia com o pior resultado da sociedade desde 2012/13 com um prejuízo de 32,9 milhões de euros. O custo era mesmo um investimento.

Com a venda de Nuno Mendes a tornar-se a segunda maior de sempre dos leões, apenas superada por Bruno Fernandes e com esse extra de trazer até Alvalade por empréstimo Pablo Sarabia, o mercado não teve uma quantidade tão grande de mudanças mas trouxe de volta Islam Slimani como alternativa a Paulinho, algo que sempre se percebeu ser mais um desejo da administração da SAD do que do próprio treinador (que admitia a entrada de mais um avançado mas com outro contexto). O Sporting conquistou a Supertaça, ganhou depois a Taça da Liga, caiu nas meias da Taça de Portugal e foi superado pelo FC Porto no Campeonato apesar de ter feito 85 pontos. Na Champions, depois de uma fase de grupos com três vitórias, os leões foram pela segunda vez aos oitavos mas acabaram goleados pelo Manchester City em casa logo na primeira mão por 5-0.

Por paradoxal que pareça, esse foi o momento que mostrou como Ruben Amorim tinha clube e adeptos aos seus pés. A forma como todo o estádio se levantou nos últimos minutos da partida com os ingleses a cantar o “Nós acreditamos em vocês” confirmava uma mudança total de paradigma em Alvalade. O Sporting tornara-se um candidato a ganhar todas as provas nacionais, tinha uma identidade perfeitamente definida e mudara o ciclo vicioso que existia em março de 2020 para um ciclo virtuoso quaisquer que fossem os resultados. Foi aí que se percebeu como o futebol reerguido pelo técnico tinha estabilizado também o clube num plano mais institucional, com a parte financeira a ser também beneficiada dessa inversão de ciclo apresentando o maior volume de negócios de sempre (181,9 milhões) entre o terceiro melhor resultado da história da SAD (25 milhões) e o melhor em termos operacionais sem transações de jogadores (12 milhões).

Em paralelo com isso, Frederico Varandas “aproveitou” o recentrar do foco dos adeptos naquilo que deveria ser sempre: os resultados desportivos do futebol e também das modalidades. A “guerra” com as claques não conheceu propriamente uma trégua, as eleições de 2022 tiveram mais dois candidatos numa campanha com várias críticas à mistura (Nuno Sousa e Ricardo Oliveira), nem por isso o clube voltou aos tempos do passado recente com uma estranha veia autofágica. Apesar de ter a reeleição mais do que controlada, o presidente dos verde e brancos apresentou ainda mais uma carta para consolidar todo esse reerguer da estrutura e anunciou o acordo com o Millennium BCP para a recompra da sua parte dos VMOC. Também aqui deixava de haver razões para conversas entre siglas sobre futuro: a maioria do capital social da SAD estava garantida.

A renovação na pior época, a resposta com a melhor época e a preparação da Last Dance

O projeto desportivo estava delineado, construído e consolidado mas nem por isso deixou de ter um teste de fogo na temporada de 2022/23. Começou mal, esteve ainda pior, terminou da melhor forma. Ruben Amorim nunca teve o seu lugar em causa (apesar das várias conferências em que dizia que podia sair se fosse essa a vontade) mas enfrentou pela primeira vez uma temporada com demasiados erros coletivos, resultados aquém e momentos de maior tensão com Frederico Varandas. Principal motivo? A venda de Matheus Nunes no final do mercado de verão, numa altura em que João Palhinha já tinha saído para o Fulham, Manu Ugarte assumia a posição 6 com características diferentes, Morita estava em período de adaptação e Pedro Gonçalves tinha de recuar para o meio-campo deixando o lugar onde sempre rendeu mais em Alvalade.

Amorim nunca teve grandes discussões em relação a vendas de jogadores habitualmente titulares desde que as mesmas fossem ponderadas, realizadas e “compensadas” de forma atempada. Nesse momento, quando o médio saiu para o Wolverhampton pelas mesmas condições que já tinham sido recusadas numa fase anterior pelo clube e pelo próprio, o técnico foi apanhado de surpresa e as relações com a estrutura ficaram bem mais frias. Com o tempo, tudo foi normalizando. Varandas percebeu a posição de Amorim, Amorim percebeu a posição de Varandas. Problema? Os resultados não apareciam. A equipa baixou o rendimento em termos ofensivas entre oportunidades criadas e golos, cada erro defensivo resultava em golo do adversário, o atraso no Campeonato começava a ser demasiado grande e até a fase de grupos da Liga dos Campeões acabou sem qualificação para os oitavos apesar dos dois triunfos logo a abrir. Na paragem do Mundial, tudo virou.

Ruben Amorim nunca deu entrevistas, nem nos momentos bons, nem nos momentos maus. Teve convites de todos os meios nacionais, recebeu solicitações das maiores publicações mundiais, preferiu sempre manter a sua “reserva” deixando tudo para as conferências de imprensa. Em dezembro de 2022, abriu uma espécie de “exceção”: no dia em que renovou contrato com o Sporting até junho de 2026, passou pelo programa ADN de Leão, mostrou um outro lado menos conhecido e prolongou as juras de amor ao clube que quase pareciam apagar o que se passara nos primeiros meses da temporada. Na segunda metade, as coisas foram mudando: Diomande foi uma chegada prometedora em janeiro, a qualificação nos oitavos da Liga Europa com o Arsenal tornou-se um dos pontos altos (antes da eliminação com a Juventus), a última derrota na Liga foi em fevereiro não evitando o quarto lugar. A pior temporada tornou-se a maior das lições internas.

Com o fecho das negociações com o Novo Banco para os restantes VMOC e também do último capítulo de toda a reestruturação financeira, a que se juntou mais um resultado positivo no exercício de 25,2 milhões de euros (com volume de negócios de 222 milhões de euros) e a venda de Manu Ugarte para o PSG depois da saída de Pedro Porro para o Tottenham, o Sporting entrava num patamar onde podia fazer contratações cirúrgicas para determinados setores com outra disponibilidade para chegar aos alvos desejados no mercado internacional. Foi no verão de 2023 que apareceu de forma mais visível outro dos departamentos que tinha sido completamente transfigurado: o scouting. Quando Hugo Viana negociou entre várias viagens e reuniões as contratações de Viktor Gyökeres com o Coventry e de Morten Hjulmand com o Lecce, o Sporting conseguiu pela primeira vez ter um plano A, ficar pelo plano A e pagar um pouco mais para garantir o plano A numa perspetiva de melhor avançado para a ideia de Amorim e não apenas de melhor avançado.

No início, houve ceticismo. O sueco vinha da Segunda Liga inglesa, o dinamarquês tinha marcado apenas um golo nos seniores em 2019/20. Com um par de jogos, tudo foi dissipado. O Sporting tornou-se uma equipa com muito mais soluções em termos ofensivos, conseguiu superar da melhor forma a perda de Ugarte no meio-campo e foi “ganhando” jogadores como Francisco Trincão, Daniel Bragança ou Eduardo Quaresma, que se mostravam a um nível muito acima do que tinham feito anteriormente. Foi quase a época do causa-efeito: Amorim tirou o melhor de Gyökeres e Hjulmand, Gyökeres e Hjulmand deram o melhor à equipa do Sporting, o Sporting mostrou o melhor que Amorim conseguia fazer. O título parecia uma questão de tempo, confirmando-se numa fase em que o treinador tivera um raro episódio em que foi apanhado em falso.

Aproveitando a folga depois do triunfo com o V. Guimarães e antes de uma deslocação ao Dragão que podia acelerar a conquista do Campeonato, Ruben Amorim foi fotografado a entrar num jato privado para rumar a Londres onde iria reunir com o proprietário do West Ham. O técnico considerava naquela altura que o título já não fugia aos leões e aceitou o repto de conhecer o líder de um clube que lhe apresentava um projeto um pouco diferente daquilo que perspetivava para primeira experiência no estrangeiro mas que poderia ter as suas vantagens. Ao ser “apanhado”, pediu desculpa aos jogadores e aos adeptos, assumiu que tinha sido um erro, não mais voltou a falar com os dirigentes dos hammers e, em pleno Marquês do Pombal, “confirmou” com o célebre “Vamos ver” que ficava em Alvalade à procura do bicampeonato. Mas o que aconteceu?

Ruben Amorim sabia que estava referenciado por algumas equipas europeias de topo e que o “salto” para fora, sobretudo para a Premier League que teve sempre como principal objetivo, era uma questão de tempo. No entanto, e com a possibilidade Liverpool a cair por terra com a confirmação de Arne Slot como sucessor de Jürgen Klopp, todas as principais equipas estavam “tapadas”. O problema de Amorim não era a questão de sair por cima como campeão mas sim a necessidade de ter de criar um novo ciclo fazendo algo que até aí nunca fizera na carreira: dar ordem de saída a alguns soldados mais próximos que o foram acompanhando desde a chegada ao Sporting como Antonio Adán, Luís Neto ou Paulinho (Coates não deveria sair em 2024 mas foi isso que aconteceu no verão). Foi isso que acabou por fazer, sem beliscar o sucesso coletivo.

Ruben Amorim voltou a ser campeão em 2024 depois da pior época em Alvalade em que terminou na quarta posição (e renovou até 2026)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Para equilíbrio de contas, os leões venderam Paulinho e Mateus Fernandes, beneficiando de mais uma série de negócios a envolver jogadores que davam ainda mais valias (Fatawu, João Palhinha e Renato Veiga, entre outros). Com isso puderam chegar Zeno Debast, numa perspetiva de novo “patrão” da defesa; Kovacevic, um guarda-redes há muito identificado também pelo seu jogo com os pés (e que começou como titular, antes de lesionar-se e perder o lugar para Franco Israel); Maxi Araújo, numa aposta a breve/médio prazo para dar outras opções ao corredor lateral esquerdo; e Conrad Harder, plano B caso Ioannidis não chegasse que tinha como principal diferença necessitar de mais tempo e trabalho para chegar onde pode. A época nem começou da melhor forma com a derrotas na atípica final da Supertaças mas o tempo deu razão às apostas.

Já depois de Ruben Amorim ter feito ver a Frederico Varandas que esta seria a última época no Sporting, por considerar que existia um natural desgaste na posição e que estava na altura de assumir um outro desafio que lhe permitisse ir para outros patamares na carreira, a SAD verde e branca fez todos os esforços para fazer uma espécie de Last Dance em 2024/25 com o plantel mais equilibrado e completo desde o início deste ciclo. Os resultados, esses, não falharam: os leões igualaram o melhor arranque de sempre no Campeonato com 11 vitórias consecutivas com 39 golos marcados, ocupam o segundo lugar na Liga dos Campeões com três triunfos e um empate e deixaram outra apresentação em termos internacionais com a goleada ao City. Até nos grandes e mais complicados desafios antes da despedida, a resposta da equipa foi sempre a melhor.

O crescimento de 50% em cinco anos de uma máquina que é o que devia ter sido sempre

Quando bateu o pé nas negociações com o Manchester United, que queriam chegar e levar Ruben Amorim (com esta nota de estar escrito sem acento depois de o próprio ter explicado isso mesmo, “contrariando” a forma como se ia escrevendo inclusive pelo próprio clube) quase no dia seguinte se fosse possível, Frederico Varandas jogava em dois “campos”. Por um lado, e num cenário que não se confirmou, o líder do Sporting queria garantir que a incursão em Alvalade ficaria circunscrita à equipa técnica e não chegaria a muitos outros departamentos que foram sendo desenvolvidos nos últimos anos, do scouting ao departamento de performance. Por outro, quis ter a certeza de que o sucessor, João Pereira, não entraria num ciclo muito complicado de jogos entre Estrela da Amadora, Manchester City e Sp. Braga. Ganhou essa aposta.

Com a paragem para as seleções, o treinador da equipa B, que estava a ser “preparado” por Ruben Amorim desde o momento em que assumiu a formação Sub-23 para uma transição natural no final da época, terá o seu tempo para começar a trabalhar com os novos jogadores antes do regresso dos vários internacionais, fará a estreia na Taça de Portugal com o Amarante em Alvalade e ganha margem para, com muito apoio dos dois principais capitães, Hjulmand e Daniel Bragança, encontrar o seu espaço. Em paralelo, herda uma equipa que está cada vez mais confiante de si própria, que igualou o número de vitórias consecutivas num arranque do Campeonato e a maior série sem derrotas, e que pelo meio goleou o tetracampeão inglês.

Olhando para as contas do Sporting, o impacto do período Amorim é evidente. Mais do que comparar os saldos do primeiro e último exercícios da SAD (prejuízo de 7,9 milhões em 2018/19, lucro de 12,1 milhões em 2023/24), basta referir que os leões somaram resultados positivos em quatro das cinco épocas e atingiram um volume de negócios de recorde na última temporada de 246,7 milhões, mais de 50% acima do que existia há cinco anos (151,6 milhões). Também o ativo foi subindo de forma constante, atingindo valores de 374,4 milhões de euros e conseguindo colocar as contas em terreno cada vez mais positivo entre a redução dos valores do passivo. No clube, o último exercício fechou com números positivos de 21,1 milhões.

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Ruben Amorim teve a melhor despedida possível de Alvalade com uma goleada por 4-1 frente ao Manchester City

UEFA via Getty Images

Há também outros números a ter em conta, nomeadamente os quatro recordes atingidos em 2023/24 nas contas do Sporting clube: 12,3 milhões de quotização, o valor mais alto de sempre quando em 2018 ficava nos oito milhões (ou seja, aumento de 50%); 116.000 associados com quotas em dia, recorde do clube; 7.500 atletas inscritos nas modalidades, total mais alto de sempre que representa mais 40% do que há seis anos; e 2,4 milhões de euros em receitas com inscrições nas modalidades, mais 38% do que em 2018. Tão ou mais importante, mesmo com feridas que nunca foram devidamente saradas como a relação entre a Direção e as claques, o clube encontra-se numa fase completamente estabilizada em termos institucionais e a investir no seu património, não só com a remodelação de Estádio e Academia como com a recompra do Alvaláxia.

Também no futebol, tudo mudou. A qualidade do plantel, o número de jogadores saídos da formação verde e branca (Geovany Quenda foi o último a dar o “salto” para a titularidade na equipa A), a capacidade de fazer tudo o que é necessário para equilíbrio das contas com apenas uma venda – o valor de mercado de um plantel ainda mais novo passou de 175,5 milhões para 443,5 milhões… –, a possibilidade de reinvestir uma parte muito maior dos montantes que são recebidos nas alienações. Mais: o departamento de scouting, que ganhará um outro peso na estrutura com a saída de Hugo Viana, chegou a um patamar de excelência que está muito acima do que existia, a ligação entre todos os departamentos que gravitam em torno do futebol é mais fluido do que existia antes da entrada de Ruben Amorim, o envolvimento dos adeptos é de tal forma grande que a venda de lugares anuais ficou com uma fila de espera de quase 8.000 associados em 2024.

O Sporting queria um treinador capaz de ganhar, Amorim foi resposta. O Sporting queria alguém que fosse capaz de montar as bases de uma equipa que estivesse sempre mais perto de vencer, Amorim foi resposta. O Sporting queria uma figura que fugisse a discursos mais polémicos ou a olhar sempre para arbitragens nos momentos em que as coisas não corressem bem, Amorim foi a resposta. O Sporting queria um pensador de todo o edifício do futebol para rentabilizar a formação e criar mais valias desportivas e financeiras, Amorim foi a resposta. Ao longo de mais de quatro anos e meio, Amorim foi sempre a resposta, tornou-se o técnico mais importante da história do clube pelo trabalho que fez e a perceção que saiu para fora era que funcionava como motor de tudo. Agora, em termos internos, o desafio passa a ser provar de que Amorim era um motor de uma máquina que se tornou o que devia ter sido sempre e que consegue trabalhar por si.

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