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Já tinha sido agredido várias vezes e tinha alguns dentes partidos quando viu dois homens e uma mulher a pegar em cordas. Nesse momento, terá percebido que a noite, naquela mata, que seria para celebrar o seu 24.º aniversário, estava prestes a ficar pior. Mas essa certeza só terá chegado quando o amarraram a uma árvore e começou a sentir um líquido a escorrer-lhe pelo corpo. Era gasolina.
Tudo terá acontecido no início de fevereiro, mas a Polícia Judiciária (PJ) só há dias fez as últimas detenções. A investigação apurou que, ainda que fosse aparentemente impossível escapar “das amarras” e dos três suspeitos que lhe apontavam uma catana e uma arma de fogo, o jovem terá conseguido fugir pelo meio da mata para onde foi levado, localizada perto de Couto de Cima, em Viseu. Tudo graças a uma pequena hesitação da mulher.
Primeiro vieram as desconfianças, depois o plano para arrancar a confissão
Passaria pouco da 00h20 do dia 2 de fevereiro quando André (nome fictício) recebeu o alerta para sair. À sua espera, fora de casa, estariam dois homens e uma mulher que já conhecera. Um deles seria quem lhe fornecia droga, acredita a polícia. O convite era para celebrar as primeiras horas do seu aniversário numa “zona florestal” ali perto.
“Eles sabiam que era cliente dele e aproveitaram para ir ao seu encontro, supostamente para também lhe fornecerem drogas e para consumirem cocaína juntos“, explica ao Observador Carlos Chambel, diretor da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária. O que André não sabia é que um dos homens desconfiava que ele teria um caso com a sua namorada — a mulher do grupo — e que estava disposto a arrancar-lhe uma confissão.
O plano terá sido pensado à medida que as suspeitas foram aumentando. O homem que suspeitava de André estava com o termo de identidade e residência (por suspeitas de crimes relacionados com o tráfico de droga) e terá confrontado inicialmente a mulher, uma estudante em Coimbra de 21 anos, com as dúvidas. Perante a sua recusa em assumir a suposta relação, orquestrou um plano para fazer com que André a admitisse. E tê-la-á envolvido em todo o crime, encarregando-a do último passo: o de acender a chama.
A hesitação que determinou a fuga
Antes de saírem de casa para apanharem André, o suspeito terá cortado a pulseira eletrónica, dando imediatamente o alerta às autoridades da sua fuga. Depois, já com o jovem no carro, terão conduzido para a mata, munidos de cordas, de uma catana, de uma arma de fogo e de um garrafão de cinco litros cheio de gasolina, com o objetivo de o fazer admitir que mantinha um relacionamento com a mulher.
“Primeiro, agrediram-no”, continua o diretor da PJ. “O homem que, na altura, estava em fuga agrediu-o com um objeto metálico e fraturou-lhe alguns dentes.”
Em seguida, ameaçaram-no com a catana e com uma arma de fogo a assumir o relacionamento. A PJ acredita que os consecutivos “nãos” levaram-nos a amarrar-lhe os pés e as mãos a uma árvore e a regá-lo com combustível.
“Faltou, felizmente, a parte final, que seria incendiá-lo”, aponta Carlos Chambel. Segundo o que a PJ conseguiu apurar, a jovem, que tinha a missão de atear o fogo, hesitou no momento de acender a chama, o que acabou por levar a um “desentendimento” entre todos os suspeitos. André aproveitou este momento para se desamarrar e fugir.
“Correu rapidamente e ficou escondido no meio da mata até ter a confirmação de que os outros já tinham abandonado o local”, revela o responsável da Judiciária do Centro. Os suspeitos “ficaram assustados e perplexos com a fuga” e optaram “por escapar” com receio de repercussões.
A longa caminhada pela mata até ao pedido de ajuda
Com os dentes partidos, “a cara ensanguentada” e com um cheiro forte a gasolina, André terá caminhado pelo meio da mata até avistar a primeira casa, onde acabou por pedir ajuda. Foram os moradores dessa casa, aliás, que terão ligado para o 112, tendo meios da GNR e do INEM sido acionados ao local. O jovem acabou por ser assistido no Hospital de Viseu.
Quanto aos suspeitos, o suspeito que já estava com uma medida privativa de liberdade foi imediatamente identificado e detido, graças à pulseira eletrónica que cortara antes das agressões, estando neste momento em prisão preventiva.
Os outros – a jovem, estudante na Universidade de Coimbra, e o homem, de 33 anos – foram detidos nos últimos dias, tendo a primeira sido sujeita à medida de coação de “apresentações semanais e proibição de contactos com os restantes intervenientes” e o segundo ficado em prisão preventiva.