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Os ganhos gerados pelo crescimento económico, os dividendos do Banco de Portugal e a poupança nos juros deram ao Governo a margem para aliviar a austeridade orçamental, cumprindo genericamente todos os objectivos a que está obrigado em Bruxelas e aquilo que pretendiam os partidos que o apoiam. Mesmo assim, esses recursos foram insuficientes para satisfazer todos os encargos com os acordos com o PCP e o Bloco de Esquerda, adiando-se parte da factura da despesa pública adicional para 2019 e até para depois desta legislatura.
Em termos simplificados, são mais 1.900 milhões de euros daquilo que se pode designar como “receitas conjunturais” que caem nas contas públicas do próximo ano. Olhando para as parcelas, esse dinheiro vem do crescimento da economia – que com menos despesa, nomeadamente social, e mais receita fiscal e social – e está estimado pelo Conselho de Finanças Públicas em mil milhões de euros; dos dividendos do Banco de Portugal previstos para 2018 da ordem dos 500 milhões de euros – sem contar com o que ainda virá mais com o IRC – e da poupança nos encargos com juros da dívida pública que superam os 400 milhões de euros.
Toda esta folga é equivalente à subida da despesa corrente sem juros, onde estão os gastos com pessoal e sociais. São quase mais dois mil milhões de euros, entrando o Estado numa trajectória inversa à que teve até 2015. Entre reposições, descongelamentos, regresso da normalidade da aplicação da lei que actualiza as pensões e medidas de integração no quadro de funcionários públicos, os gastos públicos voltam a aumentar.
Prestações sociais em alta
O aumento das despesas com prestações sociais assume um especial peso já que absorve dois terços da subida dos gastos públicos excluindo juros (quase mil milhões de euros). Esta evolução, apesar da conjuntura favorável do emprego que reduz os encargos com a segurança social, é fundamentalmente explicada pela actualização automática das pensões por via da aplicação da lei (357 milhões de euros), a que se somam a actualização extraordinária acordada com o PCP (que custará 154 milhões em 2018 e terá ainda efeitos em 2019) e os aumentos nas carreiras longas por acordo com o Bloco de Esquerda (48 milhões de euros).
Os pensionistas são os ganhadores inequívocos deste Orçamento do Estado para 2018, já que todas as dúvidas que se levantam em relação aos efeitos da descida do IRS dificilmente lhes são aplicadas. É o caso do vale educação que poderá minorar os efeitos da descida do IRS nos rendimentos de escalão mais elevado.
Mas são também as medidas associadas às prestações sociais que geraram, previamente à apresentação do Orçamento do Estado, o alerta do Presidente da República, avisando que as contas do Estado devem evitar “uma pressão excessiva no domínio das prestações sociais, sobretudo com pensamento eleitoralista”. Marcelo Rebelo de Sousa fez estas declarações na sexta-feira dia 13 de Outubro ao fim da tarde, horas antes da engrada da proposta à Assembleia da República.
No seu conjunto, as medidas para as pensões aumentam aquilo que se considera ser a despesa estrutural – gastos que são muito difíceis de cortar, como foi exposto no período da troika. Tal como também acontece com os funcionários públicos.
Mais funcionários, a mesma despesa?
A elevar a despesa pública corrente contribuem ainda os compromissos assumidos pelo Governo que envolvem a função pública, nomeadamente o descongelamento da progressão nas carreiras, o fim dos cortes nas horas extraordinárias e a integração dos trabalhadores a recibos verdes. No conjunto destas três medidas, a que comporta maiores riscos para o controlo orçamental é a das progressões nas carreiras, como aliás o reconheceu indirectamente o ministro das Finanças Mário Centeno na apresentação pública do Orçamento do Estado faltavam poucos minutos para terminar a sexta-feira dia 13 de Outubro.
Quando se olham para os grandes números da administração pública, as despesas com pessoal estabilizam comparativamente a 2016 (aumento de 71 milhões de euros), traduzindo-se por isso numa nova descida em percentagem do PIB.
A questão que se coloca é: como é possível manter a despesa corrente controlada neste domínio com as medidas que foram anunciadas? De acordo com a informação disponibilizada pela proposta de Orçamento do Estado para 2018 e aquilo que o Governo revelou quanto à distribuição das responsabilidades agora assumidas as explicações são várias.
Comecemos pela integração dos funcionários que estão a recibos verdes, medida que poderá abranger cerca de 30 mil pessoas – segundo a informação mais actual, os professores só serão abrangidos após três contratos.
A primeira explicação é que a despesa já lá está, em princípio contabilizada noutra rubrica que não a de pessoal. Em segundo lugar, a integração dos funcionários traduz-se nas mesmas ou mesmo num aumento das contribuições para a segurança social. O único problema que esta medida levanta é, tal como noutros casos, aumentar o montante de despesa pública que é estrutural ou rígida.
No caso das progressões nas carreiras, o Governo optou por distribuir a despesa por dois anos, atingindo-se o valor máximo de 600 milhões de euros já depois do fim desta legislatura, em 2020. Em 2018, o Estado assume apenas o pagamento de 211 milhões de euros, encargo que resulta da primeira prestação de 25% paga em Janeiro e da segunda em Setembro. Os restantes 50% só entram nos bolsos dos funcionários públicos em 2019, em Maio e Dezembro, respectivamente.
Como consequência, o impacto total desta medida apenas se faz sentir em 2020, já depois do fim deste Governo de António Costa – esta legislatura termina em finais de 2019.
A interrogação técnica que se coloca neste domínio é se o montante total das promoções não tem de ser contabilizado logo em 2018 na óptica da contabilidade nacional, ainda que do ponto de vista da tesouraria esse montante só seja gasto mais tarde.
O descongelamento das carreiras, um “exercício complexo” como denominou o ministro das Finanças, é uma das medidas que comporta maior risco de derrapagem, exigindo da equipa da Praça do Comércio especial atenção.
Estima-se que o Estado tenha cerca de 550 mil funcionários – não há certezas – e o ministro das Finanças afirmou, na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento, que 80% deles devem ser abrangidos pela medida das progressões nas carreiras. A ausência de estatísticas sobre o número de funcionários públicos e o facto de o Ministério das Finanças não ter controlo sobre a concretização desta medida elevam o risco de se estar perante uma despesa bastante superior aos 600 milhões previstos – valor total que só sairá dos cofres do Estado na sua totalidade em 2020.
Os combates pela eficiência na despesa
Entre as medidas que o Governo se compromete a adoptar para manter o rigor orçamental, além da ferramenta de gestão que mais tem utilizado que são as cativações convertidas em cortes, estão as que pretendem reforçar a eficiência da despesa, juntando-se ainda os congelamentos.
No seu conjunto, as medidas de 2018 traduzem-se em 1600 milhões de euros e cerca de 65% são “financiadas” por poupanças nas despesas corrente e de juros, para que não tenham efeitos no agravamento do défice público (ver quadro).
No “exercício de revisão da despesa”, O Governo espera ir buscar 287 milhões de euros, um valor significativamente superior ao deste ano (75 milhões de euros). Boa parte dessas “poupanças” vem da Saúde e da Educação (200 milhões de euros), ao mesmo tempo que espera ganhar cerca de 50 milhões de euros com iniciativas que reduzam o absentismo.
Na Saúde, as medidas com que o Governo conta para realizar mais poupanças estão designadas como “reforço da monitorização orçamental e poupança associada a pagamento de dívidas” e ainda na contribuição extraordinária de dispositivos médicos. No caso da Educação a maior poupança está naquilo que o Orçamento do Estado designa como “efeito demográfico”, traduzido na redução da população escolar.
Quando se olha para as contas públicas nesta perspectiva, conclui-se que as alterações nos impostos no consumo pouco contribuem para financiar as medidas que agravam o défice público como as progressões nas carreiras e as mudanças no IRS.
Como consequência, o Governo está muito dependente de medidas de poupança nas despesas de funcionamento do Estado para que as decisões que tomou de descongelamento das carreiras e alívio no IRS, assim como da do adiamento para 2018 da eliminação da sobretaxa, não agravem o défice público.
Menos ou mais impostos?
Todos vão pagar menos IRS. Este tem sido o resultado geral das simulações divulgadas assim como dos grandes números – a receita de IRS regista uma redução de 0,7%. Na perspectiva dos grandes números, a carga fiscal diminui, se considerarmos que o PIB nominal (crescimento real mais inflação) deverá aumentar 3,6% e a receita fiscal sobe 2.1%.
A subida da receita fiscal é explicada pela continuação da estratégia de reduzir os impostos directos e aumentar os indirectos, excepção feita ao IRC uma vez que ainda não está colocada de parte a hipótese de agravamento da derrama estadual para lucros superiores a 35 milhões de euros.
Mas é no IRS que estão centradas as atenções e as dúvidas. Na sequência dos acordos com o PCP e o Bloco de Esquerda, o número de escalões aumenta de cinco para sete e o imposto torna-se também mais progressivo por via do aumento do mínimo de existência para cerca de 9 mil euros e através da correcção do efeito de arrastamento sobre os rendimentos mais elevados da redução da carga fiscal sobre os mais baixos.
Mas o problema da avaliação dos efeitos do IRS está no caso-a-caso. Uma das medidas adoptadas pelo Governo foi o fim dos “vales educação” em vigor desde 2015 e que são usados pelas empresas para pagar aos seus funcionários com filhos, sem suportar IRS e segurança social. O fim desta medida, ainda que coerente com as criticas que o Governo lhe fez e com a abordagem que tem tido em relação às escolas privadas, pode traduzir-se num aumento da carga fiscal de algumas famílias. Admitindo que boa parte dessa pratica ocorre nos rendimento mais elevados, o efeito pode ser neutralizado pelo fim da sobre-ataxa.
Outro domínio que tem gerado análises opostas diz respeito à tributação dos recibos verdes. O ministro das Finanças garantiu, em entrevista à Antena 1, que as mudanças não têm como efeito o agravamento da carga fiscal. Mas boa parte dos fiscalistas que se têm pronunciado sobre o assunto tem dito o contrário.
Até agora, o imposto incidia sobre 75% do rendimento obtido por quem passa recibos verdes em regime simplificado, pressupondo-se que 25% correspondiam a despesas inerentes ao exercício da actividade. O que está previsto no Orçamento do Estado é o fim desses 25%. A contabilização das despesas ou se fica por cerca de 4 mil euros ou terá de estar registada no e-factura não podendo ser superior a 25% do rendimento. Um regime semelhante passa também a ser aplicado no alojamento local.
Foi no domínio dos recibos verdes que caiu uma das medidas que era dada como certa antes da apresentação do Orçamento: o aumento do limite de isenção de IVA de 10 para 20 mil euros.
O Governo argumenta com a necessidade de transparência e diz ainda que a carga fiscal sobre quem está no regime simplificado dos recibos verdes não aumenta porque passa a beneficiar da dedução do valor mínimo de subsistência. Com todo este quadro, este pode ser um tema com alterações na especialidade, nomeadamente com a clarificação da norma orçamental que altera o regime simplificado.
Será também no debate orçamental no Parlamento que deveremos assistir à consagração do agravamento da derrama estadual para empresas que têm lucros superiores a 35 milhões de euros. Em termos gerais, os empresários têm sido bastante críticos em relação às medidas consagradas neste Orçamento, ainda que estejam previstos benefícios fiscais que promovem a capitalização das empresas.
Quanto ao novo imposto designado “sobre o sal”, a possibilidade de a receita ser mais reduzida do que o previsto é significativa. Como ficou demonstrado pela taxa dos sacos plástico, os consumidores e as empresas corrigem muito rapidamente os seus comportamentos o que se traduz numa quase anulação da receita fiscal.
Mais despesa difícil de cortar
É do lado das políticas que agravam a despesa que se podem identificar os maiores riscos das decisões tomadas pelo Governo na proposta de Orçamento do Estado para 2018. Em termos gerais aumenta-se a componente da despesa que é difícil de cortar em caso de necessidade e compromete-se a margem de actuação quer deste Governo quer daquele que vier a entrar em funções em finais de 2019.
Todos os orçamentos assumem compromissos para o futuro e condicionam a margem de manobra dos governos que lhes sucedem. As contas públicas de hoje são o reflexo de decisões que foram tomadas desde, por exemplo, finais dos anos 80 quando entrou em vigor o Novo Sistema Retributivo da Função Pública. E as responsabilidades assumidas com os pensionistas são um outro exemplo de encargos para futuros governos.
A diferença em relação a este Orçamento é que o Governo assume compromissos que poderia pagar num só ano fiscal mas atira-os para os anos seguintes. É o caso das progressões nas carreiras dos funcionários públicos e da actualização extraordinária das pensões. No primeiro caso o encargo ultrapassa a legislatura. Não é a primeira vez que o faz, uma vez que estreou esta prática já em 2016 com a reposição salarial, a sobre-taxa e a actualização extraordinária das pensões.
Além disso, há um conjunto de medidas que aumenta estruturalmente a despesa pública mesmo que algumas, como a integração dos precários, possa ser neutra do ponto de vista da tesouraria. Mas toda esta análise só pode ser feita por via de raciocínios uma vez que os números apresentados pelo Executivo dizem-nos que a despesa estrutural se mantém em 2018 com o mesmo peso deste ano (44,9% do PIB).
Se há mais funcionários públicos, se o regime de progressões nas carreiras se mantém e é reactivado sem qualquer reforma e se não se avança com nenhuma alteração estrutural na segurança social estamos não só a aumentar a despesa estrutural como a não corrigir os efeitos nefastos que se revelaram no passado.
Enquanto a economia estiver a crescer e as taxas de juro historicamente baixas e com apoio do BCE não teremos problemas. A dimensão estrutural da despesa só se revelará quando, como acontece ciclicamente, a crise voltar. Para já, o Governo tem condições para cumprir o défice de 1% do PIB em 2018 com ganhos para quase todos e dando aos pensionistas e aos funcionários públicos a parcela de leão dos benefícios do crescimento, dos dividendos do Banco de Portugal e da redução das taxas de juro.